A RENOVAÇÃO CARISMÁTICA CATÓLICA: UMA ETNOGRAFIA JUNTO AO GRUPO DE ORAÇÃO SÃO MIGUEL ARCANJO EM JUNQUEIRO (AL)

DISCENTE: JOÃO MAURÍCIO VIEIRA FILHO; ORIENTADORA: SÍLVIA AGUIAR CARNEIRO MARTINS

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                    UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS
INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
CURSO DE LICENCIATURA EM CIÊNCIAS SOCIAIS

JOÃO MAURÍCIO VIEIRA FILHO

A Renovação Carismática Católica: Uma etnografia junto ao Grupo de Oração São Miguel
Arcanjo em Junqueiro (AL)

Maceió
2018

JOÃO MAURÍCIO VIEIRA FILHO

A Renovação Carismática Católica: Uma etnografia junto ao Grupo de Oração São Miguel
Arcanjo em Junqueiro (AL)

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao
Instituto de Ciências Sociais da Universidade
Federal de Alagoas, como requisito parcial para
obtenção do grau de graduado em Ciências Sociais
– Licenciatura. Orientadora: Silvia Aguiar Carneiro
Martins

Maceió
2018

Folha de Aprovação

JOÃO MAURÍCIO VIEIRA FILHO

A Renovação Carismática Católica: Uma etnografia junto ao Grupo de Oração São Miguel
Arcanjo em Junqueiro (AL)

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao
Instituto de Ciências Sociais da Universidade
Federal de Alagoas, como requisito parcial para
obtenção do grau de graduado em Ciências Sociais
– Licenciatura.
Aprovação: __/__/____
Banca Examinadora
_______________________________________
Profa. Dra. Silvia Aguiar Carneiro Martins
Presidente da Banca – Orientadora (ICS/UFAL)
_______________________________________
Prof. Dr. Amaro Xavier Braga Júnior
Avaliador Interno (ICS/UFAL)
_______________________________________
Prof. Dr. Siloé Soares de Amorim
Avaliador Interno (ICS/UFAL)

Ao madeiro da Santa Cruz,
liminar entre a glória e o escândalo.

AGRADECIMENTOS
Ao Deus Amor, por nunca ter desistido de mim. Gratidão que não se mede.
Aos meus pais, Zuleide e João Maurício, pelo amor autêntico que reverberou nas renúncias em
prol das minhas escolhas. Aos senhores, minha gratidão mais sincera.

À minha família, que sempre foi porto seguro. Agradeço aos meus irmãos, Zenilda, Vitor, Luís

e Edvaldo e às suas famílias. Agradeço às tias e aos tios, dentre os quais cito aqueles que

contribuíram diretamente com minha graduação, José Araújo, Niedja e Rejane. Minha gratidão
aos meus avós, Maria José (Zelita), Sebastião, Teresinha e Narcísio. Sou grato aos meus

familiares, pela gratuidade do amor que subjetivamente se constrói nos vínculos de parentesco
e que superam o sangue.

Às amigas e aos amigos que conheci cursando as disciplinas da graduação e que trago para a
vida, Wemerson, Adriane, Ludmila, Weldja e Eberlandes.

À queridíssima professora e amiga Silvia, minha orientadora. Muito obrigado por todo o apoio,
compreensão e amizade.

Às demais amigas e aos amigos que estiveram ao meu lado nos momentos difíceis da graduação

e da vida. Silencio os nomes da maioria para estender a gratidão a todos, mas cito dois que
representam diversas contribuições simbólicas e palpáveis: Guilherme Alcântara e Paulo de
Jesus.

Às colegas e aos colegas que construí durante a graduação, aos do curso de Ciências Sociais,

aos das residências de universitários nas quais morei e aos dos transportes coletivos de
universitários dos quais me servi. Obrigado pelos bons momentos, pelos risos e pelos
perrengues que passamos juntos.

À Igreja Católica. Gratidão eterna.
À Renovação Carismática Católica, especialmente aos interlocutores e demais membros e
liminares que contribuíram com minha pesquisa. Obrigado.

Às professoras e aos professores que me direcionaram desde a infância até a graduação.
Obrigado pelo apoio na construção de conhecimento e pela inspiração que me ajudou a escolher
a docência.

Aos servidores e bolsistas da UFAL que prestavam serviço no Departamento de Registro e
Controle Acadêmico da Universidade, quando eu fui bolsista e trabalhei, também na condição
de bolsista no citado departamento. Obrigado.

À Universidade Federal de Alagoas e ao Instituto de Ciências Socias, por toda a base
institucional necessária à minha formação. Obrigado.

RESUMO
O escopo da pesquisa que subsidiou o resultado escrito deste trabalho esteve baseado na

possibilidade de investigar a transição de status de um católico que passa a ser membro da
Renovação Carismática Católica (RCC), através de uma etnografia realizada junto ao Grupo de

Oração São Miguel Arcanjo da cidade de Junqueiro (AL). O trabalho está inserido no campo
da Antropologia das Religiões e acessou o arcabouço teórico-metodológico de Victor W.
Turner para aclarar esse processo de transição a partir do conceito de liminaridade. A realização

da etnografia contou com a operacionalização de técnicas de pesquisa qualitativa, tais como
entrevista, observação participante e história de vida, também foram utilizados dados oriundos

de pesquisa bibliográfica. O contexto em que um católico carismático está inserido – o grupo

de oração, o movimento RCC e a Igreja Católica – foi descrito e a partir do mesmo foi possível
perceber que o batismo no Espírito Santo e o serviço nos ministérios da RCC caracterizam a
fase e a figura liminares dentro do movimento.

Palavras-chave: Renovação Carismática Católica; Grupo de Oração; Liminaridade;

ABSTRACT
The scope of the research that subsidized the written result of this undergraduate dissertation

was based on the possibility of investigating the transition of status from a Catholic who
becomes a member to the Catholic Charismatic Renewal (RCC) church, through an

ethnography held at the São Miguel Arcanjo Prayer Group in the Junqueiro city , Alagoas state.

The work was conducted in the field of Anthropology of Religion and it has accessed the Victor

Turner’s theoretical-methodological framework to clarify this process of transition based on his
concept of liminarity. The realization of the ethnography counted on the operationalization of
qualitative research techniques, such as interviews, participant observation and collection of

life histories, also it was used data from bibliographic research. The context in which a
charismatic Catholic is inserted - the prayer group, the RCC movement and the Catholic Church

- has been described and based on this data it was possible to perceive that the baptism in the

Holy Spirit and the service in the ministries of the CCR characterize the phase and the liminal
event inside the movement.

Keywords: Catholic Charismatic Renewal; Prayer group; Liminarity;

LISTA FIGURAS E PRANCHAS

Figura 1 – Mapa do estado de Alagoas – p. 65
Figura 2 –Mapa do município de Junqueiro– p. 66
Figura 3 – Hierarquia da RCC – p. 76
Figura 4 – Atribuições do clero católico junto ao movimento RCC – p. 77
Figura 5 – Relação das hierarquias da RCC e da Igreja – p. 78
Figura 6 – Representação das fases do processo de transição de um carismático – p. 82
Prancha 1 – Serviços dos ministérios da RCC no Retiro de Carnaval – p. 130
Prancha 2– Reunião semanal do grupo de oração: comemoração do aniversário do grupo
– p. 131
Prancha 3 – Igreja Matriz de Nossa Senhora Divina Pastora, Junqueiro (AL) – p. 132
Prancha 4 – Ritualidades Carismáticas – p. 133

Prancha 5 – Reunião semanal do Grupo de Oração São Miguel Arcanjo – p. 134

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AG – Ad Gentes

CAPS – Centro de Atenção Psicossocial

CCE - Catechismum Catholicae Ecclesiae
CIC – Codex Iuris Canonici
FR – Frides et Ratio

GOE – Grupo de Oração Escolar
GOJ – Grupo de Oração Jovem

GOPU – Progo de Oração Pré-universitário
GOU – Grupo de Oração Universitário
LG – Lumen Gentium

MUR – Ministério Universidades Renovadas
RCC - Renovação carismática Católica

UFAL – Universidade Federal de Alagoas

Embora levemos as teorias para o campo conosco, elas só se tornam relevantes
quando iluminam a realidade social
(TURNER, 2008, p. 1)

Sumário
1.
2.

INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 13
A RENOVAÇÃO CARISMÁTICA CATÓLICA ............................................................ 28

2.1. RCC: Características, finalidades e perspectivas ........................................................... 29
2.1.1. A RCC na perspectiva institucional do movimento ................................................ 29

2.1.2. A RCC na perspectiva dos carismáticos ................................................................. 31
2.1.3. A RCC na perspectiva da Igreja Católica................................................................ 33

2.1.4. A RCC na perspectiva do meio acadêmico ............................................................. 35

2.2. Congruências e Divergências nas perspectivas acerca da RCC .................................... 45
2.3. A Igreja Católica ............................................................................................................ 46
3.

2.4. Relação da RCC com a Igreja Católica ......................................................................... 51
O GRUPO DE ORAÇÃO ................................................................................................. 56

3.1. A chegada da RCC nos recortes geográficos que compõem o caminho histórico da
mesma até o surgimento do Grupo de Oração São Miguel Arcanjo .................................... 56
3.1.1. A RCC chega ao mundo .......................................................................................... 57

3.1.2. A RCC chega ao Brasil ........................................................................................... 60

3.1.3. A RCC chega ao estado de Alagoas ........................................................................ 62
3.1.4. A RCC chega à Diocese de Penedo ........................................................................ 64

3.1.5. A RCC chega à Paróquia Nossa Senhora Divina Pastora, em Junqueiro ............... 64

3.2. Considerações Gerais sobre o Grupo de Oração............................................................ 69

3.4. Organização e Hierarquia da RCC................................................................................. 73

4. LIMINARIDADE NA RCC: A APLICAÇÃO DO CONCEITO NA TRANSIÇÃO DO
STATUS DE CATÓLICO PARA O STATUS DE CATÓLICO CARISMÁTICO .................. 80

5 – RELATO ETNOGRÁFICO E IMAGÉTICO .................................................................... 99
5.1 - A Reunião Semanal do Grupo de Oração São Miguel Arcanjo: Relato Etnográfico .. 99
5.2 – Narrativa visual de práticas rituais e de serviços na RCC ......................................... 127

6 – CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 135
7 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................. 139

ANEXO 1................................................................................................................................146
ANEXO 2................................................................................................................................147
12

1. INTRODUÇÃO

Este trabalho procura abordar a Renovação Carismática Católica, vertente do

Catolicismo que tem nos últimos anos alcançado um significativo número de adeptos no Brasil.
O último levantamento estatístico feito pela RCC e divulgado em seu portal oficial na internet

revela que no ano de 2.000 a RCC já estava em 135 países diferentes, nos quais atuavam
aproximadamente 148.000 grupos de oração. As reflexões apresentadas aqui nessa introdução
buscam verificar a pertinência de uma pesquisa desenvolvida sobre esse movimento católico,

indicar o campo no qual essa pesquisa está inserida, descrever as técnicas utilizadas e suas
aplicações e também discutir autores que orientaram, metodologicamente o trabalho. É

fundamental apresentar a relevância do trabalho realizado, demonstrando dados sobre como os

objetivos foram delineados e seguidos. A pesquisa está inserida no campo da Antropologia das
Religiões através do qual este trabalho foi organizado para trazer os dados levantados.

É importante explicar que a gênese desse enfoque foi meu interesse em Antropologia

das Religiões e minha profissão de fé. O fato de ser católico, membro da Renovação
Carismática Católica e estudante do curso de Licenciatura em Ciências Sociais despertou em

mim a curiosidade sobre a possibilidade de - a partir de uma pesquisa - responder algumas
questões sobre o movimento dentro da Igreja Católica. Após ter cursado disciplinas, realizado

leituras e dialogado com professores do Instituto de Ciências Sociais, descobri a viabilidade da

pesquisa e dei continuidade, fazendo daquelas questões subjetivas iniciais a matéria dos
objetivos gerais de pesquisa voltada para elaboração deste Trabalho de Conclusão de Curso.

O meu contato com a RCC teve início na infância, quando não sabia sequer por quais

razões eu frequentava os “encontros”1 promovidos pelo movimento. Sempre fui acompanhando

minha mãe e outros familiares a retiros de carnaval, seminários, arrastões e outros “encontros”.

Na infância, tornei-me membro do “Grupo de Oração Kairós”, o qual vi surgir, em Água de
Meninos, povoado do município de Teotônio Vilela – AL. Durante a adolescência frequentei o

grupo de oração “São Miguel Arcanjo”, base empírica deste trabalho, na cidade de Junqueiro -

O termo “encontro” é frequentemente utilizado na RCC para além de seu sentido literal primeiro (verbo
conjugado na primeira pessoa do singular), costuma ser substantivado, como neste caso, para se referir aos diversos
momentos de encontro de membros do movimento (grupo de oração, seminários, oficinas, eventos de massa, etc.)
13
1

AL e nos primeiros anos da graduação participei e posteriormente coordenei o “Grupo de
Oração Universitário Chamado” 2 na Universidade Federal de Alagoas, .

Durante toda a realização das disciplinas de curso de licenciatura em Ciências Sociais

mantive contato com a RCC sendo um adepto e participante ativo. Essa relação foi a principal
motivação para que meus trabalhos na universidade fossem sobre o movimento o que
possibilitou reflexões teóricas. Com o caminhar do curso de graduação decidi desenvolver o

Trabalho de Conclusão do Curso também sobre a RCC, isso aconteceu porque notei a
viabilidade de olhar para a RCC como um antropólogo, não somente como um adepto.

Evidentemente, essa decisão de desenvolver pesquisa etnográfica gerou implicações

éticas (FONSECA, 2010), pois a princípio acreditei poder responder, imediatamente, às
questões que surgiam nos contextos da pesquisa de campo, todavia, com o desdobramento da

pesquisa voltada para o TCC, com o contato e entrevistas realizadas com os interlocutores,
amadureci a postura de pesquisador e reconheci na operacionalização das técnicas e no acesso
às bases teóricas, espaços adequados para responder as questões que surgiram.

Este contato simultâneo com a RCC e com a as Ciências Sociais, mais especificamente

com a Antropologia, foi basilar para a desconstrução da noção inexperiente de que era possível

fazer o trabalho com os conhecimentos que eu tinha e para descobrir o exercício da alteridade
mesmo pesquisando um movimento do qual faço parte.

A princípio algumas dúvidas surgiram sobre esse empreendimento em desenvolver uma

pesquisa etnográfica sobre o RCC, pois se eu havia pensado que poderia responder as questões

com os meus conhecimentos de adepto, posteriormente fiquei inseguro por pensar que estar
próximo demais pudesse atrapalhar a pesquisa, uma vez que na academia nos deparamos com
muitos posicionamentos cientificistas que insistem numa neutralidade do pesquisador e que

ignoram suas subjetividades e relações diretas com o campo. A certeza de que não era o
primeiro e nem seria o último nesse dilema me ajudou a buscar direcionamentos, por essa razão,

A grande maioria dos grupos de oração acontecem em igrejas e seus membros têm perfis diversos, mas existem
grupos de oração que acontecem em academias e seus membros são estudantes, professores e funcionários do
âmbito educacional, são os Grupos de Oração Universitário, existem ainda Grupos de Oração Escolares, Grupos
de Oração Pré-Universitários, Grupos de Oração Jovem e Grupos de Oração para Crianças, os intitulados
“Grupinhos”. Sobres esses diversos tipos de Grupo de Oração que são próprios da RCC falarei no segundo capítulo.
14
2

e por não ter tido profundas orientações a esse respeito nas disciplinas do curso, procurei
materiais que me direcionassem. O primeiro que encontrei foi um divisor de águas.

O referido trabalho é de Conceição (2016), que procura justamente refletir os desafios

que a pesquisa etnográfica apresenta aos pesquisadores que têm relações de pertença com o
campo. O texto traz um diálogo de dois antropólogos que refletem a posição do pesquisador
nativo com outros três que fizeram trabalhos nessa posição. Sua reflexão teve fundamento na
própria experiência de pesquisador nativo do autor.

Não pude deixar de trazer à tona a reflexão da minha relação com a RCC, inclusive

porque “a subjetividade do cientista e sua relação com o objeto de sua pesquisa é uma questão
sempre presente nas discussões sobre metodologias nas ciências sociais” (CONCEIÇÃO, 2016,

p. 42), e não somente por isso, mas porque é inevitável não perceber, durante a pesquisa, as
nuances de uma relação de reinserção no mesmo espaço.

Na pesquisa com a RCC encontrei desafios e vantagens por estar na condição em

questão. Por vezes algo me passava despercebido por ser familiar, em outros momentos algo
era percebido justamente por que eu conhecia o lugar onde pisava. As relações com

interlocutores também estão nesse panorama de vantagens e desafios, uma vez que do mesmo

modo que aconteceu de um interlocutor se sentir mais confortável, aconteceu de outro se sentir

inseguro por me conhecer e detalhar momentos da sua vida, uma vez que uma das técnicas
usadas foi a de história de vida. Devo dizer que foi necessário fazer o que DaMatta (1978)
chama de “viajar para dentro”, pois eu não tinha simplesmente uma aproximação com o campo,
mas uma relação de pertença e de reinserção numa nova condição, a de pesquisador.

O ser carismático é também ser católico, não simplesmente porque a RCC é movimento

da Igreja, mas porque a RCC é um movimento que, através dos discursos de seus membros e

de seus materiais de formação3, insiste em reafirmar isso. Por ter traços indentitários por vezes
associados ao Neopentecostalismo evangélico, o movimento reforça sua pertença à Igreja
Católica quase que como uma defesa: “Não se vê protestantes que veneram a virgem Maria ou

Os materiais de formação são livros e apostilas que a RCC propõe para a formação de seus membros sobre a
organização do movimento, seu carisma, ministérios, etc.
3

15

que vão à missa. Não somos neopentencostais, somos católicos, católicos que vivem sob a
inspiração do Espírito Santo” ( Entrevista com Sara).

O trabalho pretende, em linha gerais, averiguar a partir de que acontece a mudança de

status de um católico que passa a se autodeclarar católico carismático. Por isso se fez necessário

investigar a RCC no que toca sua organização, hierarquia e história. Para entender essa transição
de status, a pesquisa se volta para o grupo de oração que é a “base da estrutura da Renovação
Carismática. Organizados geralmente nas paróquias e liderados por leigos” (FARIA, 2012, p.
24).

A visão da Igreja Católica sobre esse seu movimento também é investigada, assim como

a dinâmica de relações do movimento com a Igreja. Os procedimentos mais valiosos para esse

objetivo, foram, indubitavelmente, o contato com interlocutores e a investigação anterior, a
partir das leituras que contextualizam o trabalho.

O objeto é construído a partir do momento em que um olhar específico é lançado sobre

um recorte e até mesmo esse recorte é feito com base em um olhar teórico que o antecede e

prevê como tal. Para Bourdieu (2005), o objeto científico deve ser construído através de uma
ótica teórica, caso contrário não difere de um objeto comum e não se torna ou não se reconhece
como objeto científico. Para esse trabalho a RCC é, portanto, o recorte que pode ser observado

pela ótica de uma base teórica e que foi investigado a partir da operacionalização de uma

etnografia do Grupo de Oração São Miguel Arcanjo da cidade de Junqueiro – AL, da

observação participante em suas reuniões, da efetuação de entrevistas estruturadas com

interlocutores membros ou vinculados ao grupo de oração, da efetuação de entrevistas
semiestruturadas de história de vida com membros do grupo de oração e da leitura da literatura

acadêmica que versa sobre o cerne das discussões aqui propostas. O olhar teórico lançado sobre
a RCC é o de Victor Turner (1974), antropólogo britânico que se tornou referência em pesquisas
sobre processos rituais que podem envolver a transição de status através deles.

Por conseguinte, as bases empíricas da pesquisa foram em ocasiões em que o grupo de

oração acontece - uma vez por semana, normalmente em um templo católico, por
aproximadamente duas horas – e os encontros quando aconteceram as entrevistas.

Se a metodologia é “o caminho do pensamento e a prática exercida na abordagem da

realidade (MINAYO, 2009, p.16)”, em um trabalho sua significância e delineamento devem
16

receber tanta atenção quanto o próprio aspecto material, uma vez que o conhecimento

construído em uma pesquisa não pode prescindir de um aspecto formal, método, e de outro

material, teoria. Portanto, descrevo o caminho percorrido, tendo em vista dar visibilidade à

importância da metodologia, bem como expor que as considerações feitas no final da pesquisa
estão fundadas nos pilares da ciência: teoria e método.

A escolha da metodologia qualitativa foi dada pela necessidade de melhor investigar a

RCC, tendo em vista que os mecanismos de levantamento de dados e investigação devem ser

escolhidos de maneira a melhor contemplar o objeto. Posso dizer que na escolha das técnicas
um olhar atento ao objeto e aos objetivos pretendidos foram cruciais, decerto que “a pertinência
de um método deve ser avaliada à luz do objetivo da pesquisa” (ALAMI, 2010, p. 19). Por essa

razão, apresento as técnicas que foram imprescindíveis no levantamento dos dados que
permitiram a conclusão deste trabalho.

Para investigar o movimento católico em questão, me propus a fazer o que Cardoso de

Oliveira (1998) chama de “olhar e ouvir” - quando reflete sobre etnografia - noutras palavras,

enxergo pertinência em usar a técnica de etnografia, pela necessidade de observar diretamente
as dinâmicas do grupo, por essa razão atentei aos momentos ou processos que os membros do
movimento apontaram como necessários para um indivíduo católico passar a ser católico
carismático. A etnografia aqui não é só a operacionalização da pesquisa, mas também seu
resultado escrito.

Para atender à necessidade proposta acima, quase que automaticamente sugeri a

utilização da etnografia, uma vez que as interações próprias do movimento se constroem em
seus encontros semanais e a etnografia subsidiou a aproximação, observação e descrição desses
encontros.

A participação nesses encontros, chamados de grupos de oração, através da utilização

da técnica de etnografia se tornou praticável, visto que ela é a técnica que melhor atende a
necessidade de uma aproximação que acontece com objetivos claros, pois “a observação na
pesquisa qualitativa não é uma observação comum, mas voltada para a descrição de uma
problemática previamente definida” (VICTORA; KNAUTH,. 2000, p. 62).

17

Para dizer de outro modo, durante as participações, procurei observar o que nas

entrevistas e na literatura estava descrito como característico do que aqui estou chamando de

transição de status de católico para católico carismático. Além desse olhar direcionado pela
literatura e pela utilização de outra técnica, estive atento durante as participações à descrição
de um grupo de oração, em linhas gerais, e especificamente à descrição do Grupo de Oração
São Miguel arcanjo.

Não se pode esquecer o fato de que sou membro do movimento que pesquiso. Este fato

inclusive reafirma a importância da utilização da técnica de observação participante, decerto

que “na observação participante, o observador não é apenas um espectador do fato que está
sendo estudado, ele se coloca na posição e ao nível dos outros elementos humanos que compõe

o fenômeno a ser observado (RICHARDSON, 2008, p. 261)”. Não defendo que a técnica deve

ser usada apenas quando o pesquisador é também nativo, ao contrário, a técnica permite uma
aproximação que subsidiará melhor a descrição e a análise da parte de quem observa, mas
evidentemente se essa aproximação já existe, a técnica pode ser aplicada.

Na fase primordial do trabalho é necessário que o olhar de um pesquisador nativo esteja

regulado para enxergar através das lentes das técnicas, para que sua visão não reproduza seus

preconceitos e o senso comum, mas possibilite uma investigação autêntica e honesta. É também
nessa fase que o diálogo entre teoria e campo se estabelece.

Não é difícil encontrar antropólogos que se lançam em campos quase que inescrutáveis,

desconhecidos por si e por outros pesquisadores. A busca pelo estranhamento e pela

possibilidade de enveredar à procura de objetos instigantes parece não estar distante da postura
dos pesquisadores que tentam encontrar justamente o novo. Entretanto não se pode deixar de
considerar a relevância de trabalhos que tangenciam esse caminho e se lançam sobre lugares já
conhecidos.

Neste caso a operacionalização da etnografia permitiu um passeio pelo caminho clássico

e pelo caminho inovador, pois se por um lado o objeto é pouco pesquisado, por outro, é
conhecido pelo pesquisador, de modo que oferece ao meio acadêmico um trabalho novo, mas
que foi realizado por alguém que, já tendo um olhar sobre o objeto, se reinventou e lançou um
novo olhar a fim de responder questões, anteriormente, obscuras.

18

Como visto, a etnografia atende a alguns objetivos supracitados, enquanto a técnica de

observação participante contempla outros objetivos, mas alguns outros cabem á técnica de
história de vida, o de descrever o percurso histórico do Grupo de Oração escolhido como

recorte, por exemplo. A utilização dessa técnica foi objetivada com o acompanhamento de
membros do grupo que descreveram suas histórias pessoais com ênfase em suas inserções na
Renovação Carismática Católica.

Assim, a associação dessas histórias com o trajeto do movimento possibilitou a

descrição do percurso histórico do grupo observado, além de aproximar o pesquisador dos

relatos de transição de católico para católico carismático dos interlocutores. “Assim fazendo, o
investigador torna o seu jogo honesto. Embora o trabalho seja apresentado a partir de seu

enfoque, ele enfatiza o valor da perspectiva do ator por aceitar que a compreensão do
comportamento é vista sob o ponto de vista do ator (HAGUETTE, 2001, p. 80).

No entanto, todo o percurso da Renovação Carismática Católica anterior à existência

desse grupo não pode ser acessado apenas com a operacionalização dessa técnica, sendo desse
modo, a realização de entrevistas estruturadas com líderes do movimento, a técnica mais

indicada para o levantamento desses dados e dos dados que permitem investigar a organização
hierárquica do movimento, sua organização e até sua relação com a hierarquia católica.
Evidentemente a pesquisa bibliográfica também contribuiu nesse ponto.

Devo considerar que a entrevista como técnica de pesquisa apresenta algumas vantagens

e limitações, como aponta Boudon (1971), a entrevista é flexível à diversos aspectos da vida

social; é eficiente na angariação de dados sobre o comportamento humano; os dados alcançados
são passíveis de mensuração quantitativa ou qualitativa; alcança diversos públicos que precisam

ser pesquisados, a exemplo de analfabetos; possibilita uma série de dados não obtidos em outras
técnicas justamente pela falta de contato.

Em contrapartida com as vantagens da utilização da entrevista estão suas limitações: as

subjetividades dos alvos da entrevista, que podem impedir a motivação de responder; a

influência que pode ser exercida daquele que entrevista sobre o entrevistado, a dificuldade de
entender a pergunta, os gastos com preparação de pessoal para realização de entrevistas, quando
ela prevê a necessidade de vários entrevistadores; entre outros.

19

A preparação para a realização de entrevistas é a melhor forma de driblar as limitações
que são próprias da técnica.
A realização de entrevistas no âmbito da investigação, requer uma preparação prévia,
cuidadosa e orientada de acordo com os objetivos da pesquisa, não só em termos da
definição dos critérios de seleção dos entrevistados, como a nível dos conteúdos a
abordar e consequentemente das entrevistas (RIBEIRO, 2003, p. 264).

Foi exatamente a preparação prévia que enquadrou a entrevista como a técnica

pertinente para o levantamento de dados deste trabalho. Antes de selecionar os membros que
foram entrevistados, listei os objetivos, estive em campo repedidas vezes e apliquei um

questionário à quase todos os membros do grupo de oração, objetivando perceber quais deles
poderiam ser úteis na resolução dos problemas criados concomitantemente à construção do
objeto da pesquisa.

O trabalho de campo aconteceu no período compreendido entres os meses iniciais de

2016 e os meses finais de 2017. As idas ao campo objetivavam a observação participante e a
realização de entrevistas para a construção da etnografia. A etnografia foi redigida em 2018.

No ano de 2016 participei de aproximadamente 15 encontros do Grupo de Oração São

Miguel Arcanjo. Os primeiros encontros foram registrados no diário de campo, os demais, além
de terem sido registrados nas anotações do diário foram inteiramente registrados em gravações

de áudio que foram posteriormente transcritas e analisadas. Em uma dessas participações –
durante o tempo reservado aos avisos do grupo - apliquei um questionário aos presentes, a
análise desse questionário foi importante para a escolha dos membros que seriam entrevistados.

Não participei de mais encontros do grupo de oração, porque os mesmos sempre

aconteciam nas segundas-feiras, ás 19 horas na Igreja Matriz Nossa Senhora Divina pastora,
em Junqueiro e eu cursava as disciplinas obrigatórias do curso nesse mesmo horário, na

Universidade, em Maceió. Os encontros dos quais participei aconteceram no período em que
resolvi não me matricular em disciplinas ministradas na segunda à noite e no período de férias
e greve da UFAL.

No ano de 2017 realizei entrevistas com líderes da RCC para levantar dados sobre o

movimento, sua história, sua hierarquia e sua relação com a Igreja, entrevistas com os membros

do Grupo de Oração São Miguel Arcanjo que foram os principais interlocutores para o

levantamento dos dados na técnica de história de vida e para a resposta da principal questão da
20

pesquisa, entrevistas com antigos membros da RCC – nem todos atualmente atuantes – para o

levantamento de dados da história local do movimento e entrevista com líderes eclesiástico
também para levantar dados a respeito da relação do movimento com a Igreja Católica.

Durante os dois anos, frequentei outros encontros da RCC, tais como pastoreios, retiros

de carnaval, seminários, entre outros. O registro destas participações em eventos foi feito no
diário de campo. Só são usados neste trabalho os dados que foram registrados no diário, uma

vez que participei de alguns eventos apenas na condição de membro do movimento. Os retiros
de carnaval que acontecem anualmente em Junqueiro foram os eventos que além de participar
como carismático, registrei em fotografias e no diário de campo.

As entrevistas foram marcadas através de redes sociais e aconteceram majoritariamente

nas casas dos interlocutores, como os mesmos preferiam. Apenas algumas entrevistas

aconteceram, imediatamente, após o término do grupo de oração. As entrevistas duraram em
média 40 minutos, tendo a maior delas a duração de quase duas horas e a menor, a duração de
pouco mais que 20 minutos. Quase todas as entrevistas foram gravadas e transcritas, com
exceção de apenas uma que não foi gravada por causa de problemas com o aparelho gravador.

A realização das entrevistas aconteceu em finais de semana, uma vez que em 2017 estive

matriculado concomitantemente na UFAL e no Seminário Propedêutico Nossa Senhora
Auxiliadora em Arapiraca e por essa razão as idas a campo para realização das entrevistas foram
intervaladas.

Com um campo amplo, um objeto relativamente pouco investigado e problemas com o

tempo do trabalho de campo não é estranho que a pesquisa deixe lacunas em aberto, contudo

foram feitos esforços no sentido de que estas lacunas não atingissem os objetivos do trabalho e
que fossem supridas por dados da pesquisa bibliográfica.

Tratando-se de história do movimento e memorando que este é um movimento religioso

já pela Antropologia adentramos num espaço de discussão existente. A interdisciplinaridade
entre as ciências humanas não é uma grande novidade nas pesquisas, uma vez que seus objetos
por vezes até se confundem. A necessidade de uma contextualização história nos trabalhos

antropológicos é dada, bem como tem-se notado a utilização de métodos da Antropologia –
disciplina mais nova que a história – em pesquisas de historiadores.

21

O fato é que se valer dos processos históricos da RCC é valer-se de uma leitura que

introduz a compreensão sobre ela. É por isso que existe aqui uma preocupação com a relação
entre as ciências, pois:

as relações teórico-metodológicas entre história e antropologia é parte de uma tradição
de debates bastante profícua e longa de fins do século XIX ao XX. Cada uma delas
procurou aprender com a outra os enfoques necessários para um entendimento mais
amplo e aprofundado das temáticas culturais (SANTOS, 2010, p. 206).

A RCC não pode ser vista como um movimento isolado, ela tem uma história que não

pode ser esquecida e um sentimento de pertença à Igreja evidenciado a cada entrevista e que foi

construído a partir dos processos que o movimento viveu nos anos de sua existência. Vale

lembrar que é um movimento católico, cristão e, por conseguinte, religioso. É por essa razão
que o texto fez menção clara ao catolicismo e segue se preocupando em refletir sobre o
fenômeno religioso e, especialmente, sobre olhar da ciência sobre o mesmo.

A história da humanidade esteve permeada de representações sobrenaturais, figurações

de divindades, diferenciação entre ações permitidas e profanas, postulação de regras de cunho
moral, apropriação de valores por parte das coletividades e outras tantas características que são

constantemente atribuídas à religião. O fato é que o fenômeno numinoso (STADTLER, 2000)
tanto presente quanto esteve na história, recebeu atenção da ciência. Algumas ciências,
inclusive, se debruçaram sobre esse fenômeno desde seu nascedouro (GUERREIRO, 2003).

Também na contemporaneidade, a presença da religião é constante e seu pluralismo

ainda mais acentuado e globalizado5, não diferentemente de outros tempos, as humanidades

4

tem pesquisado sobre esse fenômeno e elas conquistaram um importante espaço no meio
acadêmico no que se refere à institucionalização e legitimidade desse campo.

O percurso percorrido pela religião, como campo e objeto, tem seu início em discussões

filosóficas sobre a razão e o conhecimento humano. Neste percurso estão, filósofos, cientistas

e religiosos que se preocupam com a relação do homem com o sobrenatural, com a
transcendência e com a construção de conhecimento.

Aqui se entende por pluralismo religioso o fenômeno de coexistência de diversas manifestações religiosas em
mesmos espaço e recorte temporal.
5
Sobre Pluralismo religiosos globalizado, ver “Globalização: Antropologia e Religião” de Otávio Velho
22
4

Neste espaço vale trazer à reflexão a perspectiva da própria RCC em relação a

transcendência. É importante dizer que esse ponto de vista não é verificável nos discursos de

todos os membros da RCC, mas nos discursos de alguns especialistas rituais e nas linhas dos

textos base de formação do movimento e da Igreja. Vele dizer ainda que trago essa reflexão
como forma de mostrar que inclusive instituições religiosas se auto observam para entenderem
o porquê de existirem, o que ilustra a frequente preocupação do ser humano com o sobrenatural.

A RCC, em consonância com toda a Igreja, acredita e defende que o conhecimento pode

ser alcançado pela fé e pela razão, o movimento defende ainda que existe uma universalidade
da religião, defende por acreditar que o homem tende ao sobrenatural, por acreditar que o
homem é capaz de conhecer a Deus. Aqui me refiro especificamente ao Deus cristão, decerto

que reflito a fé de um movimento cristão específico e, por tanto, falar de “um deus” seria ignorar
que me refiro a uma profissão de fé pontual.

Segundo o Catecismo da Igreja Católica, “o homem pode ser chamado de um ser

religioso” (CCE nº 28) e se a RCC busca em tudo seguir os ensinamentos da Igreja (Trecho da

entrevista com interlocutor Marcelo) é possível afirmar que o movimento assume a postura de

defesa da universalidade da religião. Na Encíclica Fides et Ratio (Sobre as relações entre fé e

razão) de São João Paulo II, o magistério da igreja também expõe sua posição em relação à
questão

“basta um simples olhar pela história antiga para ver com toda a clareza como
surgiram simultaneamente, em diversas partes da terra animadas por culturas
diferentes, as questões fundamentais que caracterizam o percurso da existência
humana: Quem sou eu? Donde venho e para onde vou? Porque existe o mal? O que
é que existirá depois desta vida? Estas perguntas encontram-se nos escritos sagrados
de Israel, mas aparecem também nos Vedas e no Avestá; achamo-las tanto nos escritos
de Confúcio e Lao-Tze, como na pregação de Tirtankara e de Buda; e assomam ainda
quer nos poemas de Homero e nas tragédias de Eurípides e Sófocles, quer nos tratados
filosóficos de Platão e Aristóteles. São questões que têm a sua fonte comum naquela
exigência de sentido que, desde sempre, urge no coração do homem: da resposta a tais
perguntas depende efetivamente a orientação que se imprime à existência.” (FR nº 1)

Com poucos fenômenos, tantas ciências diferentes se preocuparam como as

humanidades se preocupam com a religião. Os historiadores sempre verificam a influência da
religião no meio social, cultural, político e até econômico, a psicologia, a medicina e outras

áreas da saúde também apontam seus “microscópios” para esse fenômeno e a existência de
cursos legítimos e institucionalizados de ciências da religião talvez seja a maior evidência do
constante olhar da ciência sobre a religião.

23

A Sociologia das Religiões tem uma produção acadêmica bem estabelecida e até é

possível dizer que é a mais conhecida quando se pensa em Ciências Sociais refletindo religião,

mas o recorte feito para esse trabalho e seu objetivo sugerem uma base teórico-metodológica
da Antropologia.

A parte da Antropologia que volta olhares para a religião é a Antropologia das Religiões.

Avalio como importante a introdução de uma reflexão a respeito da tradição antropológica

desse campo. Se o trabalho prescinde de aprofundada discussão, mas prevê uma exposição que
localize o cenário teórico da pesquisa, procedo trazendo as principais abordagens da tradição
antropológica que pesquisaram religião.

Posso lembrar que quando pensamos em abordagens teóricas diferentes que se lançam

sobre o mesmo campo, percebemos as discrepâncias claras de umas em relação à outras e isso
chega a ser recorrente e comum, mas não é tão corriqueiro que o próprio objeto abra espaço

para autorreflexão e para reflexão a respeito do mundo, mais ainda, que estes espaços sejam de
conflito.

Os sistemas simbólicos significam suas práticas e dão significado também ao mundo.

Se encontramos no método e na teoria as bases do conhecimento científico e ainda assim

enxergamos as diferenças nos resultados das diferentes abordagens, não podemos nos
surpreender com os resultados do conhecimento religioso, cujos critérios não são estabelecidos
como os do conhecimento científico, uma vez que cada sistema de símbolos tem seus próprios
critérios e significados.

Existe uma discussão dentro da Antropologia das Religiões sobre o próprio nome da

disciplina, “para uns, não é possível falar em antropologia da religião no singular, pois essa

unicidade indicaria a ideia de busca de uma essência da religião. Para outros, essa é uma questão

menor” GUERREIRO, 2013, p. 243). Essa é mesmo uma questão menor, mas uso o nome da

disciplina no plural por acreditar que questões como aquela dos critérios utilizados pelos
sistemas simbólicos para explicar o mundo devem ser observadas colocando todos os sistemas

de símbolos equiparados numa mesma escala de qualidade, sem, em nenhuma circunstância,
sobrepor um em relação ao outro. Defendo isso por saber que os próprios sistemas se colocam

como tendo as assertivas necessárias sobre si e sobre o mundo, por vezes excluindo as
perspectivas outras.

24

A Igreja e, portanto, a RCC, têm seu modo de ver o mundo, a si mesma e as demais

manifestações simbólicas. O diálogo com a ciência a respeito das visões de mundo do
movimento aqui discutido não se equipara com o diálogo a respeito a universalidade da religião.

O que é interessante para esse espaço de discussão é a reflexão que a RCC faz de si mesma e
como ela dialoga com a Igreja.

Turner (2008) não só percebe, mas repetidas vezes reitera que em religião toda

expressão representa algo, que cada ação tem significado e que os sistemas de símbolos

comportam padrões e estruturas que são resultados de processos iniciados nas compreensões
dos indivíduos quando elaboram ou reproduzem tais significados.

Como esta pesquisa lida com indivíduos, tanto seu direcionamento teórico quanto a

metodologia escolhida percebem o indivíduo como o centro para o qual tende o caminho de
investigação. Poder-se-ia dizer que a pesquisa social e antropológica, de modo geral, deveria
perceber que os processos coletivos se iniciam em compreensões subjetivas.

Morris (2006) faz uma espécie de revisão da literatura antropológica expondo as

abordagens da tradição da Antropologia no campo da religião e mostrando sua própria

perspectiva a respeito do tema, o faz numa postura crítica as demais abordagens que seu texto
contempla. Segundo o autor,

a religião não é só um fenômeno variável e complexo, mas é também,
essencialmente, um fenômeno social . A religião é uma instituição social, um sistema
sócio-cultural; e é mal entendido quando visto simplesmente como uma ideologia ou
como um sistema de crenças, ainda menos como um “sistema meramente simbólico”
(Geertz), um “conhecimento do transcendente” (Tambiah) ou um “sentimento do
numinoso” (Otto). [...] Tem havido, claro, uma gama de livros e artigos que têm
tentado definir a “religião”, que é uma categoria ocidental (você nunca ouviu falar
disso!). Assim como a economia, a cultura, o realismo e a razão – ela tem uma
trajetória histórica e, em contextos diferentes, significados diversos. Mas, como uma
definição genérica funcional,
podemos seguir Melford Spiro na definição da
religião como “uma instituição que
consiste na interação cultural padronizada
com seres sobrenaturais culturalmente
dados” (MORRIS, 2006, p. 1) 6

Morris (2006) organizou as perspectivas em sete títulos que, segundo ele, resumem as

abordagens do pensamento antropológico a respeito de religião: abordagens intelectualistas,

abordagens emocionalistas, abordagens estruturalistas, abordagens interpretativas, abordagens
cognitivas, abordagens fenomenológicas e abordagens sociológicas, dentre as quais o próprio
Tradução Sílvia Aguiar Carneiro Martins e Jamesson Vieira da Rocha (manuscrito).

6

25

Morris parece se incluir na perspectiva que enxerga a religião como um fenômeno social, a
abordagem sociológica.

Este trabalho adota a perspectiva teórica que o conceito de religião pode ser volátil,

contudo não reduz o fenômeno a essa volatilidade, pois enxerga a RCC como um sistema

simbólico, nos termos Turner, e não o aloca simplesmente como fenômeno social, uma vez que
olhar para um sistema de símbolos sem o enxergar como tal e investiga-lo a partir de uma

metodologia que não contemple as particularidades do mesmo é fazer uma investigação
incompleta e até insustentável.

A abordagem simbólica com a qual direciono olhar à RCC, a qual Morris (2006) chama

de interpretativa e a qual critica, vê a religião como um sistema de símbolos que comunicam a
realidade social e suas relações, desenham as identidades das pessoas e valorizam suas

particularidades rompendo com aquelas perspectivas que reduzem o indivíduo a uma parte sem
personalidade de um todo que seria a sociedade.

O conceito de liminaridade discutido por Turner (1974) é central na pesquisa, uma vez

que meu escopo está em investigar o que é preciso para que ocorra a transição de um católico
que passa a ser carismático e essa fase de transição pode ser vista, utilizando a ótica de Turner
(1974) que a esse fenômeno dá conceitua com o termo liminaridade desenvolvido por Van
Gennep(1908) em seus estudos sobre ritos de passagem.

A presente monografia está organizada em quatro capítulos que expõem os resultados

das investigações sobre o movimento católico RCC, sobre sua base existencial, o grupo de
oração – expressão ritual mais conhecida da RCC – e sobre as subjetividades do fiel carismático.

O primeiro capítulo intenciona tratar da RCC expondo sua localização na Igreja Católica

e sua relação com a mesma, mostrando suas finalidades e características e discutindo sua

identidade a partir da visão que a RCC tem de si mesma, da visão da Igreja Católica e da visão
da academia, sendo que na exposição deste último olhar está o pilar bibliográfico da pesquisa.

O capítulo segundo traz o histórico da RCC pertinente à essa pesquisa: o contexto de

seu surgimento no mundo, sua chegada ao Brasil, ao estado de Alagoas, à Diocese de Penedo e
á cidade de Junqueiro. Tem como centro o grupo de oração e por isso discute o que é o grupo
26

de oração e as questões sobre a RCC que envolvem o grupo de oração, como a organização e
hierarquia do movimento.

O terceiro capítulo estabelece um diálogo do campo com a teoria de Turner, são trazidas

à leitura as histórias de vida de três interlocutores, além de recortes de entrevistas com outros
interlocutores que contribuíram com a percepção de que a tão investigada transição pela qual

um carismático passa acontece por meio do batismo do Espírito Santo e do serviço dentro dos
ministérios carismáticos.

A monografia se vale de uma quarto capítulo de caráter mais etnográfico que os

anteriores e que aproxima o leitor da RCC, partindo da transcrição na íntegra da gravação da
realização de uma das reuniões semanais do Grupo de Oração São Miguel Arcanjo e da

composição de imagens que não só ilustram as experiências de campo, mas comunicam e
contribuem na construção de conhecimento e na compreensão das vivências carismáticas. As

imagens selecionadas são oriundas de dois tipos de eventos rituais carismáticos, a reunião

semanal do grupo de oração e o retiro de carnaval. Ambos os eventos foram registrados durante
minha inserção em campo para investigação do Grupo de Oração São Miguel Arcanjo. São

fontes visuais da própria reunião semanal do grupo e do retiro anual em que os membros do
grupo servem e os liminares participam.

27

2. A RENOVAÇÃO CARISMÁTICA CATÓLICA
“A RCC mudou muita coisa na minha vida, a minha vida de católica e até as coisas que vivo em casa. O
católico carismático é realmente praticante, é ação e oração, é pregar o evangelho como Jesus mandou, não me
vejo só sentada num banco, me vejo olhando as pessoas, orientando, pregando. É se doar! [...] É servir! É ter
intimidade com Deus e se fazer instrumento e se doar paras as pessoas. A RCC é um movimento diferente que
me ajudou a rever quem eu era e como eu poderia mudar para os meus e para a Igreja.”(Trecho da entrevista
com Natália).

O processo de transição que acontece quando um fiel católico passa a ser identificado

como católico carismático é um caminho que tem início e fim. No início deste caminho o fiel
que é católico está tanto quanto qualquer um outro batizado na Igreja que professa a fé católica.
No fim do caminho está o fiel que não deixou de ser católico, em nenhum aspecto, mas tem

características que católicos não carismáticos não têm. No meio desse caminho está o fiel que
é católico, mas não é carismático nem deixa de ser. É assim que acontece dentro de diferentes

seguimentos de religiões e no caso aqui abordado, dentro da religião católica, considerando sua
vertente conhecida como RCC, um movimento eclesial.

Não existe aqui a preocupação de criar uma dicotomia, uma vez que qualquer

movimento católico terá características bem particulares e que torna seus membros diferentes

de outros dentro da religião, entretanto as diferenças daqueles que são adeptos da RCC são mais
evidentes e precisam ser observadas, pois não será possível investigar a transição de católico
para católico carismático se não forem conhecidas a Igreja Católica e a RCC. Colocar a Igreja

e a RCC lada a lado não significa enxergá-las como dicotômicas, mas sim, entender que a
segunda é um seguimento significativo hoje dentro da primeira.

Dentro da RCC seus membros são vistos pela Igreja Católica não somente como

católicos carismáticos como são referidos, mas principalmente, dentro da identificação de fiel.

§ l. Fiéis são aqueles que, por terem sido incorporados em Cristo pelo baptismo, foram
constituídos em povo de Deus e por este motivo se tornaram a seu modo participantes
do múnus sacerdotal, profético e real de Cristo e, segundo a própria condição, são
chamados a exercer a missão que Deus confiou à Igreja para esta realizar no mundo
(CIC nº 204).
Devido à sua regeneração em Cristo, existe entre todos os fiéis verdadeira igualdade
no concernente à dignidade e atuação, pela qual todos eles cooperam para a edificação
do corpo de Cristo, segundo a condição e a função próprias de cada um (CIC nº 208).
28

Este primeiro capítulo tem como objetivo principal a RCC enquanto seguimento da

religião Católica. Os dados discutidos aqui são provenientes de levantamento de dados
documental e bibliográfico, principalmente. Entretanto, dados da pesquisa de campo
empreendida para responder a questões que fazem parte da construção dos demais capítulos,
são também acessados aqui.

O contexto trazido por este capítulo inicial apresenta discussões sobre a Igreja Católica,

sobre a RCC e sobre a relação entre as duas. Com relação à Igreja Católica, a discussão não é
pormenorizada, mas sobre a RCC e sua relação com elementos relacionados a crença e

significados dentro da Igreja Católica. Faço um esforço de detalhar alguns aspectos dessa
relação RCC e Igreja Católica que são pertinentes para o trabalho.

É possível mencionar o que será visto neste capítulo: uma discussão sobre o que é a

RCC, suas características e finalidades, qual a identidade do movimento, uma apresentação da
Igreja Católica, do pluralismo católico, sua postura frente ao surgimento e desenvolvimento da
RCC e a relação construída entre a RCC e a Igreja.

2.1. RCC: Características, finalidades e perspectivas

Falar das características e finalidades da RCC não será um empreendimento inovador,

é mais interessante e honesto trazer as diversas formas de definição que existem sobre a mesma

e construir um diálogo entre as diferentes elucidações sobre o que identifica a RCC e a
categoriza. A própria RCC, enquanto movimento institucionalizado, manifesta auto definições,

os discursos dos membros da RCC também conceituam a mesma, a Igreja Católica lança um
olhar caracterizador para a RCC, como lança para todos os seus movimentos, a academia
também já estabeleceu pareceres sobre o movimento eclesial.
2.1.1. A RCC na perspectiva institucional do movimento
Falar o que a RCC vê em si mesma é mais do que importante, é necessário. Penso que

o trabalho seria até negligente se ignorasse que a RCC produz conteúdo sobre si, para a
formação e estudo de seus membros e que ela emite documentos oficiais que permitem conhecela, tais como o Estatuto do Escritório Administrativo da Renovação Carismática do Brasil e o
29

Regimento do Conselho Nacional da Renovação Carismática no Brasil. A RCC produz eventos
formativos e tem uma editora própria que lança livros, frequentemente, além de serem através

da mesma, lançadas as apostilas de formação continuada de seus membros, dos diversos
ministérios.

Segundo o Regimento, a RCC não tem um fundador ou um grupo de fundadores, pois é

resultado de uma iniciativa do próprio Deus, contudo é do conhecimento de muitos dos seus
membros que alguns dos primeiros participantes da RCC, que estiveram no que convencionou-

se chamar de “fim de semana de Duquensne” - o retiro que foi berço da RCC - se tornaram
fortes propagadores do movimento.

Uma das mais conhecidas propagadoras da RCC e que esteve no fim de semana em que

a RCC teve início é a professora de francês Patti Mansfield, Patti atualmente é uma referência
para o movimento, faz viagens internacionais para dar palestras e participar de eventos
promovidos pela RCC.

Segundo Mansfield (1995), o “Final de Semana de Duquesne” foi o marco histórico de

início da RCC, lá vivenciou-se “um novo pentecostes7”. Mansfield, em consonância com a RCC

declara que o movimento é graça para a vida da Igreja Católica, uma resposta ao Concílio
Vaticano II e uma forma nova e autêntica de ser Igreja. Mansfield declara que deixaria de ser
carismática se a RCC se separasse da Igreja, mas jamais largaria a Igreja Católica.

A RCC anuncia ser um movimento eclesial legítimo e reconhecido pela Igreja. Segundo

o Estatuto do Escritório Administrativo da Renovação Carismática do Brasil:

A Renovação Carismática Católica, através do escritório internacional (ICCRS), tem
seus estatutos de serviço reconhecidos pela Santa Sé, por meio do decreto nº. 1.565/93
AIC-73 “Oficium Consilium Pro Laicis”, conforme o cânon 116, do código de Direito
Canônico. Atua, em comunhão com o sucessor de Pedro, que busca “... a redescoberta
da presença e ação do espírito, que age na igreja, quer sacramentalmente, sobretudo
mediante a confirmação, quer através de múltiplos carismas, cargos e ministérios por
ele suscitados para o bem dela...”, (T.M.A., 45), propiciando assim a seus membros
uma constante e progressiva renovação espiritual (Estatuto do Escritório
Administrativo da Renovação Carismática do Brasil).

O mencionado Regimento declara ainda que a RCC é um movimento eclesial que está

em comunhão com a Igreja Católica e que seus membros passam por uma “experiência
A Igreja Católica tem um calendário de memórias, festas e solenidades litúrgicas. Esse calendário conta com a
solenidade de Pentecostes, celebração na qual se recorda – pela profissão de fé católica apostólica romana – a
descida do Espírito Santo sobre os apóstolos de Cristo após sua morte.
30
7

fundamental de pentecostes e buscam os mesmos objetivos gerais, professam a mesma doutrina

em comunhão com o magistério da Igreja e possuem um patrimônio de espiritualidade que lhes
é próprio”.

A primeira apostila do módulo básico de formação do movimento, cujo título é

“Identidade da Renovação Carismática Católica”, ensina aos seus membros que a Identidade

da RCC tem três pilares: o “batismo no Espírito Santo”, a prática dos carismas e a vivência em
comunidade.

A RCC, segundo seus documentos e segundo o que é aceito convencionalmente por

todos os membros, incluindo seus líderes, é um movimento eclesial que surgiu nos Estados
Unidos e se expandiu pelo mundo como iniciativa do Espírito Santo, é um jeito novo de ser

Igreja que vive experiências carismáticas, anteriormente, vistas nos escritos do Novo
Testamento bíblico e em comunidades pentecostais protestantes.
2.1.2. A RCC na perspectiva dos carismáticos
É importante trazer os discursos dos membros da RCC, pois eles ajudam a entender se

o que é previsto nos documentos da RCC dialoga com o que é vivido pelos seus membros e
porque existe o interesse de perceber se há ou não um denominador comum nos pareceres a
respeito do movimento.

Ainda que a RCC tenha a preocupação de estar em diálogo com a Igreja, sobre si e sobre

outros assuntos, e que se preocupe com a formação de seus membros, não é estranho que os

participantes do movimento criem representações pessoais do que é a RCC em suas vidas que
não sejam, necessariamente, iguais àquelas que a Igreja católica e a RCC expõem.

Cada membro de um movimento terá uma compreensão a respeito do mesmo, com a

RCC não é diferente, cada carismático terá uma imagem da RCC, todavia é possível identificar

aspectos nas falas dos fiéis católicos carismáticos que são comuns e que podem ajudar a
entender como o membro da RCC enxerga o movimento.

A partir das entrevistas foi possível, contudo, perceber que ainda que exista pareceres

sobre a RCC comuns a todos os membros, existem ainda pareceres declarados apenas por

líderes do movimento. É possível deduzir que as instruções dadas pelas formações da RCC são
mais absolvidas pelos líderes, principalmente, porque são líderes que ministram as formações

31

e costumam escrever os materiais de formação, além de estarem contato com o movimento e
seus documentos há mais tempo.

Bem como alguns pareceres são próprios de líderes e outros comuns a todos os

membros, existem algumas declarações que não são gerais, mas merecem destaque, pois mesmo

sendo mais discretas, parecem representar uma parcela dos membros da RCC. Alguns membros

não declararam que a RCC é um movimento, tal como os demais movimentos católicos, mas
afirmaram que a RCC é um projeto de Deus que tomará conta da Igreja e a renovará, fazendo
da Igreja, uma instituição renovada e moldada no que, atualmente, é atribuído a RCC.

Existe na RCC um Ministério de Formação8 que tem a missão de ensinar aos

carismáticos o que é necessário para a vivência no movimento, mas outros membros, líderes de

ministérios, majoritariamente, são responsáveis por formar, segundo os documentos da RCC e
da Igreja, os demais membros para as práticas do movimento. É importante ressaltar que toda
a formação, seja, diretamente, dada pelo Ministério de Formação, ou não, é por ele instruída.

Os discursos dos membros da RCC, entrevistados para o levantamento de dados desta

pesquisa, sejam eles líderes, ou não, declararam que a RCC representa uma espécie de divisor
de águas em suas vidas, pois a partir do contato com o movimento, suas vidas foram

redirecionadas para uma vivência espiritual mais intensa. A forma do carismático olhar para a
RCC ajuda a perceber que o próprio carismático enxerga a diferença que existe entre os
membros da Igreja que fazem parte da RCC e os que não fazem.

A fala de uma interlocutora, ilustra o que, em outras palavras, foi dito pelos demais

interlocutores:

“A RCC mudou muita coisa na minha vida, a minha vida de católica e até as coisas
que vivo em casa. O católico carismático é realmente praticante, é ação e oração, é
pregar o evangelho como Jesus mandou, não me vejo só sentada num banco, me vejo
olhando as pessoas, orientando, pregando. É se doar! [...] É servir! É ter intimidade
com Deus e se fazer instrumento e se doar paras as pessoas. A RCC é um movimento
diferente que me ajudou a rever quem eu era e como eu poderia mudar para os meus
e para a Igreja.” (Trecho da entrevista com Natália)

As expressões “um movimento diferente” e “mudou minha vida”, ou expressões

sinônimas, estão presentes em quase todas as entrevistas e se referem a RCC. É essa
Os ministérios são grupos de membros da RCC que juntos formam uma equipe que serve às atividades da RCC.
Os ministérios atuam na música, na pregação, na acolhida em eventos, na divulgação de eventos e em diversas
outras áreas. O terceiro capítulo falará mais sobre os ministérios da RCC.
32
8

representação que tem o movimento para seus fiéis. Um movimento diferente dos outros que
eles conhecem e que, de algum modo, mudou suas vidas.

A fala sobre mudança de vida e sobre a diferença em relação a outros movimentos pode

ser verificada em entrevistas de membros, independentemente, de serem lideres ou não, mas os

interlocutores que são líderes além de exporem pareceres desse gênero, declaram que a RCC é
um movimento legítimo, que não é protestante e que tem uma identidade estabelecida no

“batismo no Espírito Santo”, na prática de carismas e na vida em comunidade, essas
características são conteúdos de apostilas de formação da RCC. Essas apostilas não foram

referenciadas, pelos líderes, mas o fato de seus conteúdos estarem nos discursos dos
interlocutores líderes ajuda nas conclusões aqui expostas.

Segundo a – na ocasião - coordenadora paroquial da RCC em Junqueiro, em entrevista

concedida para esta pesquisa, “A RCC é um movimento verdadeiramente católico que se funda

na prática dos carismas do Espírito Santo, na participação do grupo de oração, e no batismo no
Espírito”(Trecho da entrevista com Sara). Ainda que na fala da interlocutora a apostila de
formação da RCC não tenha sido referenciada, é perceptível a relação entre a fala da mesma e
o documento.

2.1.3. A RCC na perspectiva da Igreja Católica
O parecer da Igreja Católica sobre a RCC é importante, porque ela é a instituição de

onde emana o movimento. Sobre a Igreja Católica, já foi citado neste trabalho que ainda será

mencionado em outro momento, mas é necessário demonstrar como a Igreja vê a RCC para

estabelecer um diálogo entre as diferentes perspectivas sobre a RCC. Aqui não será exposto o
discurso de fiéis católicos leigos não carismáticos sobre a RCC, como foi exposto dos

carismáticos, mas será feita uma apresentação do que a Igreja, enquanto instituição, diz a
respeito do movimento.

Em linhas gerais, avalio que para a Igreja, a RCC é um dos seus diversos movimentos

eclesiais. É um movimento novo em relação a outros e de uma atuação extraordinária, pois
ordinariamente os movimentos são mais discretos que a RCC e nem todos tem uma abrangência
tão grande quanto a do movimento eclesial pentecostal católico.

33

A Igreja se organiza pastoralmente no Brasil, em movimentos eclesiais. Por movimentos

eclesiais, entende-se associações de leigos que, fazendo parte da Igreja e seguindo seus
objetivos, têm objetivos particulares ao grupo e que costumam o caracterizar. São movimentos

eclesiais, além da RCC, as conhecidas Comunidades Eclesiais de Base, o Apostolado da Oração

e outros diversos grupos. O documento Lumem Gentium define e apresenta as finalidades do
leigo na Igreja Católica.

Com efeito, se é verdade que todas as coisas que se disseram a respeito do Povo de
Deus se dirigem igualmente aos leigos, aos religiosos e aos clérigos, algumas,
contudo, pertencem de modo particular aos leigos, homens e mulheres, em razão do
seu estado e missão; e os seus fundamentos, devido às circunstâncias especiais do
nosso tempo, devem ser mais cuidadosamente expostos. Os sagrados pastores
conhecem, com efeito, perfeitamente quanto os leigos contribuem para o bem de toda
a Igreja. Pois eles próprios sabem que não foram instituídos por Cristo para se
encarregarem por si sós de toda a missão salvadora da Igreja para com o mundo, mas
que o seu cargo sublime consiste em pastorear de tal modo os fiéis e de tal modo
reconhecer os seus serviços e carismas, que todos, cada um segundo o seu modo
próprio, cooperem na obra comum. Pois é necessário que todos, «praticando a verdade
na caridade, cresçamos de todas as maneiras para aquele que é a cabeça, Cristo; pelo
influxo do qual o corpo inteiro, bem ajustado e coeso por toda a espécie de junturas
que o alimentam, com a ação proporcionada a cada membro, realiza o seu crescimento
em ordem à própria edificação na caridade Por leigos entendem-se aqui todos os
cristãos que não são membros da sagrada Ordem ou do estado religioso reconhecido
pela Igreja, isto é, os fiéis que, incorporados em Cristo pelo Baptismo, constituídos
em Povo de Deus e tornados participantes, a seu modo, da função sacerdotal, profética
e real de Cristo, exercem, pela parte que lhes toca, a missão de todo o Povo cristão na
Igreja se no mundo (LG nº 30-31).

As associações de leigos estão previstas no Código de Direito Canônico e,

especialmente após o Concílio Vaticano II, ocupam um lugar de protagonismo na vida pastoral
da Igreja.

§ 1. Na Igreja existem associações, distintas dos institutos de vida consagrada e das
sociedades de vida apostólica, nas quais os fiéis quer clérigos quer leigos, quer em
conjunto clérigos e leigos, em comum se esforçam por fomentar uma vida mais
perfeita, por promover o culto público ou a doutrina cristã, ou outras obras de
apostolado, a saber, o trabalho de evangelização, o exercício de obras de piedade ou
de caridade, e por informar a ordem temporal com o espírito cristão. § 2. Os fiéis
inscrevam-se de preferência em associações erectas ou louvadas ou recomendadas
pela autoridade eclesiástica competente (CIC nº 208).

Ainda que se diga que a Igreja enxerga a RCC como um passo para o ecumenismo,

como um meio pastoral promissor ou como mecanismo para a superação do decréscimo de fiéis,
o interesse aqui é o que a Igreja diz.

34

Segundo o padre Raniero Catalamessa9, no prefácio do livro “Reflexões sobre a

Renovação Carismática Católica” do Arcebispo Paul Josef Cordes, a RCC, desde o seu início,
tanto demostrou “um profundo apego e amor pela Igreja Institucional” quanto a hierarquia
reconheceu o movimento como “obra genuína do Espírito”.

O fato de a Igreja ter nomeado consultores episcopais para a RCC e ter dado aprovação

pontifícia para a Congregação Católica de Comunidades e Associações de Aliança e para,
especialmente, os Estatutos do Ofício Representativo da RCC, permite perceber que o olhar da

Igreja sobre a RCC é de aprovação e de acompanhamento, pois em um período, relativamente,
pequeno a hierarquia da Igreja se posicionou e agiu, energicamente.

O espaço dado para a RCC caminhar no território da Igreja deixa clara a sua aprovação,

mas mostra também que a Igreja quer acompanhar de perto por onde a RCC caminha, uma vez
que o movimento cresceu com rapidez, traz muitas novidades e surgiu vindo de um contato
ecumênico.

Portanto, a Igreja vê a RCC como um movimento eclesial, que está previsto em seus

documentos oficiais, que recebeu sua aprovação, que precisa de um acompanhamento da
hierarquia, que surgiu sob a influência pentecostal protestante e que atende aos objetivos
católicos além de cunhar objetivos próprios que não confrontam os objetivos gerais, mas
dialogam com esses.

2.1.4 A RCC na perspectiva do meio acadêmico

A Renovação Carismática Católica é um movimento da Igreja Católica cuja presença

pode ser verificada pelo menos em todos os estados do Brasil e em outros diversos países10. O
olhar científico para esse movimento se revela pertinente e até necessário, pois a religião11 já é

alvo da ciência, todavia do mesmo modo que é possível aferir a presença de estudos sobre
religião nas academias brasileiras12, é possível notar a escassez de pesquisas especificamente

O Padre Raniero Catalamessa é um frade franciscano, teólogo e pregador da casa pontifícia desde a década de
80, gozou e goza da confiança dos últimos papas e tem credibilidade perante qualquer católico, uma vez que é há
décadas prega para papas e cardeais. Sua fala sobre a RCC a presenteia com credibilidade e a divulga.
10
É possível verificar esse dado no site oficial da RCC: https://www.rccbrasil.org.br
11
Aqui, utilizo a categoria “religião” em seu sentido mais amplo que intenciona significar toda organização de
representações simbólicas vinculadas ao sobrenatural.
12
Ver o livro organizado por Faustino Teixeira (2001) A(s) Ciências(s) da Religião no Brasil: Afirmação de uma
área acadêmica.
35
9

sobre a RCC quando colocamos lado a lado a quantidade de estudos em relação à presença do
movimento no Brasil.

É evidente que estudos existem, mas são relativamente poucos e dentre estes, poucos ou

nenhum, se preocupa em analisar como um fiel católico passa a ser membro da RCC que é
justamente a que esse trabalho se propõe. Vale pontuar que a escassez a pouco mencionada é
verificada inclusive na Universidade Federal de Alagoas, de onde emana este trabalho.

Importa trazer certas obras acadêmicas para essa discussão, pois elas tanto trabalham

com o mesmo objeto desta pesquisa, a RCC, quanto contribuem com dados sobre a finalidade
da RCC, suas características e até com algumas definições e discussões teóricas. Importa ainda

mencionar que como são trabalhos científicos não dialogam em tudo, uma vez que, mesmo
lidando com o mesmo objeto, partem de perspectivas teóricas diferentes e campos diversos.
Partindo de lugares diferentes e com objetivos diferentes as pesquisas que serão aqui
relacionadas contribuem com importantes dados bibliográficos para esta pesquisa.

Dos trabalhos sobre os quais falarei nesta exposição, dois merecem lugar de destaque,

pois os demais trabalhos citados aqui, em sua maioria, citaram essas duas obras que já são
leituras quase que indispensáveis para quem pesquisa RCC no Brasil. O fato é que é difícil

encontrar uma pesquisa sobre a RCC, posterior aos trabalhos de Reginaldo Prandi e Brenda
Carranza Dávila13, que não cite pelo menos um dos dois.

O livro “Um Sopro do Espírito” de Reginaldo Prandi foi publicado em 1998 e fala da

RCC como movimento católico que ganhou espaço num momento em que o catolicismo

brasileiro via a diminuição do número de fiéis. O livro atribui o “sucesso” da RCC ao seu modo
novo e carismático de ser Igreja e problematiza ainda as relações que a RCC começou a ter com
as Comunidades Eclesiais de Base.

A dissertação de mestrado em sociologia de Brenda Maribel Carranza Dávila, também

de 1998, com o título de “Renovação Carismática Católica: Mudanças e Tendências” talvez

seja a principal referência de trabalho empírico para o estudo da história da RCC no Brasil. O
trabalho traz detalhes e discussões profundas sobre os passos que o movimento deu no Brasil,

O ultimo nome da autora é Dávila, é esse, inclusive, que vem primeiro nas referências bibliográficas de suas
obras, mas convencionou-se usar seu penúltimo nome – Carranza – para fazer referência à autora, uma vez que a
mesma é, como dito, citada em diversos outros trabalho, seja pela sua extensa contribuição, seja pela relevância
que está na utilização de seus trabalhos.
36
13

desde sua chegada às mudanças pelas quais foi passando durante seu período de “enraizamento
e crescimento”. A dissertação foi publicada no ano 2000 pela Editora Santuário.

Nenhum trabalho acadêmico, antes deste, se preocupou em investigar como acontece o

processo de transição de católico para católico carismático, mas nesse trabalho, há 20 anos,
Carranza já refletia sobre as motivações dos católicos que passam por essa transição de status.

A dissertação não deixa de abordar dois grandes temas ligados a RCC, o pentecostalismo e a
Teologia da Libertação.

Estes dois trabalhos e as demais pesquisas trazidas a partir de agora vêm com o objetivo

duplo de inserir seus pareces nesta discussão sobre as diversas formas de caracterização e
supostas finalidades da RCC e de ser a base bibliográfica sobre a RCC para todo o trabalho, é

inclusive por esse objetivo duplo que está no início do primeiro capítulo e não logo na
introdução do trabalho. É claro que não será possível trazer todos os trabalhos, das diversas

áreas, que investigam a RCC, mas existe o esforço de lançar um olhar panorâmico sobre a
bibliografia que aborda a RCC.

Em 2001, o artigo “Contradição básica da Renovação Carismática Católica:

Continuidade ou ruptura?” de Marcos Eliezer da Silva Souza, faz um apanhado da produção

acadêmica de Ciências Sociais sobre a RCC até o momento da publicação e discute se este

movimento seria sinal de continuidade e tradição ou uma novidade que rompe com o estilo

tradicional da Igreja Católica. O autor dicotomiza a questão a partir de dois polos, “a
pentecostalização” e “os dogmas católicos”. Essa dicotomia e as demais perguntas sobre a RCC,
vão ser a gênese da construção do “objeto RCC” entre as ciências Sociais.

Algumas pesquisas enxergam a RCC como uma iniciativa institucional da Igreja frente

à diminuição de fiéis, outras como uma espécie de Igreja paralela dentro da Igreja Católica, que

foge do controle institucional, outros a observam como um movimento que está sob o controle
institucional, mas não foi pensado pelo mesmo, algumas pesquisas a vêm como uma nova
expressão do catolicismo popular, existem aquelas ainda que se confrontam em suas
conclusões, pois enquanto umas vêm na RCC uma aproximação entre a Igreja e o

pentecostalismo, outras percebem justamente o movimento pentecostal católico como
reafirmação do tradicionalismo católico e afastamento do pentecostalismo protestante.

37

Duas emblemáticas obras assinadas por Carranza, uma já citada aqui de 1998 e outra de

2009, de vários autores e organizada em parceria com Camuça e Mariz, abordam as

interrogações sobre a RCC. Na primeira obra, cunhada quando a RCC tinha aproximadamente
20 anos de existência, Carranza (1998) conclui que o movimento não é resultado de uma
iniciativa da hierarquia católica, mas surge espontaneamente, chegando ao Brasil e passando
por várias mudanças.

Segundo a autora, a hierarquia da Igreja no Brasil não programa a RCC, mas reage de

diferentes formas à expansão do movimento, ela pontua quatro reações que oscilavam entre o

clero católico: rejeição, daqueles que viam a RCC como re-afirmadora da ortodoxia católica;
suspeita, daqueles que temiam o resultado da espontaneidade, dos abusos e desvios no exercício

dos carismas; assimilação, daqueles que viam a RCC como movimento promissor para a vida

pastoral da Igreja nas paróquias; e domesticação, por parte daqueles que viam na RCC a
possibilidade de superar a diminuição de católicos e a evasão às igrejas pentecostais.

O livro “Novas comunidades católicas — Em busca do espaço moderno” de Carranza,

Camuça e Mariz (2009) traz uma coleção de 11 textos, que discutem a RCC e as chamadas
“novas comunidades católicas” que são oriundas da RCC. Uma indagação que parece estar nas

linhas, ou nas entrelinhas, de todos os textos desse livro e que não é nova para as pesquisas
sobre a RCC, questiona quais são as características e finalidades da RCC.

É claro que questões assim estão sendo feitas sobre os mais diversos tipos de objetos,

mas no caso da RCC que é um movimento relativamente novo a questão ocupa um lugar de

destaque, uma vez que sua história recente ainda não pode responder com muitos dados às
perguntas. Se atualmente o movimento é considerado novo, mais ainda era, há
aproximadamente 30 anos quando Carranza escreveu “Renovação Carismática Católica:

Mudanças e Tendências”. Interessa perceber que algumas conclusões de Carranza (1998) são
ainda atuais, inclusive, porque alas estão presentes em obras suas que estão divididas por
décadas, que são verificadas em outras obras e que dialogam com o discurso dos carismáticos.

A assertiva conclusão de Carranza é a de que a RCC está em constante mudança, é

justamente isso que dizem os carismáticos, que está expresso no título do movimento e que a

Igreja Católica tem percebido e procurado administrar. Contudo, se Carranza acerta quando diz
que a RCC é mutante, equivoca-se nas pontuações de quais seriam as mudanças:

38

Sobre as mudanças que a RCC tem sofrido ao longo destas três décadas de presença
no Brasil é possível verificar que essas se verificam em quatro direções: no
afastamento da proposta inicial de ecumenismo; na difusão do movimento no meio
popular; na tentativa de ocupar espaços na política partidária; e na ofensiva eletrônica
que se propõe a realizar. (CARANZA 1998, p. 239).

Umas das possíveis mudanças da RCC, apresentada por Carranza,(1998) seria o

afastamento da proposta ecumênica, mas o caminhar do movimento apontou para outro rumo.

Segundo Oro e Alves (2013), a RCC foi principalmente analisada como resposta ao

progresso do pentecostalismo, mas o suposto fortalecimento do catolicismo teria dado espaço

ao estabelecimento de vínculos e quebra de obstáculos entre catolicismo e pentecostalismo. Os

autores não negam o caráter de fortalecimento da identidade católica do movimento
carismático, mas defendem um novo sentido que aponta para a superação das oposições
surgidas principalmente no período de expansão inicial da RCC.

O advento da Renovação Carismática Católica na década de 1960 foi analisado, em
seu princípio, tanto no interior como fora daquela instituição, como um movimento
capaz de fortalecer ainda mais a diferença e a oposição entre catolicismo e
pentecostalismo. A RCC seria, nesse caso, mesmo que se assemelhando em certos
aspectos ao pentecostalismo, a estratégia católica para enfrentar a deserção de
católicos e, assim, frear o avanço pentecostal. Com o passar dos anos, porém,
perspectivas de aproximação e de diálogo entre católicos e evangélicos em geral e
entre Renovação Carismática Católica e Pentecostalismo em particular, foram
tomando forma a partir de sementes plantadas sobretudo no Concílio Vaticano II e em
reflexões de teólogos evangélicos. As posições teológico-doutrinárias foram também
se traduzindo em encontros ecumênicos realizados nos Estados Unidos, na Europa e
na América Latina. Países como Argentina, Brasil e Chile têm promovido encontros
de líderes católicos e pentecostais que compartilham da noção de diálogo e
aproximação, em nome de uma mesma matriz religiosa cristã e do compartilhamento
dos dons do Espírito Santo (ORO e ALVES, 2013, p. 136-137).

A postura institucional da Igreja Católica e de Comunidades Eclesiais Pentecostais na

afirmação de um contato intelectual ecumênico e na realização de eventos também ecumênicos

é apontada pelos autores como o cume do profícuo diálogo que tem se estabelecido. Como

observa Massarão (2007, p. 7), no Brasil, as expressões ecumênicas são menos verificáveis que
em outros países em que existe uma tradição protestante mais estabelecida.

Dentro da Igreja a RCC é vista como novidade e já foi vista como uma grande incógnita,

porém quem olha de fora enxerga justamente um movimento que reforça o conservadorismo

católico. Existe um trânsito da imagem da RCC que é vista como novidade, mas reforça a
tradição católica. Francisco (1998) discute essa questão e chama a RCC de “um novo jeito
conservador de ser igreja”.

39

O fato é que existe uma tensão, pois a RCC reforça sua auto declaração católica,

preserva dogmas que a afastam do protestantismo, ao mesmo tempo em que tem práticas que,

antes de sua existência, só foram vistas em relatos do Novo Testamento e nas igrejas
protestantes pentecostais.

As tensões entre a Igreja Católica e as Comunidades Eclesiais Protestantes marcaram e

marcam a história do campo religioso no Brasil e no mundo. O membro de um movimento

católico que instrui seus adeptos a viverem a fé como a Igreja propõe, mas teve influência

protestante em seu surgimento e tende para o ecumenismo, será diferente do fiel católico não

membro da RCC. Pois o fiel católico não carismático, ao contrário do carismático, não vive as
experiências próprias da RCC, tais como a utilização dos chamados “dons carismáticos”.

Aqui, “cabe voltar as discussões sobre a questão norteadora do trabalho: ‘Como um

católico passa a se declarar católico carismático, como ou a partir de que acontece essa transição

de status?’”, pois o objetivo é justificar a inserção da discussão sobre a relação da RCC com o

pentecostalismo e da mesma com a hierarquia da Igreja, inclusive porque a bibliografia sobre a
RCC tem esses temas como centrais e constantes.

A expressão “uma igreja dentro da Igreja”, usado por Carranza (1998, p. 238) não ficou

só na sua dissertação de mestrado, mas ilustrou a tensão das relações entre RCC e Igreja e RCC
e protestantismo. Mariz em 2003 publica um artigo que tem a expressão por título e reabre o
debate

Apesar de atualmente a RCC estar organizada como “movimento” e ser assim
considerada pela própria Igreja, esse não era, nem é, o seu projeto, como fica claro
nas declarações de seus líderes. A Renovação não quer ser um movimento a mais
dentro da Igreja, mas sim transformar a própria Igreja: ser uma nova Igreja (MARIZ,
2003, p. 173).

Se a Igreja diz que a RCC é um movimento eclesial e Mariz diz que a RCC não quer ser

apenas um movimento, mas uma renovação de toda a Igreja, algumas abordagens sobre a RCC

vão dizer que o movimento é resultado de uma estratégia da própria Igreja de combater o
decréscimo de fiéis apontado pelos índices estatísticos.

No Brasil, a hipótese de "disputa do mercado religioso" entre católicos e
denominações pentecostais como a Igrejas Universal do Reino de Deus e
Internacional da Graça motivaram muitas análises sobre a Renovação Carismática,
apoiadas principalmente em terminologias economicistas que caracterizam os
movimentos religiosos a partir do número de membros e das horas disponíveis na
mídia (MASSARÃO, 2007, p. 9).
40

Também outras análises consideram a possibilidade de a RCC ser uma expressão da

Igreja na tentativa de não perder fiéis e evitar que o protestantismo pentecostal continue

crescendo. Melo (2009) faz uma discussão que dá credibilidade a RCC enquanto objeto
científico, reflete o movimento como norteador da conduta de seus adeptos e a enxerga como
uma possível resposta católica ao pentecostalismo.

Para Oliveira (2014) a RCC pode ser compreendida como mais uma estratégia de

difusão da fé, especialmente a partir das comunidades católicas carismáticas que têm forte

expressão midiática. Oliveira e Oliveira (2009) defendem que a RCC representa sim, uma

mudança no panorama religioso, especialmente no que se refere ao avivamento do catolicismo,
em algumas regiões, após a chegada do movimento.

O que muda drasticamente de uma análise em relação à outra é que Oliveira (2014, p.

89) percebe a RCC como uma “estratégia”, enquanto Oliveira e Oliveira (2009), defendem que
a RCC responde ao objetivo da Igreja de evangelizar, mas não é resultado de um programa, mas

do curso que a Igreja seguiu a partir do Concílio Vaticano II, para os autores a RCC atende a
proposta da Igreja para os tempos atuais, mas o faz inspirada nas bases evangelizadoras do
catolicismo e não na lógica mercadológica do “mercado religioso”.

A RCC na academia merece mais espaço, mas o espaço que já ocupa ajuda na

compreensão sobre o movimento e ajuda como base para a resposta de perguntas ainda não
respondidas. Atualmente poucas teses trataram sobre a RCC, em quantidade de trabalhos

acadêmicos, os artigos representam o maior número, como é de se esperar em qualquer objeto.

As dissertações e mestrado e monografias representam algumas dezenas da produção
universitária. Selecionamos algumas que ajudam nos esforços deste trabalho.

Em 2012, José Soares de Jesus escreveu a dissertação “A Renovação Carismática

Católica e a elaboração da Identidade dos seus seguidores: desafios e limites de dentro do

catolicismo”. Abordou questões relacionadas a identidade do “convertido” ao movimento e

contextualizou o movimento a partir de temas ligados ao mesmo, como a relação com a Igreja,
com as Comunidades Eclesiais de Base e o surgimento das “Novas Comunidades”.

No mesmo ano, Sandra Aparecida Faria empreende um trabalho de campo sobre a RCC

e investiga a importância das “ritualidades” e “performances” para a identidade da RCC, além
41

de trazer um apanhado histórico do movimento para a dissertação que intitula de “Performances
e ritualidades no movimento da Renovação Carismática Católica”.

Maria de Lourdes Sousa Vieira Gomes, em 2009, escreveu a dissertação de mestrado

em Ciências das Religiões “Fenômeno da glossolalia e seus significados no movimento
carismático católico” que, a partir da investigação sobre o “dom de línguas” contribuiu com
importantes dados etnográficos sobre a as práticas da RCC.

A dissertação de mestrado de Douglas Alexandre Boschini, de 2014, na perspectiva da

Sociologia das Religiões, cujo título é “Renovação Carismática Católica em Londrina/PR: A
juventude dos grupos de oração” investiga a RCC e a participação da juventude no movimento

que se apresenta, segundo o autor, como dinâmico e inovador, pois “filiar-se à Renovação
Carismática Católica é também uma procura por espaços de a construção de uma identidade e
de socialização. (BOSCHINI, 2014, p.86)”, busca essa que não é novidade entre os jovens.

Outra dissertação que investiga a relação da RCC com a Igreja é a de Igor Marlon Sales,

que não coloca essa discussão como uma das discussões de sua dissertação, mas a aloca no
centro do trabalho e faz dela o cerne em que outras exposições estão ligadas, o trabalho recebe

o nome de “A autocompreensão da Igreja e a Renovação Carismática Católica (1996-2000)”, o
trabalho é de 2006.

Enquanto Sales (2006) discutiu a relação entre RCC e Igreja como centro de seus

esforços, a dissertação de Keila Patrícia Gonzalez, fazendo uma abordagem histórica, percebeu
a importância dessa relação no curso histórico da RCC no Brasil. A dissertação “A Renovação

Carismática Católica: Continuidades e rupturas no catolicismo brasileiro (1969-2005)”, de

2006, permite investigar os passos da RCC no Brasil e o amadurecimento de sua relação com a
hierarquia católica brasileira.

O trabalho de Árife Amaral Melo (2009) procura entender em que “aspectos a RCC

consegue se efetivar enquanto norteadora da conduta dos fiéis católicos”. Vale mencionar que
esse trabalho pode contribuir para a análise das práticas de fiéis católicos que passaram a serem

carismáticos, a dissertação é intitulada de “Assim na terra como no céu: Renovação Carismática
Católica, sociedade e modernidade” é um trabalho de 2009 e foi apresentada ao programa de
42

Pós-Graduação em Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia e Ciências da universidade
Estadual Paulista.

Um trabalho que data de 2001 é antigo em relação à maioria trabalhos referenciados

aqui, mas consegue ser ainda muito atual para as pesquisas sobre a RCC. A dissertação de

Roque Toscano, de 2001, “Renovação Carismática Católica na perspectiva do outro: Um olhar
de fora para dentro”, procura analisar o contato da RCC com as Comunidades Eclesiais de Base
e com a hierarquia da igreja.

A ênfase que Toscano (2001) dá, no segundo capítulo de seu trabalho, à comparação

entre RCC e Comunidades Eclesiais de Base é na verdade a exposição de uma realidade
verificada por quase todos os pesquisadores: No Brasil, os movimentos surgiram em épocas

aproximadas, mas não conseguiram manter um diálogo, ao tempo em que a RCC surgiu sem
iniciativa direta da hierarquia católica, causou repercussão, foi observada de perto pela Igreja e

acabou por ser aceita e se expandir, as Comunidades Eclesiais de Base, tiveram, em seu início,
um empurrão da hierarquia católica, se expandiu e depois caiu em declínio, sendo hoje um

movimento discreto, quando a RCC tem proporções que poucos movimentos alcançaram em
tão pouco tempo na Igreja.

Uma parcela da CNBB, alguns teólogos da Igreja e outros cientistas associaram o

crescimento das Comunidades Eclesiais de Base no Brasil ao panorama social brasileiro, e o

crescimento da RCC nos Estados Unidos, onde nasceu o movimento, á economia americana.
Todavia, a RCC também acabou por ocupar um espaço que as Comunidades Eclesiais de Base
nunca ocuparam no Brasil, ao tempo em que esse país, e nem aquele, mudou, de maneira
considerável, socialmente ou economicamente.

Se nos Estados Unidos, país de condições sociais extremamente favoráveis a seus
cidadãos, a vida eclesial pós-conciliar floresceu exemplarmente na RCC, na América
Latina, pelo contrário, porção dependente do capitalismo internacional e cuja situação
social dentro da ordem capitalista faz surgir a opressão de seus povos, a inspiração
conciliar concretizou-se em outra visão teológica, muito mais ligada à prática social
de libertação da opressão em nome do Evangelho (TOSCANO, 2001, p.40).

Maria da Conceição da Silva, na dissertação de mestrado “Vem, Espírito Santo, vem: o

catolicismo carismático em Goiânia (1973-1998)”, de 1998, também associa os movimentos
eclesiais aqui tratados às condições sociais e econômicas de onde surgiram e os compara,
diferenciando suas práticas, características e finalidades. O que é importante perceber após
43

algumas décadas, e que não era quando os trabalhos de Silva (1998) e Toscano (2001) foram

feitos, é que o Brasil, com diferentes situações econômicas e sociais dos Estados Unidos, viu a
RCC crescer e as Comunidades Eclesiais de Base quase que desaparecerem.

É evidente que a RCC é muito diferente das Comunidades Eclesiais de Base, pois a

primeira é um movimento que dá ênfase à práticas inspiradas no Espírito Santo, se preocupa
com a tradição da Igreja e mesmo propondo uma mudança no modo de ser Igreja, é apegada ao

conservadorismo católico, enquanto a segunda tem tendências muito mais sociais que
espirituais, se preocupa com a vulnerabilidade dos pobres e propõe mudanças que afeta o
tradicionalismo católico, como a aversão à ideais de política de esquerda, por exemplo.

As diferenças são claras, mas não é possível dizer que o sucesso ou o declínio de um

movimento eclesial acontece, simplesmente, por causa do panorama social, uma vez que a

influência do panorama eclesial é muito mais forte no caminhar da Igreja do que as influências
externas à sua doutrina e à sua hierarquia.

É possível perguntar: qual a razão de, em trabalhos sobre a RCC, as Comunidades

Eclesiais de Base serem tão referenciadas e em trabalhos sobre as Comunidades eclesiais de
Base a relação entre os movimentos também ser abordado com frequência. Este trabalho,

inclusive, não tem por objetivo aprofundar a reflexão sobre a relação entre os movimentos, mas
toda a sua base bibliográfica o faz e demonstra que é importante observar que a hierarquia da

Igreja procura controlar os passos de seus movimentos eclesiais e esse dado é importante para
alguns dos objetivos aqui traçados.

O padre local de Junqueiro, na condição de pároco durante a pesquisa e sendo um dos

interlocutores que contribuíram para a realização da mesma, não comenta o perceptível
desaparecimento das Comunidades Eclesiais de Base na Paróquia Nossa Senhora Divina

Pastora, mas afirma que isso aconteceu, ao passo em que posteriormente a RCC chegou à
comunidade paroquial que ele pastoreia.

A tese de doutorado de Karine Pagliosa Scherer (2013) também reflete o surgimento

dos dois movimentos que, antagonicamente, propõem jeitos alternativos de ser Igreja Católica.

A tese “A Renovação Carismática Católica na condição Pós-Moderna e na Hipermodernidade.

As Características dos seus sujeitos ante as novas tendências dos tempos atuais” foi apresentada
44

à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e além de refletir o surgimento desses
movimentos eclesiais, tangencialmente, discute, como cerne da pesquisa, o “sujeito
carismático”.

É possível perceber alguns pontos comuns nos trabalhos, de diversas áreas das

humanidades, que investigam a RCC; o relato de sua história, sua relação com a hierarquia

católica, o afastamento em relação às Comunidades Eclesiais de Base, sua relação com o
pentecostalismo protestante ao mesmo tempo em que se afasta do mesmo quando defende

posturas fielmente católicas como a devoção à virgem Maria e à obediência ao Papa, suas

tendências às tradições e dogmas católicos e, especialmente, suas práticas estranhas aos
católicos não carismáticos.

Segundo as conclusões acadêmicas sobre a RCC, ela surge com influência do

pentecostalismo católico, procura se afirmar como movimento legitimamente católico, é
criticado por fiéis católicos, leigos e clérigos, que não são carismáticos, é, atualmente,

expressiva na Igreja, foi opositora das Comunidades Eclesiais de Base e encontrou espaço de
crescimento e divulgação, a partir das novas comunidades católicas que surgiram a partir da
própria RCC e que se disseminaram nas mídias, especialmente em redes de TV abertas.
2.2. Congruências e Divergências nas perspectivas acerca da RCC

É possível perceber que existem grandes divergências nos pareceres sobre a RCC, mas

existem também pontos em que os pareceres se aproximam ou se igualam. Não se encontrará
um carismático dizendo que a RCC é uma estratégia da Igreja para conseguir vencer um suposto

embate com o protestantismo pentecostal, nem se ouvirá da hierarquia da Igreja que a RCC não

é um movimento equiparado aos demais, mas um movimento que converterá os outros às suas
práticas.

Se por um lado existem diferenças bem claras, por outro é possível notar que a exposição

de algumas colocações é quase invariável, umas verificáveis, outras que não apresentam

possibilidade de investigação metodológica, mas todas defendidas por quem expõe. Alguns
exemplos são a fundação da RCC pelo Espírito Santo e a sua pertença à Igreja.

45

2.3. A Igreja Católica

Fazer uma apresentação da Igreja Católica aqui é necessário, pois além de contextualizar

a RCC, é possível mostrar o que o carismático defende e assume como todo católico, pois assim
poderemos também olhar para o que o carismático assume e defende, mas nem todo católico o

faz. É certo que essa é uma avaliação pessoal, cuja origem está em minhas observações de
católico e de pesquisador da área.

A Igreja Católica Apostólica Romana é uma instituição que atribui sua fundação ao

próprio Jesus Cristo, o que significa que sua história data de aproximadamente dois mil anos e
que outrora foi a única instituição religiosa cristã.

O Cristianismo durante a idade antiga e media limitou-se a Igreja Católica, tanto foi

assim que nesse período os termos catolicismo e cristianismo se confundem. Foi na idade

moderna que a dinâmica do cristianismo foi alterada, uma vez que, com a reforma protestante
e a criação de novas igrejas, tais como a precursora do protestantismo – a Igreja Luterana –

além dos católicos, todos aqueles que se propuseram e propõem a seguir ensinamentos de Cristo

e professam uma fé são conhecidos como cristãos. Atualmente a igreja católica ainda é muito
influente, seja na vida de seus membros, seja na vida dos não católicos, mas sua influência tem
sido reduzida tanto quanto os números estatísticos de seus fiéis.

Essa influência da Igreja existe primeiramente porque é próprio da religião estabelecer

normas e visões de mudo aos seus adeptos e segundamente porque a Igreja fez parte da
construção dos processos culturais e históricos do ocidente e em certa medida, por ser universal,
de todo o globo terrestre.

Faço a opção de apresentar a Igreja segundo a perspectiva expressa em seus documentos

por perceber que o esforço de o fazer de outro modo não comtemplaria a complexidade da
instituição bem como negligenciaria a gama de documentos que se propõem a fazê-lo e o fazem
bem.

A Igreja Católica Apostólica Romana em seu catecismo14, segundo a bíblia e através da

transmissão dos ensinamentos dos papas que passaram por sua história, comunica a fé em que
A partir de agora usarei a sigla CCE oriunda do título do Catecismo da Igreja Católica em latim (Catechismum
Catholicae Ecclesiae), como convencionou-se usar para citações do documento.
46
14

crê, por acreditar que tem a missão de perpetuamente divulgar a revelação de Deus aos
homens15.

“A palavra ‘Igreja’ [‘ekklésia’, do grego ‘ekkaléin’ – ‘chamar para fora’] significa

‘convocação’. Designa assembleias do povo, geralmente de caráter religioso (CCE 751º.)
Tendo sede na cidade-Estado do vaticano, em Roma, a Igreja incansavelmente se propõe a
crescer e receber novos fiéis. Segundo sua doutrina, cada batizado – membro – é chamado a
anunciar sua fé aos desconhecedores da mesma. Todo católico, segundo a Igreja, deve viver em
estado de missão. (AG nº 23)16

A Igreja se diz apostólica por perpetuar a figura do apóstolo como líder eclesial, os

apóstolos foram primeiramente os doze homens escolhidos por Jesus dentre seus discípulos que
receberam a missão de guiar e ensinar a fé às porções do “povo de Deus(CCE nº 752)”, os
apóstolos hoje são chamados de bispos e lideram essas porções, as dioceses 17.

O termo católico é sinônimo de universal, essa é mesmo a intenção da Igreja, ser

presente em todo o planeta, comunicar sua fé a todos os povos. Não é difícil encontrar críticas

à Igreja que dizem que ela é hegemônica por interesses políticos e até econômicos, no entanto,
interessa aqui mostrar o que a Igreja diz de si mesma, uma vez que queremos investigar um de

seus movimentos o qual a defende e reforça constantemente sua pertença à mesma. Nas
“’Aprouve a Deus, em sua bondade e sabedoria, revelar-se a si mesmo e tornar conhecido o mistério de sua
vontade, pelo qual os homens, por intermédio de Cristo, Verbo feito carne, no Espírito Santo, tê acesso ao Pai e se
tornam participantes da natureza divina”. Deus, que habita uma luz inacessível’ (1Tm 6,16), quer comunicar sua
própria vida divina aos homens, criados livremente por ele, para fazer deles, no seu Filho único, filhos adotivos.
Ao revelar-se, Deus quer tornar os homens capazes de respinder-lhe, de conhece-lo e de amá-lo bem além do que
seriam capazes por si mesmos. O projeto divino da revelação realiza-se ao mesmo tempo ‘por ações e por palavras,
intimamente ligadas entre si e se iluminam mutuamente’. Este projeto comporta uma ‘pedagogia divina’ peculiar:
Deus comunica-se gradualmente com o homem, prepara-o por etapas a acolher a Revelação sobrenatural que faz
de si mesmo e que vai culminar na Pessoa e na missão do Verbo encarnado, Jesus Cristo [...] (CCE nº21, 52 e 53).
Por isso, os cristãos lêem o Antigo Testamento à çuz de Cristo morto e ressuscitado. Esta leitura manifesta o
conteúdo inesgotável do Antigo Testamento. Ela não deve levar a esquecer que este conserva seu valor próprio de
Revelação, que o próprio Nosso Senhir reafirmou. De resto. Também o Novo Testamento exige ser lido à luz do
Antigo [...] (CCE nº 129).
16
Para referenciar documentos emitidos pela Igreja, como as encíclicas, convencionou-se usar a sigla formada
pelas iniciais do título do documento em latim, Ad Gentes: AG.
17
“Entende-se por Igreja particular, o que é, em primeiro lugar, a diocese (ou eparquia), uma comunidade de fiéis
cristãos em comunhão na fé e nos sacramentos com seu Bispo ordenado na sucessão apostólica, Essas Igrejas
particulares ‘são formadas à imagem da Igreja universal; é nelas e a partir delas que existe a Igreja católica uma e
única’(CCE nº833)”. “A diocese é a porção do povo de Deus que é confiada ao Bispo para ser apascentada com a
cooperação do presbitério, de tal modo que, aderindo ao seu pastor e por este congregada no Espírito Santo,
mediante o Evangelho e a Eucaristia, constitua a Igreja particular, onde verdadeiramente se encontra e atua a Igreja
de Cristo una, santa, católica e apostólica (CIC. Cân nº369)”
47
15

Ciências Sociais há abordagens críticas sobre atuação religiosa, uma vez que a instituição se
preocupa em reforçar padrões mantenedores do status quo. Enquanto as pesquisas

desenvolvidas por cientistas sociais são orientadas para abordagens através das quais há uma
desnaturalização de padrões.

Como ressonância do Concílio Vaticano II 18a Constituição Dogmática Lumen Gentium

é o documento que reflete sobre a Igreja, reitera sua universalidade19 e se preocupa em detalhar
tudo aquilo que concerne à Igreja, desde sua instituição ao seu fim escatológico.

A Igreja Católica Apostólica Romana é conhecida por ser influente, por ter caráter

tradicional, por sua história de hegemonia e por tantas outras características que são,
imediatamente, atribuídas à instituição quando seu nome é citado, sejam características próprias

de sua estrutura, sejam características advindas de interpretações a respeito da mesma. Mas,

como a Igreja se reconhece? O que transmite aos seus membros? Qual sua relação com seus

fiéis? São estas três perguntas que podem ser respondidas para ajudar a entender o que o que
acontece quando um fiel católico passa a ser católico carismático.

O caminho histórico da Igreja é importante, assim como sua organização institucional,

mas estes aspectos não serão pormenorizados, apenas citados, primeiramente, porque o trabalho

Os concílios são reuniões extraordinárias de líderes eclesiásticos que têm o objetivo de discutir e deliberar –
obedecendo a hierarquia da igreja – sobre questões vinculadas à fé crida pela Igreja e sobre a moral católica. Os
concílios têm autoridade equiparada à autoridade papal, inclusive esta autoridade foi debatida em concílios. O
Concílio Ecumênico Vaticano II foi o ultimo na Igreja e seus documentos refletem seu objetivo de discutir de
autorreflexão da Igreja e de seu diálogo com o mundo. Um concílio não anula decisões de concílios anteriores,
mas as complementa se as mesmas questões forem debatidas.
19
“Ao novo Povo de Deus todos os homens são chamados. Por isso, este Povo, permanecendo uno e único, deve
estender-se a todo o mundo e por todos os séculos, para se cumprir o desígnio da vontade de Deus que, no princípio,
criou uma só natureza humana e resolveu juntar em unidade todos os seus filhos que estavam dispersos (cfr. Jo.
11,52). Foi para isto que Deus enviou o Seu Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas (cfr. Hebr. 1,2),
para ser mestre, rei e sacerdote universal, cabeça do novo e universal Povo dos filhos de Deus. Para isto Deus
enviou finalmente também o Espírito de Seu Filho, Senhor e fonte de vida, o qual é para toda a Igreja e para cada
um dos crentes princípio de agregação e de unidade na doutrina e na comunhão dos Apóstolos, na fracção do pão
e na oração (cfr. Act. 2,42 gr.). E assim, o Povo de Deus encontra-se entre todos os povos da terra, já que de todos
recebe os cidadãos, que o são dum reino não terrestre mas celeste. Pois todos os fiéis espalhados pelo orbe
comunicam com os restantes por meio do Espírito Santo, de maneira que «aquele que vive em Roma, sabe que os
indianos são membros seus»(23),. Mas porque o reino de Cristo não é deste mundo (cfr. Jo. 18,36), a Igreja, ou
seja o Povo de Deus, ao implantar este reino, não subtrai coisa alguma ao bem temporal de nenhum povo, mas,
pelo contrário, fomenta e assume as qualidades, as riquezas, os costumes e o modo de ser dos povos, na medida
em que são bons; e assumindo-os, purifica-os, fortalece-os e eleva-os. Pois lembra-se que lhe cumpre ajuntar-se
com aquele rei a quem os povos foram dados em herança (cfr. Salm. 2,8), e para a cidade à qual levam dons e
ofertas (cfr. Salm. 71 [72], 10; Is. 60, 47; Apoc. 21,24). Este carácter de universalidade que distingue o Povo de
Deus é dom do Senhor; por Ele a Igreja católica tende eficaz e constantemente à recapitulação total da humanidade
com todos os seus bens sob a cabeça, Cristo, na unidade do Seu Espírito [...] (LG nº 13)”
48
18

não é especificamente sobre a Igreja Católica, segundamente, porque o interesse aqui é trazer
documentos eclesiais e dados de campo que ajudem a construir uma imagem católica vista por

seus fiéis que optam por aderirem ao movimento carismático. Para a exposição que segue,
foram acessados os dados das pesquisas, documental e bibliográfica.

É importante ressaltar que, a partir de agora, não será apresentado um levantamento

de dados históricos sobre a Igreja, mas dados que estão em seus documentos e que são cridos

por seus fiéis, dados estes que podem, inclusive, serem verificados em pesquisas acadêmicas
específicas sobre a Igreja, mas que aqui aparecem como a visão de um fiel católico sobre sua
igreja.

A Igreja conta sua história, desde os acontecimentos bíblicos, especificamente, a partir

dos acontecimentos neotestamentários, período ao qual a Igreja atribui sua fundação, pela

pessoa do próprio Jesus Cristo. A fé (MARIN, 2015), dos fiéis católicos é de que o primeiro de
sus concílios, está retratado na bíblia, seria o Concílio de Jerusalém, acontecido nos primeiros
anos da Igreja.

Nos dois mil anos de Igreja Católica, aconteceram vinte e um concílios, além daquele

citado na bíblia. Segundo a hierarquia da Igreja, os ensinamentos católicos de cada concílio
dialogam com os ensinamentos bíblicos e com os ensinamentos do magistério, que são os
ensinamentos dos papas que passara pela Igreja, a partir de suas cartas, exortações e demais
documentos eclesiais.

São estes os três pilares que sustentam a fé da Igreja Católica: A bíblia, o magistério e

a Tradição, três pilares milenares que, segundo a Igreja, se completam e guiam a vida pastoral
e litúrgica do catolicismo.

Os católicos atribuem a fundação da Igreja à ocasião em que Jesus Cristo menciona a

edificação de sua Igreja ao falar com Pedro, um de seus discípulos (Cf.Mateus 16,18). Mas nos
dois mil anos vividos pelas Igreja, seus ensinamentos sobre si mesma, ganharam dimensões
extraordinárias.

A Igreja ensina aos seus membros que ela é santa, una, apostólica e universal (CCE nº

748 -750), pensada por Deus, desde a eternidade (CCE º 760) e que tem a missão de salvar a si
mesma, o povo de Deus (CCE nº781). A Igreja prega aos seus fiéis, a santidade, a perfeição
49

própria. O que faria, então, um católico querer acrescentar algo a sua prática de fé, uma vez que
ela seria perfeita? O que o faria carismático?

A chave para responder estas perguntas está na própria finalidade da RCC, de ser um

movimento eclesial, de ser uma alternativa de vivência católica. Não é o fiel católico
conhecedor de toda a tradição da Igreja que passa a ser carismático, mas justamente aquele

católico que foi batizado na infância e que passou a conhecer a Igreja, justamente após o contato

como o movimento carismático. Todos os interlocutores desta pesquisa, que são carismáticos,
afirmaram ter mudado a prática de vivência da fé, após um contato com a RCC.

De caráter tradicional a igreja permite apresentar-se de maneiras diversas que não

expressem contradição, Prandi diz que “em seu interior proliferam muitos movimentos que

propõem relações diversas com indivíduos, grupos e cultura” (PRANDI, 2008, p. 4).
Indiscutivelmente um exemplo claro dessa relação da Igreja com os fiéis é a presença dos
movimentos, novas comunidades e ordens religiosas.

O movimento aqui analisado, a Renovação Carismática Católica, é um desses

movimentos católicos que têm suas particularidades, mas que não configuram uma igreja, pelo

contrário, são frutos da Igreja Católica e a ela obedecem, ensinando seus membros, a tradição
católica. A pluralidade católica é evidenciada após o concílio Vaticano II, mas não foi iniciada
na ocasião.

A complexificação da pluralidade e do quadro externo ao catolicismo é
acompanhada simultaneamente pela complexificação interna da religião católica.
Desde tradições e movimentos anteriores ao Concílio Vaticano II até a explosão de
uma enorme diversidade interna. (SILVEIRA, 2004, p. 159).

O movimento carismático pode ser usado como exemplo para mostrar quão

diversificada é, interiormente, a Igreja, isso pode acontecer, porque a RCC é um entre dezenas
de movimentos eclesiais, cada um com práticas diferentes das do outro, mas todos católicos.

A entrada para tanta diversidade é hoje realizada em grande medida pela escolha
pessoal. Pelo afeto. Pelo que se gosta. Pelo que se rejeita. Há, no entanto, um espectro
de escolhas antagônicas. Conflitos declarados. Adesões entusiasmadas. Padres,
bispos, leigos (as); estruturas institucionais e experiências pessoais num jogo de dados
à beira do altar. Não se trata de um sorteio, mas de lances de um movimento.
(SILVEIRA, 2004, p. 159).

Segundo Teixeira (2005, p, 16) “O catolicismo no Brasil revela uma grande

complexidade. Trata-se de um campo religioso caracterizado por grande diversidade. A
50

pluralidade é um traço constitutivo de sua configuração no Brasil”. Segundo o autor, o

catolicismo brasileiro não é homogêneo, mas mais uma expressão da força que o sincretismo e
o trânsito entre religiões que acontece no Brasil têm. É importante ressaltar que a Igreja enxerga

em si essa diversidade, mas não incentiva o sincretismo, pelo contrário, professa 20uma fé que
rejeita o mesmo.

Para Negrão (2008) a formação do campo religioso brasileiro plural é resultado do

trânsito entre religiões e, principalmente, da formação histórica do catolicismo que passa pela

obrigatoriedade colonial, pelo pluralismo laico da república e chega ao catolicismo atual, que
além de ser plural internamente, divide espaço com inúmeros outros grupos religiosos.

A pluralidade externa ao catolicismo, discutida por Teixeira (2005), segundo Péricles

Andrade, amedronta a hierarquia católica:

Um fantasma tira o sono dos bispos brasileiros: “o país mais católico do mundo” está
ficando cada vez mais evangélico. No acompanhamento dos indicadores, observa-se
crescente declínio do catolicismo, que chama à atenção para a transformação da
identidade religiosa do brasileiro, na medida em que, progressivamente, cresce o
número de indivíduos “sem religião”. Ambos os movimentos constituem uma
diversificação religiosa e uma nova realidade social das religiões, provavelmente
destinada a se diversificar ainda mais (p.18).

A RCC no catolicismo brasileiro, ocupa o lugar de movimento eclesial, mas além

representar a pluralidade católica e até religiosa no Brasil, representa uma das forças do

catolicismo, para alguns estudiosos essa força existe para impedir o decréscimo de fiéis, para o
catolicismo, essa força existe para salvar alma e o impedimento do decréscimo de fiéis, se
acontecer, é uma consequência.

2.4. Relação da RCC com a Igreja Católica

Os grupos de oração acontecem regularmente nas paróquias em que a RCC é um dos

movimentos eclesiais atuantes, os membros do movimento organizam seminários, retiros e

outros eventos, o fiel católico carismático vive na Igreja como vivem os demais fiéis católicos,
Profissão de fé católica: Creio em Deus Pai todo-poderoso, criador do céu e da terra; e em Jesus Cristo, seu
único Filho, Nosso Senhor; que foi concebido pelo poder do Espírito Santo; nasceu na Virgem Maria, padeceu sob
Pôncio Pilatos, foi crucificado morto e sepultado; desceu à mansão dos mortos; ressuscitou ao terceiro dia; subiu
aos céus, está sentado à direita de Deus Pai todo-poderoso, donde há de vir a julgar os vivos e os mortos; creio no
Espírito Santo, na santa Igreja Católica, na comunhão dos santos, na remissão dos pecados, na ressurreição da
carne, na vida eterna. Amém
51
20

em linhas gerais, sem problemas de aceitação. No entanto, quando a RCC chegou às paróquias

o panorama de receptividade era outro, as práticas carismáticas eram demasiado estranhas para
os católicos.

A nível de paróquia o grau de receptividade mudou tanto quanto a nível diocesano e

universal. A igreja passou pelo estranhamento inicial quando se deparou com o movimento que
começava a florescer, seguiu com perguntas e acompanhamento curioso e aproximado da

hierarquia, propôs seu controle eclesial e, por fim, reconheceu o movimento, mas o fez sem
deixar de acompanhar de perto os passos do mesmo.

Não é estranho que a Igreja tenha, a princípio, silenciado perante o surgimento da RCC.

Esse silêncio não é estranho porque nem o papa, nem nenhum bispo ou padre abraçaria
imediatamente um movimento cujas práticas são tão diferentes daquelas que eles vêm e
estimulam os católicos a realizarem.

É necessário falar desse silêncio da Igreja, não simplesmente porque ele é obviamente

justificável, uma vez que a Igreja estava atenta aos seus dogmas e hegemonia e mão iria querer
um movimento que discordasse de suas verdades ou terminasse por levar seus fiéis ao
protestantismo, como comentou-se a possibilidade, mas é necessário falar por que esse silêncio

é a resposta a uma questão importante sobre a relação entre RCC e Igreja Católica: A Igreja
Católica projetou a RCC como meio de conquistar novos fiéis e não perder os antigos?

Talvez seja ingenuidade acreditar que a hierarquia da Igreja iniciou a RCC,

primeiramente porque a Hierarquia não iria negar a autoria de uma obra tão conhecida e,

atualmente aceita, segundamente porque a RCC não precisaria insistir na sua autoafirmação
católica e principalmente porque os relatos históricos da RCC apontam para outro início.

Para Patti Mansfield a RCC não foi projeto da Igreja, simplesmente por que o próprio

Deus a teria projetado:

Vejo com absoluta clareza que este trabalho não pode ser creditado a nenhuma
estratégia ou organização humana. Nenhum de nós que estava lá, no início da
Renovação Carismática, ou que veio a ser chamado para frente do exército de
lideranças, pôde reivindicar para si qualquer crédito. Foi tudo trabalho de Deus! É a
Ele que temos de louvar e agradecer pela efusão do Espírito Santo, nestes nossos dias
como um novo Pentecostes (MANSFIELD, 1995)

A Igreja reconhece o surgimento da RCC como uma das respostas ao Concílio

Vaticano II, mas não atribui sua fundação à hierarquia, pelo contrário, antes de aceitar a RCC,
52

a hierarquia silenciou. Esse silêncio pode ser verificado na postura do Capelão de Duquesne

que não participou ou motivou os primeiros encontros de oração carismática promovidos pelos

jovens do Final de Semana de Duquesne, e até na “demora” do reconhecimento pontifício da
RCC ou do pronunciamento de conferências episcopais.

O reconhecimento pontifício da RCC aconteceu no pontificado de Paulo VI, quando o

mesmo viu no movimento carismático, uma “oportunidade” para a Igreja. Não só esse Papa,

nem só os Papas, mas a Hierarquia começou a perceber a força que a RCC demonstrava,
congregando fiéis, juntando mutirões e despertando discursos de pertença e amor ao
catolicismo. Eis a questão: a Igreja não fundou a RCC, mas deu vasão ao seu crescimento e
legitimidade.

Se por um lado a Igreja começava a ocupar espaço reconhecido e legítimo dentro do

catolicismo, por outro se via o despertar de católicos que não aceitavam a RCC. Atualmente
ainda existem padres e leigos que criticam as práticas carismáticas. Segundo uma interlocutora

“ainda existem muitos padres que não aceitam a RCC e tem aqueles que só engolem, mas não
dá nenhum apoio” (Trecho da entrevista com Mônica).

Como a RCC ocupa as mídias, através das novas comunidades católicas”

(CAMURÇA, 2009, p. 61), é reconhecida e aceita pelos bispos e pelo papa e ocupa um espaço
que, aparentemente, não lhe será tirado, não será fácil encontrar uma publicação crítica ao
movimento que tenha partido de dentro da Igreja. Quem colocaria em xeque a palavra de papas,

bispos, padres e de uma parcela de leigos imensurável? todavia, no campo, as nuances de um
sentimento de falta de reconhecimento ainda são verificadas desde as entrevistas às conversas
informais com membros da RCC.

Sobre a relação, hora tensa, hora apaziguada entre RCC e Igreja, Beneditti defende

que a Igreja se tornou mestra no seu controle eclesial e não permitiria que um movimento
crescesse sem sua “bênção”.

A forma social de ser da Igreja Católica ao longo de vinte séculos concretizou o que
é lugar comum em sociologia: a passagem do carisma pessoal ao de função,
rotinização do carisma na expressão de Peter Berges, numa palavra
institucionalização. Esse fato ainda lhe confere força suficiente para controlar
movimentos, divergências e enquadrar dissidências; por sua cultura milenar é mestra
em administrar conflitos (BENEDETTI, 2009, p.17)

Carranza (2009, p. 33-34) apresenta 3 etapas pelas quais a RCC passou e que

revelam sua relação com a Igreja: uma etapa fundacional, na década de setenta, uma etapa de
53

expansão, nas décadas sequentes, principalmente em meio a juventude e uma etapa de

neopentecostalização católica que se observa na proliferação de diversas expressões
carismáticas na Igreja, tais como os diversos tipos de grupos de oração da RCC (PRÓCÓPIO,
2009, p. 83) e as novas comunidades eclesiais (DÁVILA E MARIZ, 2009, p. 141).

Internacionalmente o marco da relação entre a Igreja e a RCC foram as nomeações

dos consultores episcopais, no Brasil o marco foram, sem dúvida, as Orientações Pastorais
Sobre a Renovação Carismática Católica, o documento 53 da CNBB.

Todavia, ao tempo em que a CNBB estreita os laços com a RCC, suas orientações

não são seguidas. É sabido, por exemplo, que Os termos “ministério” “batismo no Espírito
Santo” e o fenômeno “glossolalia”, dentre outros termos, fenômenos e manifestações,

receberam maior atenção do episcopado na redação do documento, mas as principais
orientações sobre essas práticas não são seguidas na maioria das dioceses do país. O pároco da
Paróquia Nossa Senhora Divina Pastora, comenta:

- Não obstante haver uma clara orientação para que não se apliquem estes termos, na
prática isso não é levado em consideração, causando uma certa confusão entre os fiéis,
tais como a maior importância dada a um “outro” batismo para a salvação e o uso de
“ministério” que na tradição da Igreja é aplicado apenas para o leitorado e acolitado e
para as ordens sagradas (Declaração de Padre Mente).

Indagado sobre essas práticas em sua paróquia, o padre, reafirmando total diálogo com

a RCC, afirma:

- Em geral, o Movimento é supraparoquial, isto é, as orientações seguidas vêm da
Secretaria Nacional, Estadual ou Diocesana. Penso que uma orientação particular, no
sentido acima descrito, teria pouco efeito. O que procuro fazer é tentar inserir os
membros na vida pastoral paroquial e ajudá-los a viver na unidade da Igreja
(Declaração de Padre Mente).

O que se pode dizer da relação entre o movimento e a instituição é que de um lado

os carismáticos se sentem acolhidos pela hierarquia, ainda que vivam a sombra de católicos que
não aceitam o movimento, de outro lado a hierarquia abraça o movimento, como se verifica na

fala de Dom Valério Breda, bispo da diocese de Penedo: “A RCC faz parte da Vida da Igreja
em Penedo” e no apelo que o Papa Francisco faz pela unidade da Igreja e dos cristãos, quase
que num discurso ecumênico, quando prega na Vigília de Pentecostes de 2017, na ocasião em

que milhares de carismáticos estavam celebrando os 50 anos da RCC em Roma, quando a RCC
dividiu a Praça de São Pedro com Protestantes Pentecostais.

54

55

3. O GRUPO DE ORAÇÃO
“Através dos grupos de oração, evangelizamos através do anúncio de Jesus vivo e ressuscitado, nos grupos
de perseverança buscamos o amadurecimento e a fé dos participantes, levando as pessoas a um despertar
para o serviço, usando do carisma próprio do movimento” ( Declaração da então Coordenadora Estadual da
RCC em Alagoas)

Este capítulo aborda brevemente o contexto a partir do qual a RCC surgiu e suas

chegadas ao Brasil, á Província Eclesiástica de Alagoas, à Diocese de Penedo e à Paróquia
Nossa Senhora Divina Pastora em Junqueiro. Aqui há uma preocupação em apresentar como a

RCC se organiza hierarquicamente, tentando explicar o que é um grupo de oração e quais são

os tipos de grupo de oração vinculados à RCC, além de tratar do Seminário de Vida no Espírito
Santo.

Os Grupos de Oração são marcados pela experiência do Batismo no Espírito Santo,
onde brotam os carismas exercidos e reconhecidos pela comunidade em prol do bem
comum. É onde e como os ministérios surgem, pois ministério é o carisma que, na
comunidade e em vista da missão na Igreja e no mundo, assume a forma de serviço
bem determinado, envolvendo um conjunto mais ou menos amplo de funções, que
responda a exigências permanentes da comunidade e da missão, é assumido com
estabilidade, comporta verdadeira responsabilidade e é acolhido e reconhecido pela
comunidade eclesial (Apostila de Formação do Ministério Universidades Renovadas
– Módulo 1).

A RCC tem o grupo de oração como o lugar para o qual se voltam as atividades e

atenções do movimento, é a partir dele que eventos são programados e realizados, é nele que a
identidade da RCC se estabelece e é sua multiplicação que garantiu a expansão e aceitação da

RCC, o grupo de oração é símbolo representativo do movimento carismático, bem como é seu
apoio e propulsor de credibilidade junto ao catolicismo plural e tradicional.

3.1. A chegada da RCC nos recortes geográficos que compõem o caminho histórico da
mesma até o surgimento do Grupo de Oração São Miguel Arcanjo

A história da RCC, sua organização e hierarquia ajudam a enxergar a centralidade do

grupo de oração para a RCC, mas mais importante que os aspectos externos ao grupo, são os
processos desenvolvidos durante o ponto alto de sua existência, a reunião semanal, onde os
56

rituais próprios da RCC acontecem. O diário de campo da observação de uma dessas reuniões
trazido na íntegra e conjugado à análises e observações sobre a RCC é o âmago do capítulo.

3.1.1. A RCC chega ao mundo
A RCC completou em 2017 cinquenta anos de existência, os membros do movimento

chamaram esse ano de “Ano do Jubileu de Ouro da RCC”. No mesmo ano, em diversos países
nos quais a RCC atua, o aniversário foi celebrado. Como dito, existiram muitas celebrações

descentralizadas, mas em Roma aconteceu o marco central comemorativo dos 50 anos do
movimento.

Entre os dias de 31 de maio e 04 de junho de 2017 Roma recebeu aproximadamente 30

mil católicos carismáticos que peregrinaram à cidade para a festa de 50 anos. Bispos, padres e
leigos participaram com o Papa Francisco do ponto alto da festa: A vigília de Pentecostes que
reuniu católicos carismáticos e protestante pentecostais que dialogam ecumenicamente com a

RCC. A homilia do Papa foi voltada para a unidade dos cristãos. Seu ensinamento citou cristãos
protestantes e fez ver a importância do ecumenismo cristão.

Estamos aqui reunidos crentes provenientes de 120 países do mundo, para celebrar a
obra soberana do Espírito Santo na Igreja, que teve início há 50 anos e deu vida a...
uma instituição? A uma organização? Não. A uma corrente de graça, uma corrente de
graça da Renovação Carismática Católica. Obra que nasceu... católica? Não. Nasceu
ecuménica! Nasceu ecuménica porque é o Espírito Santo quem cria a unidade e é o
mesmo Espírito Santo que deu a inspiração para que fosse assim! É importante ler as
obras do cardeal Suenens sobre isto: é muito importante! (Homilia do Papa Francisco
na Vigília de Pentecostes em 03 de junho de 2017, por ocasião do Jubileu de Ouro da
RCC)

O movimento católico que nasceu no ecumenismo e que o Papa chama de corrente de

graça se espalhou pelo mundo e atualmente tem algumas células no município de Junqueiro,
leste do estado de Alagoas, no Brasil, país em que a RCC chegou poucos anos após seu
nascimento no Estados Unidos. A base empírica deste trabalho é o Grupo de Oração São Miguel

Arcanjo que está na Paróquia Nossa Senhora Divina Pastora, paróquia que abarca quase cem
por cento do território do município de Junqueiro.

Muitos trabalhos trouxeram o histórico da RCC para o âmbito acadêmico, na verdade,

quase todas as pesquisas buscam introduzir o relato histórico de surgimento e expansão da RCC
57

nos seus resultados escritos, por essa razão, além de trazer o relato histórico do que aconteceu
imediatamente após o surgimento da RCC, priorizei investigar e expor, ainda que brevemente,
o contexto que antecedeu e permitiu o início do movimento, principalmente porque nesse
contexto surgiram as reuniões que viriam a ser chamadas de grupo de oração.

A RCC tem o “Final de Semana de Duquesne” como o marco inicial de sua formação

enquanto movimento católico. É certo que o início do movimento contou com a influência
direta de cristão não católicos, mas o seu tempo de existência é contado desde o retiro que
aconteceu nos dias 17, 18 e 19 de fevereiro de 1967 (MANSFIELD, 1995). Noutras palavra, o

tempo em que católicos visitaram protestantes não é contado como tempo da RCC, mas apenas
o período iniciado quando os próprios católicos se reuniram, ainda que com a presença e
práticas, até então protestantes.

Mansfield (1995) no livro “Como Um Novo Pentecostes: Relato do dramático Início da

Renovação Carismática Católica”, traz a compilação de diversos relatos de pessoas que

participaram do Final de Semana de Duquesne ou tiveram contato com a RCC imediatamente
após seu surgimento, o livro mostra ainda que antes de acontecer o famoso final de semana

ecumênico, outros eventos já eram precursores do que seria mundialmente conhecido como
RCC.

Mansfield (1995) observa que antes do Final de Semana de Duquesne, o Concílio

Vaticano II tratara da necessidade de uma renovação católica; que já existia uma aldeia católica
na Tchecoslováquia cujas práticas são hoje atribuídas à RCC – aldeia essa era visitada pelo

bispo Angelo Roncalli, o qual viria a ser o Papa João XXIII, Papa da abertura do Concílio

Vaticano II e que foi canonizado pela Igreja, sendo hoje reconhecido como São João XXIII – e
que além da proposta do Concílio e da existência isolada da prática carismática, existia o apelo

de uma freira italiana para que a Igreja vivesse uma renovação no Espírito Santo. Esse apelo

foi expresso em uma carta ao Papa Leão XIII. Elena Guerra, a freira, posteriormente conhecida
como apóstola do Espírito Santo, foi a primeira pessoa a ser beatificada pelo Papa João XXIII
e seus escritos ficaram mundialmente conhecidos.

Outro antecedente do movimento pentecostal católico foi o movimento de cursilhos,

pois em reuniões do movimento algumas manifestações pentecostais haviam acontecido

discretamente, tal como a prática da glossolalia. Dois estudantes da Universidade de Notre
58

Dame ligados ao movimento dos cursilhos tiveram acesso à livros pentecostais protestantes que

falavam sobre o batismo no Espírito Santo, até então pouquíssimo conhecido pelos estudantes
e por quaisquer outros católicos, desconhecido, pelo menos, nos moldes carismáticos.

O final de Semana de Duquesne, antecedido pelo Concílio e pelos eventos isolados

citados foi promovido pela sociedade “Chi Rho” – sociedade que reunia cristãos ligados a
Universidade de Duquesne – e foi estruturado a partir da influência pentecostal recebida por

dois professores que começavam a investigar - e tinha desejo de receber - o chamado batismo
no Espírito Santo.

Os estudantes de Notre Dame eram Ralph Martin e Steve Clark e motivados pela leitura

dos livros “A Cruz e o Punhal” de David Wikerson e “Eles Falam em Outras Línguas” de John
Sherrill, divulgaram o chamado batismo no Espírito Santo e foram eles os influenciadores dos

dois professores de Duquesne que organizaram o famoso retiro de fim de semana que seria mais
tarde conhecido como ponto inicial da RCC.

Em 1966, Steve Clark deu o livro “A cruz e o Punhal” aos professores de Duquensne

que no mesmo ano procuraram uma igreja pentecostal para se aprofundar nos assuntos

relacionados ao batismo no Espírito Santo. Os professores, a esposa de um deles e mais um
amigo contataram um pastor da Igreja Episcopal Anglicana e posteriormente, alguns fiéis
anglicanos, com os quais se reuniram e pediram oração pelo, até então pouco conhecido,
batismo pentecostal.

O batismo no Espírito Santo dos primeiros católicos que entraram em contato com os

fiéis anglicanos foi o ponta pé inicial da RCC. O retiro conhecido como “Final de Semana de

Duquesne” aconteceu na Universidade de Duquesne em Pittsburgh, Pensilvânia, Estados

Unidos e foi o evento no qual outros católicos receberam o batismo no Espírito Santo. Uma fiel
anglicana que estava na reunião em que os primeiros católicos haviam recebido o batismo no
Espírito Santo foi convidada e ministrou uma das palestras do evento que tinha como programa

de atividades principais, a sequência de quatro palestras sobre os quatro primeiros capítulos do
livro neotestamentário de Atos dos Apóstolos (Melo, 2009, p. 42).

Flo Dodge, a anglicana que ministrou a segunda palestra do evento foi bem recebida por

todos, mas alguns católicos não entenderam e até se incomodaram com a presença protestante,
59

todavia, após a palestra e a experiência pentecostal, os retirantes quebraram as barreiras e se
aproximaram da proposta ecumênica iniciada pelos dois professores (Mansfield, 1995).

O retiro iniciou na sexta feira e terminou no domingo, como fossem conhecidos entre

si, os estudantes universitários programaram, para a noite do sábado, uma festinha de

aniversário para os retirantes que aniversariavam em fevereiro. Seria uma comemoração
simples e fraternal, mas não aconteceu, pois, segundo o relato de alguns retirantes, de modo
sobrenatural, a maioria dos membros do retiro, inclusive os que seriam homenageados com a
festinha, se sentiram impulsionados a irem à capela para rezar. Não havia nada combinado,

além da comemoração, mas um a um os jovens e professores foram à capela e começaram a

clamar pela presença do Espírito Santo, o clamor fora atendido e a oração pentecostal católica
precursora de tantos outros momentos semelhantes que se espalharia pelo mundo, durou até a

madrugada, quando o padre responsável pela capela pediu que os jovens fossem dormir, dado
o avançar da hora (MANSFIELD, 1995).

As raízes, pois, da Renovação Carismática Católica, também chamada de Renovação
do Espírito, encontram-se na tradição de Pentecostes. Desejosos de reavivar sua fé,
alguns estudantes universitários, durante um retiro espiritual, experimentaram a
manifestação de alguns dons carismáticos (TOSCANO, 2001, p. 18).

No âmbito mundial, é possível dividir o caminhar histórico, social e cultural da RCC

em três partes: uma etapa fundacional no final dos anos 70, quando os grupos de oração se

multiplicavam e a organização carismática começou a se estabelecer; uma etapa de
consolidação social e cultural, quandoo dinamismo carismático permitiu a expansão do

movimento e uma etapa terceira de neopentecostalização católica, quando as práticas da RCC
começaram a ser reconhecidas como católicas (CARRANZA, 2009, p. 33-34).

3.1.2. A RCC chega ao Brasil
No Brasil, a RCC chega aproximadamente dois anos após seu início nos Estados Unidos

da América. As primeiras manifestações carismáticas no Brasil aconteceram em 1969, na

cidade de Campinas - SP, tendo como motivadores os padres americanos jesuítas Harold Joseph
Rahm – no Brasil conhecido como Padre Haroldo – e Eduardo Douhherty.

60

Segundo Boschini (2014, p.22), os dados a respeito da chegada da RCC ao Brasil

variam de acordo com as fontes pesquisadas. Existe uma incerteza sobre a exatidão do ano. No
entanto, ainda que os dados referentes à chegada da Renovação Carismática Católica no Brasil
variem de acordo com as fontes pesquisadas, ambos apontam para uma mesma época, o final
da década de 1960 e início dos anos de 1970.

a RCC chega ao Brasil num momento crítico em que vivia a sociedade ainda sob a tutela
do regime militar. Trazida pelos padres jesuítas, no final da década de 60, a RCC fincou
suas primeiras raízes na Vila Brandina, cidade de Campinas, pelas mãos de Padre
Haroldo Rahm, que incentivava os grupos de cursilhos, TLC. De lá se expandiu e está
presente, hoje, em quase todos os Estados da Federação (TOSCANO, 2001, p. 21).

A expansão da RCC no Brasil foi rápida, mas ainda que tenha encontrado algumas

resistências junto ao clero local, nas primeiras décadas o movimento já era conhecido
nacionalmente (TOSCANO, 2001, p.37). A Rápida expansão carismática em solo brasileiro
pode ser explicada pelos vínculos de seus expoentes iniciais com os meios de comunicação e
com outros movimentos eclesiais, como aponta Camuça (2009, p. 62). A expansão da RCC foi

inicialmente espontânea, contudo, após alguns anos foi direcionada por propostas de marketing
através de redes de TV, rádio, jornais folhetos, etc (CARRANZA 2000, p.28). No Brasil os

meios de comunicação se destacam quando se quer responder o porquê de a RCC ter se

expandido tanto e tão rápido. Os grupos de oração que surgiam, procuravam direcionamento
nos programas de TV que tinham as características carismáticas.

No Brasil, que imita os evangelistas norte-americanos, surgiu, nos últimos anos,
figuras carismáticas católicas de grande prestígio midiático. Os mais conhecidos são
os padres cantores, os fundadores de organizações e os pregadores de TV ou rádio.
Mas existem, e vão constituindo uma verdadeira rede, pregadores leigos, bandas
musicais e organizadores de shows que se tornaram bastante conhecidos tanto entre
os carismáticos quanto em outros segmentos católicos e não católicos. São
evangelizadores que atravessam as fronteiras das paróquias e dioceses, duas balizas
tradicionais do mandato de pregar e da jurisdição dentro da Igreja Católica. O católico
médio, hoje em dia, dificilmente saberá o nome do Presidente da CNBB, mas todos
sabem quem é o Pe. Marcelo (VALLE, 2003, p.103)

Atualmente os mecanismos midiáticos católicos vinculados à RCC, sejam promovidos

por grupos de oração ou por comunidades de vida e aliança são conhecidos pela maioria dos

fiéis católicos que consomem o material do mercado católico produzido pelos carismáticos.
Essa produção carismática não é mais apenas símbolo da expansão do movimento pentecostal
católico, mas também da manutenção do espaço que já conseguiu ocupar nestas décadas de
estadia no Brasil.

61

3.1.3. A RCC chega ao estado de Alagoas
Antes de prosseguir com a escrita deste e dos demais tópicos que relatam o histórico da

chegada da RCC em delimitações geográficas, devo dizer que usarei os nomes verdadeiros das

figuras que ilustram esses recortes históricos. Digo isto, pois até o presente momento os nomes
utilizados nesta exposição escrita de minha pesquisa só eram verídicos quando oriundos da
pesquisa bibliográfica, como é o caso de Pati Mansfield e Padre Eduardo Douhherty, cujas
imagens estão respectivamente associadas à chegada da RCC no Mundo e no Brasil.

A questão é que os relatos históricos da chegada da RCC nos recortes geográficos são

expostos com os nomes reais dos indivíduos, sejam esses dados oriundos de outros trabalhos
acadêmicos ou das entrevistas realizadas especificamente para este trabalho. Ao contrário, em
outras partes do trabalho - na transcrição do diário de campo de uma reunião semanal, por
exemplo – foi importante substituir os nomes verdadeiros e foram utilizados nomes fictícios.

Em suma, sobre a utilização dos nomes, importa ao leitor saber que os nomes de pessoas

utilizados nesse trabalho são os verdadeiros quando vindos de outras pesquisas acadêmicas ou

quando estão inseridos em descrições históricas, uma vez que em outras situações que não
sejam essas, os nomes foram substituídos, conforme indicações anteriores.

Segundo a atual coordenadora estadual da RCC em Alagoas, o movimento completa

neste ano de 2018, 41 anos de presença no estado: “- A Renovação Carismática Católica chegou
a Maceió através de Frei Fulgêncio. O mesmo conheceu a nova maneira de orar em BrotasSalvador por ocasião de sua passagem em um retiro carismático”.

Todos os dados sobre a RCC no estado de Alagoas que estão neste trabalho são oriundos

do contato com as duas últimas coordenadoras, a anterior, Enilma, e a atual, Georgina.

A RCC chegou ao estado primeiramente na capital, Maceió. Os registros das primeiras

reuniões de oração carismática são de 1977, na Gruta de Lourdes, onde o próprio Frei Fulgêncio

iniciou um grupo de oração e o coordenou com a ajuda e animação de Fernando Simões. Esse
primeiro grupo se reunia às 20 horas das sextas-feiras.

62

Existem registros ainda de outros grupos que são desse início da RCC em Maceió e,

portanto, em Alagoas. Grupo dos capuchinhos, com reuniões às 20 horas das segundas-feiras

na Capela do Convento dos Capuchinhos, coordenado pelo Frei Fulgêncio e animado por
Fernando Simões. Grupo do Bom Parto, com reuniões às 20h na Igreja Nossa Senhora do Bom
Parto e coordenado por Bartolomeu, seminarista franciscano. Grupo do Fernão Velho, com

reuniões às 20 horas, na Igreja de São José e coordenado por Fernando Simões. Grupo do
Tabuleiro dos Martins, com reuniões às 20 horas, na Igreja de Santa Luzia e coordenado pela

Irmã Francisca. Atualmente a RCC registra aproximadamente 250 grupos de oração no estado
de Alagoas.

Quando a coordenadora estadual foi indagada sobre a espiritualidade do movimento e

sobre sua formação, explicou que a formação se dá através das orientações do conselho nacional

da RCC, com congressos, pastoreios e encontros de formação continuada, e que a
espiritualidade tem centro no grupo de oração e nos encontros promovidos pelo movimento,
tais como os retiros de carnaval, os seminários de vida no Espírito Santo e outros tipos de
seminários.

Me chamou atenção o fato de a coordenadora – sem ter sido ainda informada sobre os

objetivos da pesquisa com a qual ela contribuía – ter feito um comentário que contribuiu com
o cerne de minha discussão, ainda que o contato com ela tenha a intenção de levantar dados
para uma questão tangente.

- Através dos grupos de oração, evangelizamos através do anúncio de Jesus vivo e
ressuscitado, nos grupos de perseverança buscamos o amadurecimento e a fé dos
participantes, levando as pessoas a um despertar para o serviço, usando do carisma
próprio do movimento.

O estado conta com a atuação os seguintes ministérios:
• Ministério de Formação;
• Ministério de Pregação;

• Ministério de Intercessão;

• Ministério de Oração por Cura e Aconselhamento;
• Ministério Jovem;

• Ministério para as Crianças;

• Ministério de Promoção Humana;
• Ministério para as Famílias;

63

• Ministério de Música e Artes (música e dança);
• Ministério para Seminaristas;
• Ministério de Comunicação;

• Ministério das Universidades Renovadas;
• Ministério Fé e Política.

3.1.4. A RCC chega à Diocese de Penedo
A RCC na Diocese de Penedo, chegou primeiramente ao município de Arapiraca, mais

especificamente à Paróquia de São José, no bairro Alto do Cruzeiro. A cidade de Arapiraca
desde o início da RCC na diocese, foi referência da RCC para as demais cidades, a maioria de
líderes diocesanos eram e são membros de grupos de oração das paróquias de Arapiraca.

A Escola Paulo Apostolo foi a base formativa da RCC na diocese de Penedo, nela,

membros da RCC vindos de diversas paróquias, estudavam as apostilas de formação do

movimento e praticavam o que aprendiam, nos grupos de oração de suas paróquias. A Paróquia

Nossa Senhora Divina Pastora enviou carismáticos para a Escola Paulo Apóstolo e atualmente
envia para os encontros de formação diocesana que em sua maioria, são realizados em
Arapiraca.

3.1.5. A RCC chega à Paróquia Nossa Senhora Divina Pastora, em Junqueiro
A Paróquia Nossa Senhora Divina Pastora é uma paróquia centenária, tem paróquias

filhas e netas, já enviou para o seminário, jovens que se tornaram padres e até um bispo é seu
filho. Sua história conta realizações memoráveis, seus prédios relatam a história da arquitetura
que se desenvolveu no período de sua existência. É esse o berço da RCC em Junqueiro, uma
paróquia tradicional e conservadora.

Junqueiro é uma cidade do interior alagoano, localizada no centro-sul do estado e

município registrado no IBGE como parte da zona da mata alagoana, no entanto, em virtude do
desmatamento e da monocultura da cana de açúcar, climaticamente, o município está numa
zona de transição para o agreste alagoano.

64

O município recebe esse nome por causa da sua vegetação nativa, uma vez que o Junco

já foi artefato natural basilar para a economia do município antes de sua emancipação.

Atualmente tem aproximadamente vinte e quatro mil habitantes e tem como atividade
econômica central a agropecuária.

Nas imagens abaixo estão os mapas do estado de Alagoas e do município de Junqueiro,

nessa ordem.

Figura 1 Mapa do estado de Alagoas

Fonte: GOOGLE

65

Figura 2 Mapa do município de Junqueiro

Fonte: GOOGLE

Com movimentos eclesiais tradicionais e o total desconhecimento a respeito da RCC,

um movimento novo e até então pouco conhecido, como esse movimento passou a fazer parte
do grupo de movimentos da paróquia?

Com a chegada de um novo padre, que chegara a sua primeira paróquia e conhecera, em

experiências anteriores, as práticas carismáticas, o então desconhecido movimento começara a
ganhar espaço. Padre Niraldo José chegou em Junqueiro e já no primeiro ano de seu pastoreio

fundou um coral composto de jovens que o homenagearam batizando o coral de coral Padre
Niraldo, foram estes mesmos jovens que, na convivência com o novo padre, conheceram e
implantaram a RCC.

Segundo o padre, em entrevista, a RCC foi implantada para contribuir com a ação

pastoral daquela comunidade paroquial que era carente da atuação de jovens. O primeiro grupo

de oração da RCC de Junqueiro, constituído pela maioria dos membros do coral Padre Niraldo
recebeu o nome de “És Precioso”.

A RCC chegou em Junqueiro na década de 90, mais precisamente no ano de 1993. É

importante dizer que nesse princípio a atuação das pessoas envolvidas com as “práticas

carismáticas” não acontecia exatamente segundo os moldes do movimento eclesial
66

reconhecido. Tanto em Junqueiro como em outras diversas cidades, o chamado “carisma da
RCC” começava a ser vivenciado por católicos que gradativamente iam conhecendo o
movimento e procurando os meios para a atuação reconhecida e registrada do movimento.

Componentes do Coral Padre Niraldo foram enviados pelo padre a um encontro da RCC

que aconteceu no município de Arapiraca, “quando eles voltaram, falaram da novidade do
grupo de oração e do jeito diferente de rezar e ficamos motivados a conhecer mais” (Trecho de
entrevista com Marlene)

As experiências anteriores com a RCC e as iniciativas de Padre Niraldo se juntaram a

motivação dos jovens e foram importantes para a gênese da RCC na paróquia, mas isso não foi
suficiente para a implantação do movimento, pois após as primeiras reuniões, o padre e os
jovens sentiram a necessidade de buscar mais conhecimento sobre a RCC, convidaram
membros do movimento que atuavam no município de Igreja Nova e também receberam uma
contribuição de carismáticos do município de Maceió.

Além de aprenderem com as visitas vindas de outros municípios, os jovens procuraram

formação sobre a RCC, junto a sua equipe diocesana, uma vez que a equipe de lideranças da

RCC na Diocese de Penedo promovia a chamada “Escola Paulo Apóstolo”, uma espécie de
curso em que as primeiras apostilas de formação editadas pela RCC do Brasil eram estudadas
com o objetivo de formar os membros da RCC que crescia em todo o país.

As formações permitiram aos jovens, além da criação do grupo, a promoção de retiros

anuais de carnaval que reúnem centenas de participantes e é, depois do grupo de oração, a
principal forma de conhecer a RCC na paróquia situada em Junqueiro.

Como ressonância dos momentos de formação vivenciados pelos jovens do grupo de

oração És Precioso, a hierarquia da RCC na paróquia começou a se organizar. A necessidade

de um coordenador paroquial foi suprida quando Robson Nunes assumiu o cargo por meio de
indicação, tornando-se o primeiro coordenador paroquial da RCC em Junqueiro. O mesmo
atuou em toda a primeira fase da RCC em Junqueiro.

Falei em primeira fase, pois é possível perceber duas fases na história da RCC em

Junqueiro. A primeira fase aconteceu do início de suas atividades, acima relatado, até o ano

2000, quando as reuniões do Grupo És Precioso pararam de acontecer regularmente e os adeptos
67

da RCC passaram a não se reunir, o que ocasionou o afastamento de quase todos os membros
do movimento.

Nos anos de 2001 e 2002 não aconteceu Retiro de Carnaval em Junqueiro e nem existe

registro de reunião de membros da RCC ou da promoção de outros eventos. Somente em 2003

o Retiro voltou a acontecer e aconteceu em um povoado de Junqueiro chamado Palmeirinha,
também em 2003 as reuniões carismáticas voltaram a acontecer, quando em outro povoado, o
Povoado Olho D’água, um novo grupo de oração foi fundado e recebeu o nome de “Jovens com

Esperança e Otimismo no Espírito”. Portanto, a segunda fase da RCC em Junqueiro data de
2003 e se estende aos dias atuais.

Nesta segunda fase, o cargo de coordenador paroquial foi assumido, também por

indicação do padre, por Ronivon Firmino e seguidamente por Dário que só passou 3 meses no

cargo, com a saída de Dário, Ronivon reassumiu a coordenação e ficou até o ano de 2009,

quando aconteceu a primeira eleição para o cargo de coordenador da RCC em Junqueiro. Após
a eleição de 2009, Jocimar assumiu a coordenação, ficando até 2012, ano em que passou a

coordenação à nova eleita, Gilda Gabriela, a mesma coordenou o movimento até o fim de 2017,
ano em que o atual coordenador, Antônio Romualdo, assumiu.

O Grupo de Oração São Miguel Arcanjo iniciou suas atividades durante a coordenação

de Jocimar, em 2009. Segundo Jocimar, o grupo começou quando a RCC de Junqueiro percebeu
a necessidade de um grupo de oração na Matriz de Nossa Senhora Divina Pastora, uma vez que
o movimento tinha membros que frequentavam a Matriz, mas os grupos de oração aconteciam
em capelas da paróquia.

No ano de 2009 aconteceram reuniões nas casas de integrantes do grupo que começava

a se formar, também em 2009 grupo começou a se reunir na Igreja Matriz e era coordenado

por Eronildes, mas a coordenação de Eronildes, bem como a de Jocimar que o sucedeu,

aconteceu por indicação de líderes carismáticos paroquiais, uma vez que a primeira
coordenadora eleita por votação dos membros do grupo foi Serjane que coordenou o grupo

durante dois mandatos e foi subtituida pela atual coordenadora, Janeclécia, que assumiu em
2018.

68

As reuniões semanais do Grupo de Oração São Miguel acontecem, atualmente, as

segundas, a reunião do núcleo do grupo, ás terças, mas o grupo São Miguel Arcanjo, não realiza
as reuniões da perseverança.

3.2. Considerações Gerais sobre o Grupo de Oração

Os grupos de oração são o sustentáculo da RCC. O movimento pentecostal católico pode

ser verificado em uma paróquia ou diocese quando lá existe um grupo de oração, é através dele

que os fiéis carismáticos vivem sua espiritualidade e é em volta dele que se organiza todos os
processos estruturais que dão vazão à existência e continuidade da RCC.

No grupo de oração sou do ministério de música e do ministério jovem, conheci minha
namorada na juventude missionária. Quase toda noite estou na igreja, especialmente
em coisas da RCC [...] O grupo de oração mesmo, por causa dele saio na segundo que
é o dia principal, na terça que é reunião do núcleo, na quarta - às vezes é quarta e tem
semana que muda - é o ministério de música, que é quando a gente reza e pede moção
e ensaia, e tem o ministério jovem que eu sou da equipe jovem, que como já falei é
quem organiza o MJ, sim, é na quinta o encontro mas a gente marca também as
reuniões da equipe jovem que as vezes é sexta e as vezes reveza com o ministério de
música, já que eu, Jajá e Nara participamos dos dois. O grupo de oração é a base de
tudo, sem ele não tinha nem MJ nem ministério de música, simplesmente o grupo de
oração é o centro das nossas atividades na RCC e nos ajuda na nossa vida. Por que foi
através da RCC, do grupo de oração, na verdade, que eu passei a ter vida de oração
na igreja e em casa e também o grupo me ajuda em outras coisas, tipo antes eu era
tímido e isolado, agora tem os amigos, ocasiões para sair de casa, contato com Deus
que é o principal, como eu disse o G. O. é a base” (1 Trecho de entrevista Marcelo)

A RCC, desde seu início, procurou ficar próxima da estrutura da Igreja Católica, sua

expansão sempre aconteceu acompanhada pelo olhar da hierarquia católica, mas o principal
símbolo da inserção da RCC na estrutura organizacional da Igreja é a existência do Grupo de

Oração, pois o mesmo acontece em templos católicos – na maioria dos casos – na agenda
semanal das paróquias, capelas e comunidades e seus membros costumam participar da vida da
paróquia em que estão inseridos.

Segundo Gonzalez (2006, p .83), esse modo de organizar a RCC, a partir de Grupos de

Oração é resultado do Projeto Ofensiva Nacional da década de 90, que viu no grupo de oração
a possibilidade de inserir a RCC na atividade pastoral conjunta de cada diocese.

O grupo de oração se organiza em três reuniões semanais: assembleia de oração
dirigida a qualquer pessoa que deseja freqüentar esse encontro; grupo de
69

perseverança, permitido somente para fiéis que já participaram de encontros prévios
para alguns conhecimentos das práticas carismáticas, essencialmente aquelas
referentes aos dons carismáticos e por último acontece Equipe/Núcleo de
Serviço/Servos, encontro dirigido aos organizadores do grupo de oração, os chamados
servo (GONZALEZ, 2006, p. 82)

O grupo de oração é também a referência principal da RCC para outros membros da

Igreja Católica. O fiel católico não carismático enxerga no grupo de oração, o encontro da RCC,

sabe que quem vai ao Grupo de Oração tem algum vínculo com o movimento e que sem ser
próximo ao Grupo de Oração não é possível ser considerado católico carismático.

Vale lembrar que o adjetivo “carismático” no contexto da RCC, ultrapassa seu sentido

denotativo, ou seja, próprio de quem tem carisma, e ganha uma conotação indicando que

carismático é quem é membro da RCC. Desse modo, qualquer católico pode ser chamado de
carismático, caso tenha carisma, mas o sentido usual do termo no meio católico cristalizou-se

em sua conotação. Assim sempre que alguém se refere a um católico carismático a imagem que
vem à mente dos católicos é a de que o dito cujo é membro da RCC.

O Seminário de Vida no Espírito santo é a sequência de palestras e rituais que objetivam

inserir os participantes do mesmo no âmbito ritual e comunitário da RCC. Pode acontecer em

um final de semana ou em nove encontros seguidos – nove noites, por exemplo. Temas

relacionados à Igreja, à RCC são apresentados. O Seminário de Vida no Espírito costuma ser
concluído com um momento ritual de oração, através do qual os participantes recebem o
batismo no Espírito Santo.

No Seminário de Vida no Espírito Santo, os especialistas rituais (MORRIS, 2006)

sempre convidam os participantes a ingressarem no Grupo de Oração, ou não o deixarem, para
o caso dos que já frequentam. No Grupo de Oração, os especialistas rituais – aqui uso a categoria

de especialista ritual, em Morris, para me referir aos responsáveis pelos rituais carismáticos,

que costumam ser carismáticos que ocupam cargos de liderança na RCC – sugerem a
participação em um Retiro de Vida no Espírito Santo, especialmente para os frequentadores do
Grupo de Oração que não sejam batizados no Espírito santo.

A preocupação da RCC com que seus membros, ou simpatizantes, vivam a experiência

do batismo no Espírito Santo, ou seja, frequentem um Grupo de Oração ou um Seminário de
Vida no Espírito Santo, se dá pela necessidade de fortalecer e proteger o que a RCC chama de

identidade do movimento, sobre a qual já falamos no primeiro capítulo e que preza, na RCC,

pelo Batismo no Espírito Santo, a prática dos carismas e a vivência em comunidade. O terceiro
70

capítulo terá a transição de um católico para católico carismático – que inclui o Batismo no
Espírito Santo - como discussão central.

As bases de atuação da Renovação Carismática Católica estão centradas nos Grupos
de Oração e Seminários de Vida no Espírito, que se constituem nos locais destinados
aos estudos bíblicos, orações, celebrações, depoimentos de experiências de vida e
debates acerca da religiosidade e de questões pertinentes ao cotidiano de seus fiéis
(BOSCHINI, 2014, p. 45-46)

É possível ir ao Grupo de Oração e não ser carismático, mas não é possível ser

carismático sem ir ao Grupo de Oração. O Grupo de oração, bem como o Seminário de Vida

no Espírito Santo constituem o espaço próprio da transição de status de católico para católico

carismático. Todavia o Grupo ocupa lugar privilegiado numa escala de importância, pois é
possível ser carismático tendo vivido o batismo no Espírito Santo em um Seminário de Vida no
Espírito Santo e ingressando no Grupo de Oração, por outro lado é também possível ser

carismático a partir do batismo no Espírito Santo em um Grupo de Oração sem precisar ter

participado de um Seminário de Vida, como é chamado corriqueiramente o Seminário de Vida
no Espírito Santo.

Os grupos de oração estão em quase todo o Brasil, atualmente a presença dos grupos de

oração nas dioceses permite perceber que a expansão do movimento que é característica

constituinte do catolicismo brasileiro. Existem dioceses em que a RCC está em quase todas as
paróquias, comunidades e capelas (Melo, 2009, p.67).

É no grupo de oração que o ponto alto da vida carismática é experimentado: nos
grupos de oração as pessoas podem vivenciar as mais diversas formas de adoração e
louvor. E é louvar o que realmente interessa. Ali as pessoas podem cantar, pular,
extravasar as tenções, trocar calor, sentir-se importantes. Além disso, é nos grupos de
oração que todos recebem as bênçãos que Jesus lhes pode dar. (Pierucci e Prandi,
1996, p. 66)

Existe mais de um tipo de grupo de oração. Como já foi exposto, o grupo de oração

acontece em Igrejas, no período de aproximadamente duas horas e é formado por pessoas de
diversas idades, profissões, ou seja, por perfis variados de participantes. Contudo, existem

grupos de oração que se diferenciam desse modelo mais conhecido, uma vez que existem
variáveis nos padrões acima referidos.

Trago os modelos de grupos de oração com os quais me deparei durante a pesquisa, vale

dizer que em textos acadêmicos os Grupo de Oração convencionais e os Grupos de Oração

Universitários são investigados, ao tempo em que os demais são apenas citados ou nem o são,

mas todos os aqui expostos foram mencionados durante a pesquisa de campo que tem como
71

resultado escrito, este trabalho. Segue a breve apresentação de cada um dos modelos de Grupo
de Oração.

O GOU – Grupo de Oração Universitário – é o grupo de oração que costuma acontecer

nas dependências acadêmicas (universidades, faculdades, institutos, etc), em um tempo

reduzido, em relação aos outros tipos de grupos de oração, de aproximadamente trinta minutos,
cujos membros são pessoas vinculadas à academia, como universitários, professores, técnicos
educacionais e outros funcionários. Esse tipo de grupo de oração é organizado por um
ministério da RCC, o MUR – Ministério Universidades Renovadas.

É uma célula fundamental da RCC e é o coração de todas as atividades de
evangelização do MUR juntamente com o GPP. É uma comunidade universitária
católica carismática, que se encontra para louvar e bendizer a Deus, onde se cultiva a
oração, a partilha e todos os outros aspectos da vivência do Evangelho, a partir da
experiência do batismo no Espírito Santo.
O GOU é um encontro de oração, verdadeira acolhida, louvor, anúncio da Palavra,
derramamento dos dons carismáticos, vivência do perdão, de curas, enfim, um local
para que sejam experimentados o amor filial para com o PAI, a misericórdia e a
Salvação de Jesus e o consolo do Espírito Santo. É uma reunião de cristãos que têm
por objetivo louvar e bendizer a Deus, levando os participantes a uma experiência
pessoal com o Deus vivo. A oração é o principal carisma nessas reuniões e acontece
de diferentes formas, tais como: louvor, reconhecimento das graças recebidas por
Deus, oração contemplativa, oração em línguas, petição de graças e de curas (Material
de Formação 02 de Ministério Universidades Renovadas - Grupo de Oração
Universitário, p. 12-13).

O MUR também organiza e forma membros de outros dois tipos de grupo de oração, o

Grupo de Oração Escolar – GOE – e o Grupo de Oração Pré-Universitário – GOPU – ambos
com o tempo de duração e circunstâncias parecidas com as do GOU, aproximadamente trinta
minutos e em intervalos de aulas envolvendo estudantes e profissionais associados à educação.

O MUR é animador, ainda, do GPP – Grupo de Partilha de Profissionais - que não é exatamente
um tipo de grupo de oração, mas, por ser animado pelo MUR e por apresentar características
carismáticas é um grupo vinculado à RCC.

Existe ainda um outro tipo de grupo de oração, o GOJ – Grupo de Oração Jovem – que

acontece exatamente nos moldes do grupo de oração convencional, diferenciando-se apenas no
perfil de membros, pois estes são predominantemente jovens.

É importante citar ainda o Grupinho de Oração, este é um modelo de grupo de oração

voltado ao público infantil da RCC, acontece concomitantemente ao grupo de oração
convencional, o ministério para crianças da RCC se encarrega em convidar todas as crianças

que acompanham adultos ao grupo de oração convencional à participarem do grupinho que
72

costuma ter a mesma duração e acontecer em um salão ao lado ou próximo da igreja em que se
realiza a reunião semanal do grupo de oração, crianças cujos pais não frequentam a RCC
também podem participar do grupinho.

O grupo de oração convencional 21costuma ser mais estável que os demais, uma vez que

os grupos vinculados à educação vêm seus membros passando de nível educacional, os grupos
de oração jovens lidam com as mudanças próprias da juventude e os grupos de oração

convencionais configuram, com mais frequência e facilidade, o perfil comunitário que
estabelece vínculos pessoais e troca de experiências, o que favorece o surgimento e
fortalecimento da identidade carismática prevista em seus documentos e verificada na prática:

vivência em comunidade, batismo no Espírito Santo e prática dos carismas. Indico a leitura do
apêndice A deste trabalho para melhor compreensão das dinâmicas de um grupo de oração.
3.4. Organização e Hierarquia da RCC

A RCC tem uma enorme diversidade em seu grupo de membros, grupo esse que oscila

constantemente, em qualidade e quantidade, seja a nível diocesano, estadual, nacional ou
internacional. Seus membros variam em sexo, idade, profissão atividade exercida no

movimento e em outras tantas variáveis. Também o ingresso e o egresso frequentes podem ser
verificados nos grupos de oração, o que permite perceber que o número de fiéis se altera também

com frequência. É importante ressaltar que mesmo com egressos e ingressos a RCC,
quantitativamente, não para de crescer, desse modo é possível dizer que é maior o número de
pessoas que aderem ao movimento do que o número das que o deixam.

A Renovação Carismática Católica constitui-se enquanto um movimento
extremamente contemporâneo, a utilização dos meios de comunicação social como a
internet, fornece à Igreja uma expansão em seus territórios de ação e,
consequentemente, maior alcance de contato com os fiéis, assim como as alterações
nos ritos e nas formas de expressão da religiosidade aparentam conter diversos
elementos das demandas de seus frequentadores que vivenciam a modernidade sendo,
assim, capaz de responder a diversas necessidades de seus fiéis (Boschini, 2014, p.60)

Os carismáticos, em seus discursos, bem como suas apostilas de formação e seu estatuto

preconizam a existência e participação em grupos de oração, que são os grupos que estão na
O termo convencional aqui tem sido usado apenas para diferenciar o grupo de oração que acontece nas paróquias
e nos moldes mais frequentes, daqueles eu acontecem em outros ambientes, períodos ou circunstancias. Vale dize
que entre os membros da RCC, os grupos de oração são chamados pelas siglas que os identificam ou simplesmente
de grupo de oração.
73
21

base do movimento, todavia além dos “encontros” em grupos de oração, o movimento promove,
com constância, eventos em larga escala, como grandes encontros estaduais de ministérios,
retiros, seminários, cenáculos, encontros nacionais de formação, entre outros.

Nos primeiros anos a RCC organizava as atividades de seus membros junto às ações do

movimento por meio de secretarias que recebiam o nome de figuras bíblicas, como, por
exemplo a secretaria Paulo Apóstolo que tinha esse nome por ser a secretaria responsável pela

formação dos membros da RCC, uma vez que “Paulo foi um dos principais agentes formadores
do cristianismo (Melo, 2009,p.51)”.

As secretarias e projetos das décadas iniciais da RCC foram as bases da expansão do

movimento no Brasil, pois objetivavam e conseguiram, atingir diversas esferas dentro da Igreja
e da sociedade.

Atualmente a RCC não se organiza mais em secretarias, mas por “ministérios”, cuja

definição está no Regimento da RCC

Ministérios, no âmbito da Renovação Carismática Católica, são atividades
evangelizadoras que configuram um conjunto amplo de funções que se fundam no
amor e em algum outro carisma, para serem realizadas em unidade, respeitando a
variedade, na forma de um serviço bem determinado, para atender a exigências
permanentes da comunidade e da missão, de modo estável e responsável, mediante o
reconhecimento e o acolhimento da comunidade eclesial (Artigo 39 do Regimento do
Conselho Nacional da Renovação Carismática Católica no Brasil - RCC-BR)

É possível dizer que ministérios são agrupamentos de membros da RCC que se

aglutinam de acordo com seus dons ou aptidões de acordo com a necessidade de evangelizar.
A proposta do ministério é fazer com que o fiel continue nas práticas carismáticas, se
santifique e anuncie a boa-nova às outras pessoas a partir das dos ensinamentos da Igreja, da
RCC e dos ensinamentos específicos para membros dos ministérios.

Apresentar uma definição construída por mim ou trazer aquela que está explícita no

regimento da RCC é importante, mas nenhuma dessas definições ou quaisquer outras será

mais pertinente, ainda que válidas, do que definições advindas do campo. Uma interlocutora
fala de sua experiência com os chamados ministérios de intercessão e de pregação além de
definir esse primeiro.

Eu sou intercessora e faço parte do ministério de pregação, eu prego no meu grupo de
oração [...] Ser membro da renovação me fez mudar em relação a igreja por que eu
percebi a responsabilidade. Você passa a ter mais responsabilidade por passar a ser
referência para as outras pessoas e você passa a se policiar mais pra que as pessoas
74

vejam que você é o mesmo dentro e fora da igreja, no que você faz, no que você fala
[...] O ministério que a gente participa, faz isso, nos transforma um pouco, nos faz
perceber a responsabilidade. O ministério de intercessão é único, eu sentia que tinha
que rezar pelas pessoas, mas colocar isso em prática, estar e partilhar com outros
intercessores, viver a fé a partir do meu ministério é não estar parado é ser útil ao
serviço. (Trecho da entrevista com Mônica)

Depois dos grupos de oração e do Seminário de Vida no Espírito Santo - onde alguns

ministérios atuam, inclusive - os próprios ministérios são a terceira base da RCC, em suas
reuniões a dinâmica carismática se desenvolve quase que como em um grupo de oração ou em
um Seminário de Vida no Espírito Santo, os quais abordarei ainda neste capítulo.

A RCC se organiza hierarquicamente de maneira piramidal, tem um conselho

internacional, sediado em Roma, o Serviço Internacional da Renovação Carismática Católica –
International Catholic chatismatic Renewal Services (ICCRS), tem conselhos continentais,

sendo o Comitê Executivo do Conselho Carismático Católico Latino-americano (Concclat), o
conselho da América do Sul e tem ainda conselhos nacionais e estaduais. Cada um desses

organismos é responsável por acompanhar os passos da RCC de acordo com o âmbito que
representa, seja internacional, continental, nacional ou estadual, além dessa atribuição, os

conselhos se reúnem para discutir diretrizes, orar pelos seus representados, preparar eventos
nas dimensões que representam, entre outras atribuições.

A hierarquia é ainda ocupada pelas pessoas que coordenam as dioceses, as paróquia e os grupos

de oração, além dessas coordenações, a pirâmide reserva lugar para os servos dos ministérios,
para os aspirantes à RCC22 s e para aqueles que são apenas frequentadores das reuniões
semanais de um grupo de oração. Essa é a hierarquia piramidal, “supra-paroquial23”, que quer

dizer que independentemente da organização católica institucional e tradicional, o movimento

Aqui chamados de católicos que não são carismáticos, nem deixam de ser, pois são liminares e estão no “meio
do caminho (TURNER, 1974)” para serem carismáticos. São os frequentadores da perseverança ou simpatizantes
da RCC que mesmo não frequentando as reuniões de perseverança estão em estágio de transição.
23
Como nomeou o pároco da Paróquia Nossa Senhora Divina Pastora ao se referir da relação entre seu pastoreio
e o movimento RCC, no que se refere às orientações do documento 53 da CNBB.
75
22

tem decisões e orientações que emanam de sua organização reservada. Abaixo, a figura 1
contribui para e percepção de como funciona a hierarquia carismática.
Figura 3 Hierarquia da RCC

Fonte: Autor

Cada âmbito desses citados é acompanhado por um membro do clero católico. A própria

hierarquia da Igreja indica quem será o padre, bispo ou cardeal responsável pelo conselho,
comitê, nação ou estado. Estes clérigos são chamados de diretores espirituais da RCC. Quando

as paróquias e dioceses têm a RCC entre seus movimentos eclesiais, também recebem diretores
espirituais, no âmbito paroquial, o pároco exerce essa função, no âmbito diocesano, o bispo o

faz ou delega um outro sacerdote para tal exercício. A figura 2 ilustra como ocorre a escolha de
diretores espirituais da RCC, que, em linha gerais, associa as representações geográficas de
ambas as hierarquias.

76

Figura 4 Atribuições do clero católico junto ao movimento RCC

Fonte: Autor

A maioria dos cargos de liderança na RCC são distribuídos por meio de votação direta,

mas esta votação é antecedida por momentos de oração de súplica por discernimento para a
melhor escolha e seguida de uma apresentação dos resultados ao diretor espiritual que pode

aprovar o resultado, indicar outro membro para ocupar o cargo ou solicitar outra eleição, caso
julgue que o membro mais votado não seja o mais indicado ao cargo.

É importante saber que toda a hierarquia da RCC está contida na base da hierarquia

católica, ou seja, os cargos ocupados na RCC, bem como a composição de seus conselhos são
ocupados e compostos, respectivamente, por leigos, como mostra a figura 3.

77

Figura 5 Relação das hierarquias da RCC e da Igreja

Fonte: Autor

Os ministérios e cargos da RCC, são também chamados por seus membros de serviços

e existe um esforço para que o fato de alguém ser membro de ministério ou líder no movimento
não se torne privilégio ou um processo excludente para os fiéis que frequentam os encontros da
78

RCC ou que estão iniciando seus passos no movimento. O trecho que segue é a transcrição do

diário de campo que registrou um pastoreio24 diocesano da RCC acontecido na Cidade de
Arapiraca em outubro de 2016.

Minha gente, eu não sou a líder de vocês, eu sou a serva do estado, essa minha
passagem é rápida porque eu tenho outros compromissos ainda hoje, mas temos que
saber que quando um servo assume uma coordenação ele não passa a ser maior que
os outros, ele passa a ser o servo dos outros. Na RCC nós somos servos pela
evangelização. O Sandro é servo de Penedo. Todos os coordenadores aqui são servos.
É isso que o Espírito quer de nós25.

Além dos registros do diário de campo, as entrevistas realizadas são fontes que permitem

perceber o quão satisfeitos se sentem os carismáticos por “serem úteis”, por participarem dos

ministérios, por servirem nos eventos, por se sentirem parte da RCC. O serviço é um dos
principais vínculos de um fiel com a RCC.

O movimento se organiza hierarquicamente de tal modo que está associado à hierarquia

católica, mas tem autonomia em decisões que se refiram especificamente aos grupos e que não
interfiram na hierarquia da Igreja.

Os carismáticos estão inseridos na organização hierárquica piramidal católica sem nela

interferir, uma vez que esta não se pauta na organização dos movimentos, tendo em vista que a
maioria dos membros dos movimentos estão alocados apenas em uma instância hierarquia, a

instância dos leigos, sobre os quais já falei anteriormente neste trabalho. Por exemplo, um padre
carismático ocupa na hierarquia católica o mesmo lugar que ocuparia caso não o fosse – acima
do leigo e abaixo do bispo.

Pastoreios são eventos promovidos pela RCC, onde se reúnem os membros do movimento para receberem
formação e participarem de momentos de espiritualidade.
25
Fala da então coordenadora da RCC no estado de Alagoas em visita ao pastoreio diocesano da diocese de
Penedo que aconteceu em Arapiraca.
24

79

4. LIMINARIDADE NA RCC: A APLICAÇÃO DO CONCEITO NA TRANSIÇÃO DO
STATUS DE CATÓLICO PARA O STATUS DE CATÓLICO CARISMÁTICO

Você tem que viver essa mudança para ser da RCC. Isso é um projeto de Deus para cada membro. Além disso,
tem a oração em línguas, os carismas, a intimidade com o Espírito Santo de Deus, esse orar em línguas. A
transição, o receber de dons se dá a partir da intimidade com Deus, tem que se abrir ao batismo no Espírito no
grupo de oração, no retiro de carnaval, no seminário de vida, onde for, mas tem que viver isso e depois se doar.
Eu pedia a Deus o batismo, eu tentava. Eu pedia: Espírito ora em mim, me usa, me faz orar em línguas e eu
consegui e hoje ajudo quem também quer essa graça (Trecho de entrevista com Natália).

O Processo Ritual de Victor Turner (1974) é a principal referência deste último capítulo,

por sua contribuição dada à abordagem antropológica interpretativa do fenômeno religioso
(STADTLER, 2000) que Turner constrói a partir das perspectivas pós-estruturalistas e

processuais. Isso se dá porque no capítulo existe uma forte referência ao conceito de
liminaridade, que Turner (1974) discute e lapida inspirado nos estudos de rituais e ritos de

passagem de Arnold Van Gennep. Assim, foi possível não apenas o uso da noção de
liminaridade,, mas também a de communitas que passou a ser quase indissociável do conceito

de liminaridade. São essas, portanto, noções empregadas nas inferências construídas com os
dados etnográficos obtidos na pesquisa realizada junto ao Grupo de Oração São Miguel
Arcanjo.

Ainda que o Processo Ritual (TURNER, 1974) , à princípio, não aparente ter algo que

conecte suas partes, enquanto o autor escreve pontualmente sobre o ritual Ndembo ou explique
os conceitos pilares da exposição , nas entrelinhas há a ideia de anti-estrutura que vai sendo
construída de modo a ser verificada, seja pela aclaração etnográfica do ritual, seja pela
categorização dos processos.

O trabalho de Turner (1974) tanto ajuda a perceber a diferença de estágios ou a própria

transição de status entre os Ndembo, como serve de espelho para enxergar a ritualidade de

transição em diversos processos que se estabelecem em qualquer sociedade, como é o caso da
gravidez, que o próprio Turner comenta. Todavia, além do que ficou etnografado por Turner
ou das dicas diretas da utilização de sua teoria, é possível aplicar a hipótese processual

simbólica em diversas formas processuais contemporâneas, como é o caso da presente pesquisa
que enxerga na rede de classificação carismática, estágios ambíguos de uma anti-estrutura que

perpassa a estrutura social conhecida. Para Peirano (2001), O Processo Ritual é leitura indicada
80

para quem quer pesquisar ritual e religiosidade. O pensamento de Turner sobre outros
pensadores que refletiu religião exprime a importância que ele dá ao estudo da religiosidade.

A maioria desses pensadores tomou a si a implícita posição teológica de tentar
explicar, ou invalidar por meio de explicações, os fenômenos religiosos,
considerando-os produto de causas psicológicas ou sociológicas dos mais diversos, e
até conflitantes tipos, negando-lhes qualquer origem sobre-humana; mas ninguém
negou a extrema importância das crenças e práticas religiosas para a manutenção e a
transformação radical das estruturas humanas, tanto sociais quanto psíquicas
(TURNER, 1974, p.16).

Também as principais noções metodológicas de Turner (1974) orientam minha

pesquisa. De modo pontual os mecanismos que o antropólogo acessa quando quer fazer suas

exposições circulam na atenção dada à explicação dos símbolos pelos próprios interlocutores
(TURNER, 1974, p. 24), pela observação dieta dos rituais, pela investigação do sentido do

vocabulário especifico do grupo (TURNER, 1974, p. 21) e pela atenção dada aos indivíduos
que têm suas visões interiores, fazem seus julgamentos sobre os rituais dos quais participam e
neles buscam diálogo com o mundo em que vivem, seja para resolução de problemas, o que é
recorrente, seja pela significação de símbolos que são apreendidos na vivência comunitária.

A proposta básica desse capítulo é olhar para o processo desenvolvido no território e no

tempo em que um ator católico transita desse status para um outro que, sem excluir as principais

características do anterior, é inserido paulatinamente, através de prática ritual e de construção
e reconstrução de paradigmas que se desenvolvem em sua cabeça e repercutem nas ações socias
que o farão assumir o status de católico carismático. A passagem entre os status referidos e os

vínculos entre os atores que atravessam esta passagem configuram o que Turner vai chamar de
liminaridade e anti-estrutura, respectivamente.

Na RCC os membros do movimento são chamados de católicos carismáticos, sua

maioria já eram católicos e depois de conhecerem e participarem do movimento passaram a ser
identificados como católicos carismático. As pessoas que conhecem o movimento e frequentam

suas reuniões e eventos, mas ainda não são carismáticas poderão ser identificados como figuras
liminares, a relação entre os liminares e seus vínculos configuram a communitas no processo
de transição que acontece, principalmente, através de rituais como o grupo de oração e o
seminário de vida no espírito Santo, nos quais acontece o batismo no Espírito Santo, ponto alto

dos rituais carismáticos e a partir do qual os fiéis começam a declarar a mudança de suas vidas
o que os caracteriza liminares na RCC, como mostra a figura 4, que segue:

81

Figura 6 Representação das fases do processo de transição de um católico carismático

Fonte: Autor

Vale entrar numa discussão conceitual que reverbere na associação dos conceitos

discutidos com sua aplicação ou com ações sociais das quais eles são reflexos, pois é importante
compreender que os conceitos podem configurar categorias correlacionadas que só têm sentido

dentro de uma teoria. Noutras palavras, os conceitos necessitam de um contexto que será o
subsídio para sua apreensão ou aplicabilidade.

A teoria de Turner engloba a representação simbólica que se constrói nas ações sociais

conflituosas. O ritual se torna centro das investigações de Turner, pois é por meio da

religiosidade que a superação do conflito é vislumbrada pelos atores. Para Turner, a relevância
da teoria está na possibilidade de iluminar a realidade social, enquanto a experencia de campo
é o ápice de um diálogo profícuo entre a realidade social e a teoria.

Além disso, com muita frequência tendemos a descobrir que não é todo o sistema de
um teórico que promove essa iluminação, e sim suas ideias dispersas, seus insigts
retirados do contexto sistêmico e aplicados a dados dispersos. Tais ideias possuem
uma virtude própria e podem gerar novas hipóteses. Elas chegam até a demonstrar
como fatos dispersos podem estar sistematicamente interligados! Quando distribuídas
82

aleatoriamente em algum sistema lógico monstruoso, parecem passas nutritivas na
massa celular de um bolo intragável. São as intuições – e não o tecido lógico que as
interliga – que tendem a sobreviver na experiência de campo (TURNER, 2008, p. 19)

À princípio fiquei inseguro com a ideia de iluminar a religiosidade católica carismática

com a teoria de Turner, mas foi justamente um insight que tive ao associar o conteúdo das aulas

de Antropologia III, nas quais o conceito de liminaridade passou a ser conhecido por mim e
parecia desenhar o que eu ouvia de membros da RCC. Isso, que me motivou a unir a ideia de
transição e de provisoriedade que o conceito exprime com os discursos de mudança de vida
dentro do catolicismo e a partir do movimento carismático.

Essa mudança de vida apontada pelos carismáticos e que acontece pela superação de

problemas a partir das experiências de oração, foi considerada por mim como a utilização de
rituais na superação de conflitos, da qual os estudiosos do ritual falam.

Vale repetir que não se olhou para uma ideia de estrutura social engessada, nem se

excluiu a existência de uma estrutura social, mas se percebeu a ação social que existe nos
relacionamentos não estruturados que se configuram junto à estrutura. São processos subjetivos
que desenham fenômenos sociais geradores de paradigmas novos que superam paradigmas
existentes.

A importância de pesquisar a religiosidade na tentativa de investigar a sociedade sempre

foi discutida nas Ciências Sociais de modo polarizado, por essa razão vale expor um

posicionamento, inclusive porque os resultados da pesquisa junto à RCC são ressonância da
importância dada por Turner (1974) aos esforços de cientistas sociais que encontram no âmbito
religioso, seu campo.

Nas Ciências Sociais, em geral, acredito, está-se difundindo o reconhecimento de que
as crenças e práticas religiosa são “grotescas” reflexões ou expressões de
relacionamentos econômicos, políticos e sociais. Antes estão chegando a ser
consideradas como decisivos indícios para a compreensão do pensamento e do
sentimento das pessoas sobre aquelas relações, e sobre os ambientes naturais em que
operam (TURNER, 1974, p. 19).

Para o antropólogo, os rituais são capazes de revelar valores, sejam individuais ou

sociais. Por essa razão é importante observar os rituais.

Mas uma coisa é observar as pessoas executando gestos estilizados e cantando
canções enigmáticas que fazem parte da prática dos rituais, e outra é tentar alcançar a
83

adequada compreensão do que os movimentos e as palavras significam para elas
(TURNER, 1974, p. 19).

Turner averigua a associação da vida social com a prática ritual, a partir da percepção

de que, “a multiplicidade de situações de conflito está correlacionada com uma alta frequência
de execuções rituais (TURNER, 1974, p. 24)”.

No caso da RCC foi possível perceber que uma correlação entre o conflito e o ritual,

mas diferentemente da prática Ndembo, o ritual na RCC não é pensado quando uma situação
conflituosa existe, a prática ritual carismática é organizada em calendários, mas a procura pelos

rituais que são previamente pensados se dá quando o indivíduo procura superar seus conflitos

ou lidar com conflitos vividos em grupo. A complicação de trechos de entrevistas com o
interlocutor Vitor é espelho do campo nestas compreensões teóricas:

- Eu estava naquele momento da vida que é como um nó, tudo poderia tá no lugar,
mas não estava, faltava algo que eu só achei no meu batismo no Espírito Santo [...] O
meu Batismo no Espírito Santo aconteceu no final de um seminário de vida, quem
tava pregando era o Alex de Arapiraca, eu tava ajoelhado e uma música alta tocava
durante o momento da oração do Alex e todo mundo que já tinha passado pela efusão
no espírito Santo estava orando em línguas e eu rezava intensamente e chorava quando
comecei a perceber que estava falando em línguas também, mas eu não sabia que
palavras eram aquelas. Foi aí que o Alex disse: Pessoas estão sendo batizadas no
Espírito, tem gente orando em línguas pela primeira vez. Quando eu ouvi isso repousei
no espírito, eu sabia o que estava acontecendo, mas parecia que eu tava em outro lugar,
sabe? Ali deitado, ouvindo a oração, mas como se as vozes estivessem lá longe, eu só
sentia uma paz e uma vontade de me renovar, quando retornei do repouso a oração já
estava mais calma, a música era uma bem calminha e eu sabia que tudo tinha mudado
em mim [...] Como eu já orava em línguas eu participei do grupo de oração de outro
jeito, sabe? Mais intenso! Aí eu fiquei mais frequente e ajudava no que precisava até
que fui convidado para um pastoreio da RCC em Arapiraca e me pediram pra
particicar de um whorkshop do ministério de pregação, eu não entendi, por que eu não
era do ministério de pregação, mas a coordenadora do grupo de oração fez isso porque
queria que eu recebesse formação de como pregar e me convidou pro ministério. Eu
logo comprei o livro “RCC Responde” do ministério de pregação e comecei a ler, e
não parei mais de ir para os momentos e encontros de formação da RCC. [...]. Eu
comecei a servir no grupo de oração e é maravilhoso. Eu sempre via que o povo da
RCC era intenso na oração, que tiha algo diferente e hoje eu sei que é a vida em
pentecostes [...]eu amo ser carismático! [...] As pregações dos grupos de oração, dos
retiros e a minha mudança de vida me ajudaram com meus problemas do dia-a-dia.
Os problemas nunca acabam, mas uma pessoa de oração vive diferente e tem
maturidade espiritual para superar as dificuldades (Fala de Vitor)

É necessário um olhar antropológico para perceber os rituais no cotidiano dos grupos e

não apenas no culto religioso. A pesquisa antropológica segue uma lógica atemporal que se

reconstrói com a contribuição de paradigmas alternativos. Também minhas perspectivas
84

seguem a perspectiva de Weber quando o mesmo vai falar sobre a necessidade de se apoiar nos
precursores.

Na inercia do pensamento que é desenvolvido aqui esteve a contribuição de Gennep

(1908) e de Evans-Pritchard além da clássica contribuição de Malinowski. A Antropologia
brasileira que tem o ritual no seu arcabouço também segue esse caminho teórico, é necessário

citar Peirano(2001), Maggie (2001) e, claro, Damatta (1979). Especialmente quando vêm,
como proponho aqui, vê a relação do ritual com o corriqueiro.

O conceito de liminaridade quer expressar a subjetividade que existe no meio, a

instância transitória que está entre o estágio estabelecido incipiente e o estágio estabelecido
final. É comum ver associação do termo liminar com o tempo e isso não está totalmente errado,
mas a liminaridade não pode ser reduzida a temporalidade, pois liminar pode ser um período,
um ator ou uma instancia atemporal que configura a passagem de status.

Liminaridade é a passagem entre “status” e o estado cultural que foram
cognoscitivamente definidos e logicamente articulados. Passagens liminares e
liminares (pessoas em passagem) não estão aqui nem lá, são um grau intermediário.
Tais fazes e pessoas podem ser muito criativas em sua libertação dos controles
estruturais, ou podem ser consideradas perigosas do ponto de vista da manutenção da
ordem (TURNER, 1974, p. 5).

Nos grupos de oração da RCC existe um grupo de liminares, pessoas que não dizem que

não são carismáticas nem que o são, pois frequentam os eventos do movimento, praticam alguns
carismas, mas ainda não se identificam ou não são vistos como católicos carismáticos, ainda
que sejam católicos e tenham algum vínculo com a RCC.

Como já foi dito, um grupo de oração deve ter três momentos de encontro: reunião

semanal, aberta à carismáticos e não carismáticos, a reunião de perseverança, para aqueles que

estão se aproximando da RCC, mas ainda não servem em ministérios e a reunião de núcleo que

é destino daqueles que são servos nos ministérios da RCC. A pesquisa permitiu perceber que
os participantes das reuniões de perseverança de grupos de oração seriam liminares em
potencial.

Todavia, o grupo de oração que pesquisei, no período de minha inserção em campo, não

promovia as reuniões de perseverança, por essa razão encontrei figuras liminares durante as

reuniões semanais e me utilizei da técnica de história de vida para investigar a passagem de
85

católicos já carismáticos para tal estágio. Em suma, dialoguei com liminares e pessoas que já
haviam sido liminares.

Devo dizer que o fato de não ter lidado com as reuniões de perseverança não deixou

lacuna no trabalho - ainda que o mesmo tenha lacunas – decerto que a investigação sobre a

passagem de status aconteceu. Uma lacuna não ficou, mas essa questão propôs uma hipótese
para uma possível pesquisa futura junto à participantes de reuniões de perseverança, os quais
poderiam configurar o que Turner chama de communitas, pois “A ‘communitas’ é um

relacionamento não-estruturado que muitas vezes se desenvolve entre liminares (Turner, 1974,
p.5)”.

Investigando a RCC percebi no batismo no Espírito Santo e na inserção em ministérios

do movimento o ápice liminar de um católico que será carismático: sua frequência em encontros
carismáticos, a procura pela superação de problemas, a vontade de fugir do pecado e de se
aproximar de Deus. Nos discursos dos interlocutores que transcrevo a seguir, é possível

perceber que a mudança de vida iniciada no ritual é característica liminar, bem como o trabalho
prestado ao movimento RCC, como foi visto no caso de Vitor, cujos recortes das falas foram

trazidos nas páginas anteriores. As histórias dos três interlocutores apresentados serão, ainda

que com cortes, descritas com alguns detalhes, ao tempo em que às histórias dos outros

interlocutores não serão descritas, mas serão trazidos recortes de suas falas que receberão
atenção especialmente nos momentos em que suas transições aconteceram, de católicos para
católicos carismáticos. Os três interlocutores são Natália, Marcelo e Mônica26.

É importante memorar que este trabalho é resultado de uma pesquisa qualitativa, por

essa razão existe a preocupação de trazer recortes de algumas histórias de vida, ao tempo em
que se esclarece a impossibilidade de expor todas as histórias registradas na pesquisa bem como

suas versões completas, posto que esse resultado escrito ficaria demasiado extenso e que os
momentos de todas as histórias – pertinentes à pesquisa – foram ou serão expostos.

A primeira interlocutora cuja história é trazida é Natália de 42 anos, batizada na Igreja

Católica, crismada, e casada, também na Igreja, por inferência sabe-se que ela também passou

26

As identidades – nomes- são fictícias.

86

pelos sacramentos da comunhão e da reconciliação da Igreja Católica. Além de ser membro da
RCC participa de outros movimentos da igreja, tem um casal de filhos e é comerciante.

- Até onde eu sei da minha história, nasci em são Miguel dos campos, em seguida fui
morar em Teotônio Vilela, numa fazenda chamada Rocheira, depois passei a morar
na cidade de Teotônio. Meu pai trabalhava na guaxuma, lá nos estabelecemos, mas 5
anos depois meus pais se separaram, cresci e passei a infância e adolescência em
Teotônio Vilela, depois que me casei vim morar em Junqueiro e constitui minha
família (Fala da interlocutora Natália)

Natália comenta que a RCC é um sustentáculo para sua família: - “eles – os filhos e

marido – não frequentam muito, mas é a minha oração e minha doação ao grupo – grupo de
oração São Miguel Arcanjo – que me ajudam a lutar para que minha família não acabe como a

de meus pais”. As marcas da infância de Natália, como a separação dos pais é um dos males
que ela quer evitar para sua atual família através dos rituais carismáticos de se seu serviço ao
movimento.

- Em Teotônio eu estudava na escola que meu sogro criou, antes eu estudei num
educandário, depois é que fui pra essa outra escola, foi a melhor época, minhas tias
eram professoras e uma era a diretora, a gente cantava o hino na frente da escola, tenho
lembranças vivas da minha escola, também por que nessa época era escola e Igreja.
Nessa época Teotônio pertencia ao município de Junqueiro, tudo de lá era resolvido
aqui, até coisa de Igreja como batistério e documento (Fala da interlocutora Natália).

É possível verificar o catolicismo de Natália em todas as fases de sua vida que foram

descritas por ela.

- Tive uma juventude sadia, em que as pessoas brincavam, a gente era inocente, era
outra juventude, era muito bom, era uma juventude sadia. Eu digo aos meus filhos,
que eles não vivem como eu vivi, porque hoje é diferente. Vivi muita coisa boa,
lembro que meu casamento marcou, foi algo muito novo, a fase adulta foi o tempo da
responsabilidade. Pude compreender que devo cuidar do meu marido, dos meus filhos,
da minha casa, dos detalhes, essa transição foi difícil, mas foi muito boa. Passei quase
10 anos em Junqueiro sem conhecer quase ninguém, só com a família do meu esposo.
Eu tinha muita união com minha família em Teotônio, e eu senti essa mudança, mas
essa adaptação foi necessária. Além das casas de familiares do meu lado e do dele eu
só ia à Igreja (Fala da interlocutora Natália).

Natália sempre pontua sua frequência à Igreja, sua pertença ao catolicismo. Seu discurso

demonstra que ser católica para ela é algo importante. Nada obstante, quando se refere ao seu

ingresso na RCC, sua religiosidade recebe maior atenção que aquela dada as descrições de sua
vivência de fé anteriores à RCC em sua vida.

- Com o passar do tempo, com os dez anos eu conheci a renovação – RCC - daqui,
participava da igreja, mas não era aquela coisa definitiva, era só participante mesmo,
como todo católico que vai à missa, mas quando eu conheci a renovação foi diferente.
Eu vivi a RCC ainda em Teotônio, mas pouco, quando resolvi me aproximar em
87

Junqueiro, eu via o pessoal da renovação e perguntava, onde é o encontro de
renovação? Não diziam bem: é no mutirão! Acabou! É no olho d’água... Foi então que
realmente foi fundado o grupo de oração na igreja Nossa Senhora Aparecida, quando
foi criada a igreja lá em cima, ai eu comecei a participar desse grupo de oração , mas
antes eu já participava, minha história de igreja vem de antes, e então eu fui
conhecendo as pessoas, fazendo amizades com as pessoas, e hoje estou conhecida e
aceita na comunidade aqui de Junqueiro. A RCC não me ajudou só na vida pessoal a
lidar com os problemas, meu batismo no Espírito Santo também me ajudou a fazer
parte do grupo daqui, eu fui mais aceita. Você sabe como é isso. A gente ora em língua
como os outros, os assuntos são os mesmos, a gente encontra amigo para partilhar.
Esse momento de aproximação da RCC significou muito pra mim, principalmente por
essa aceitação, já que eu vinha de oura cidade. Mesmo eu já tendo conhecido a RCC
em Teotônio e em Coruripe, servir à RCC foi outra coisa. Foi diferente (Fala da
interlocutora Natália).

Nesse trecho da fala de Natália sua fase liminar é descrita. Nesse momento ela se

aproximava da RCC, começava a reviver os carismas vividos na cidade onde anteriormente
morara e a criar vínculos. Não poderia ser chamada de católica não carismática nem de católica
carismática. Nitidamente se pode perceber o trânsito que se dá com o ritual do batismo no
Espírito Santo e com o serviço aos ministérios.

-Fui auxiliar de enfermagem, quando casei, trabalhei como atendente na casa lotérica,
trabalhei na prefeitura, fiz até o quarto ano de direito, mas não me identifiquei e parei,
porque tinha os meninos, a casa e eu não tinha tempo pra me dedicar. Como eu não
morava em Arapiraca ficava difícil pra mim [...]A minha história com a igreja católica
começou a partir dos meus 8 anos de idade. Em Teotônio tinha uma igreja que caiu
com a chuva, nessa época as celebrações eram feitas em um cabana de bambu e lá
acontecia encontros. Minha tia era enfrentante, ela ensinava o antigo testamento e eu
sempre ia, eram bancos da igreja e cadeiras doadas. Então na minha infância eu ia a
igreja com minha tia, e a RCC, eu conheci em meados de 93. Nem tinha RCC em
Teotônio, iam carros pra Coruripe porque lá aconteciam encontros. Depois aconteceu
um encontro em Teotônio, acontecia em uma escola e na igreja que já tinha, a nova.
Daí em diante já foi firmado a RCC em Teotônio. Isso foi por volta de 94, que foi com
o Aldo, com o Alex, com a Jô e com a Carmelita, todos de Arapiraca. Na verdade, o
povo de Arapiraca de difundiu a RCC por aqui. Quem vivia na RCC era diferente, era
um católico de mais oração, de não perder a missa, de caridade de tudo. Essa vida
mais intensa eu não tive quando era de Teotônio, foi mais quando cheguei aqui, lá eu
via isso nas minhas tias (Fala da interlocutora Natália).

O católico carismático além de ser membro do movimento RCC e de ter práticas rituais
que outros católicos não têm, segundo a maioria dos interlocutores, vive com mais intensidade
o catolicismo. Esse dado contribui na compreensão de que existem os estágios: católico não
carismático, católico que não é carismático nem não carismático (o liminar) e católico
carismático.
- Com 15 anos eu me aproximei da RCC, com 16 eu comecei a participar do ministério
de comunicação que é o ministério de acolhida, porque o ministério de comunicação
hoje é oura coisa. Mas nessa época eu não pregava nem orava em línguas ainda. Pra
dizer assim: sou mesmo de e um ministério e vivo os carismas e conduzo momentos
de oração e até momentos de batismo no Espírito, demorou, porque eu tive que
aprender, que viver o meu próprio batismo que ser aceita. Foi desde a juventude em
88

Teotônio até quando comecei a servir aqui em Junqueiro (Fala da interlocutora
Natália).

A mudança de status de Natália aconteceu durante anos. É possível perceber em sua

história de vida que existem fases de sua religiosidade e que a fase liminar demorou

aproximadamente uma década. Aqui vale dizer que o liminar em Turner está mais ligado ao
processo ritual (TURNER 1974), mas não exclui o processo social (TURNER 2008, p. 156).

Natália fala de sua atuação em outros movimentos, como a Pastoral da criança. Fala

ainda de outras áreas de sua vida como família e trabalho, todavia priorizei trazer os recortes
pertinentes à investigação aqui proposta.

- Quando eu me casei que entrei na renovação aqui em Junqueiro, que foi em 2005
que eu me efetivei aqui, fui primeiramente chamada por Deus pra participar do
ministério de intercessão no grupo do mutirão, então quando foi criado o grupo aqui
da matriz, eu vim pra cá pra fazer parte do grupo daqui, em seguida o nosso
coordenador saiu da coordenação e o jocimar assumiu nessa época, depois houve a
eleição e eu nem sabia que meu nome ia, e me disseram que meu nome ia, mas eu
nem liguei muito porque sabia que tinha gente mais experiente e que o povo não ia
dar crédito pra uma que tinha chegado um dia desses, mas resultado: fui surpreendida
por Deus, pois recebi vários votos e eu fui eleita, sou coordenadora a 5 anos. Eu fiquei
como coordenadora, atualmente sou também membro do ministério de pregação (Fala
da interlocutora Natália).

O trecho que transcrevo a seguir é autoexplicativo no que se refere à transição aqui

discutida.

- A RCC é muito importante na minha vida, não me vejo fora dela, é a minha base,
não me vejo sem esse movimento do Espirito Santo de Deus, me identifico, consigo
ter contato e me identificar totalmente com a RCC. Se a RCC acabasse, meu coração
ficaria em pedaços, continuo na igreja que é o principal, mas amo a RCC e não sei
mais ser católica só de missa aos domingos como era antes. Dedico dois dias da
semana à RCC. Sou membro efetiva. O católico carismático é realmente praticante, é
ação e oração, é pregar o evangelho como Jesus mandou, não me vejo só sentada num
banco, me vejo olhando as pessoas, orientando, pregando, é se doar. É ter intimidade
com Deus e se fazer instrumento e se doar para as pessoas. Muita coisa mudou na
minha vida, é uma mudança, é uma transição. Foi dedicação, quando eu dei o sim eu
fiz renúncias e hoje sou católica praticante por ser RCC. A gente tem hábitos que a
gente deixa, a gente agrega novas coisas. O carismático, vive os sacramentos, reza
sempre, oração pessoal, comunhão com Deus e a Igreja, a gente tem uma vida regrada,
não uma vida de padre, mas a gente tem nosso modo de ser e um proposito dentro do
movimento. Você tem que viver essa mudança para ser da RCC. Isso é um projeto de
Deus para cada membro. Além disso, tem a oração em línguas, os carismas, a
intimidade com o Espírito Santo de Deus, esse orar em línguas. A transição, o receber
de dons se dá a partir da intimidade com Deus, tem que se abrir ao batismo no Espírito
no grupo de oração, no retiro de carnaval, no seminário de vida, onde for, mas tem
que viver isso e depois se doar. Eu pedia a Deus o batismo, eu tentava. Eu pedia:
Espírito ora em mim, me usa, me faz orar em línguas e eu consegui e hoje ajudo quem
também quer essa graça (Fala da interlocutora Natália).
89

A segunda interlocutora é Mônica de 35 anos, católica, crismada, solteira e envolvida

em diversos outros movimentos católicos, além de sua participação na RCC.

-Eu nasci a 35 anos atrás, na cidade de Maceió, mas meus pais moravam em viçosa,
mas depois do meu nascimento, voltei para a cidade para a cidade que meus pais
moravam e com seis anos de idade viemos morar aqui em Junqueiro. Meu pai é
servidor público federal, a minha mãe é autônoma, tenho mais dois irmãos. Um mais
novo e um do meio, eu sou a mais velha, no caso. Um terminou arquitetura, o outro
está terminando radiologia superior e eu sou assistente social. Desde que viemos
morar aqui em Junqueiro, a nossa vida foi praticamente toda aqui, tanto de escola,
quanto de amizades, de trabalho, então nossa vida foi toda na cidade de Junqueiro,
mas com possibilidade de sairmos daqui um ano para morarmos em Maceió. Eu
trabalho no hospital municipal e no CAPS. Fiz faculdade em Maceió na UFAL. Há
seis anos eu voltei pata a Igreja católica aqui em Junqueiro, começando a participar
da RCC. Hoje eu tenho caminhada de RCC, também faço parte da Juventude
Missionária e também sou Ministra extraordinária da comunhão eucarística (Fala da
interlocutora Mônica).

Mônica se considera católica desde a infância, mas declara que sua fé ficou realmente

viva quando conheceu a RCC, pois antes era “católica de nome”.

- Embora eu não tenha muita lembrança da minha infância, o que eu consigo lembrar
é que eu gostava muito de assistir desenho. E eu não tinha muitos amigos como até
hoje, eu nunca fui de ter muitos amigos, brincava mais com meus irmãos, tive uma
infância tranquila. Gostava muito de desenhar, desde a infância, sempre tirei notas
boas. Eu tive realmente uma infância, por que hoje as crianças ficam adultas muito
cedo, porque eu brincava, convivia com os colegas, aprendia a respeitar, de não
responder, de chamar de senhor, de senhora. Eram brincadeiras simples, porque na
época não tinha celular nem tablet [...] Eu sempre fui tímida, eu era mais em casa e na
escola. Eu sempre ficava reservada, não participei de nada de grupos de interação,
teatro... incentivo a cultura. A gente só participava dos desfiles cívicos. Sabíamos o
hino nacional e de Alagoas. Na minha adolescência aconteceu o que acho que
acontece com todas as meninas. Aquela fase de dúvidas. O que eu vou fazer. Como
vai ser agora?. Vem a questão de começar a paquera, querer namorar e pra mim isso
sempre foi complicado porque meus pais sempre pegaram no meu pé em relação a
namora, para que eu começasse a namorar na hora certa. As minhas amigas sempre
foram mais avançadas, mas eu como tinha essa educação mais rígidas, demorei mais
a namorar e eu ficava chateada com isso. Nem todo filme eu podia assistir. Mas depois
eu entendi toda a preocupação dos meus pais. Em relação a estudo eu nunca tive
problemas. Estudei até a oitava série em Junqueiro, fiz o ensino médio em Arapiraca
e a faculdade em Maceió. Nunca fui de fazer muitos amigos e cheguei a me sentir
muito só na adolescência. E como queria namorar e minha mãe anão deixava, me senti
só. (Fala da interlocutora Mônica).

O sentimento de solidão está expresso nas falas de Mônica que se referem à sua infância, à sua
adolescência e à sua juventude.

- Até a oitava série eu já comecei a me soltar mais, porque as pessoas com quem eu
convivia eram mais maduras, os professores eram muito presentes, no sentido de
serem professores, mas ultrapassar a sala de aula, existia uma relação de carinho e de
proximidade e isso me ajudou na questão de timidez. E quando em fui estudar em
Arapiraca eu me soltei mais, até pela necessidade de me virar e está cortando o cordão
umbilical com meus pais, Apesar de eu voltar para casa todo dia depois da aula. Assim
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que terminou o ensino médio, fiz vestibular, aos 18 anos, passei e fui morar em
Maceió. Esse foi o divisor de águas na minha vida. Eu me vi sozinha e tive que
aprender a me virar por que não tinha mais pai e mãe. Fui morar com uma tia e o que
ela me disse marcou bastante: Aprenda a se virar porque eu não vou estar saindo com
você para resolver suas coisas. Nessa fase comecei a viver coisas que eu gostaria:
participar de eventos, viagens, congressos da faculdade, conhecer outros estados,
conhecer pessoas de outros cursos. Essa transição da juventude para a vida adulta foi
o ápice da minha vida, pois tudo que eu sou se deve a essa transição(Fala da
interlocutora Mônica).

Vale prestar atenção à ênfase que a interlocutora dá às suas experiências negativas e a

associação que ela faz entre o fim dessas experiências e o contato com a RCC.

- Eu detestava Junqueiro, eu não suportava. Depois que eu tive a vivência de capital e
de tudo que uma cidade grande poderia me proporcionar eu não desejava voltar pra
Junqueiro, tanto que eu quando terminei a faculdade passei a trabalhar em Junqueiro,
mas preferia ir e voltar para Maceió, inclusive porque eu trabalhava apenas alguns
dias da semana, mas depois de alguns anos, por causa do meu retorno pra igreja, eu
precisei estar mais tempo em Junqueiro, porque eu comecei a servir a igreja em
Junqueiro, por isso eu retornei para a casa dos meus pais, eu precisava passar mais
tempo na cidade e o Senhor trabalhou muito, em relação a isso, em mim, por que eu
não suportava, eu praticamente ficava em depressão quando eu passava 15 dias em
Junqueiro, e esse meu retorno foi algo que precisou ser trabalhado aos poucos, sem
pressão. Precisou de um dedo de Deus pra que aquela raiva que eu sentia por estar no
interior e de não ter nada pra fazer, fosse se transformando em cuidado, não em amor,
mas em cuidado pela cidade, pelas pessoas daqui. Eu pude conhecer também pessoas
novas, porque até então eu não tinha vínculos de amizade em Junqueiro e com esse
meu retorno. Eu conheci pessoas, porque as que eu conhecia da infância estavam
casadas e eu não mais convivia com elas e isso foi me ajudando nesse processo de não
sentir mais aquela angustia, porque eu não conseguia passar 15 dias ou um mês, e hoje
eu posso dizer que eu moro em Junqueiro. O fato de ter conhecido a RCC e ter criado
vínculos e responsabilidades foi o segundo divisor de águas em minha vida. A fé foi
mais forte que a minha vontade de estar na capital, foi principalmente na RCC que
vivi essa mudança, pois a católica que eu era antes não deixaria a vida da cidade
grande pra servir em Junqueiro, só o batismo no Espirito Santo pode mudar vidas(Fala
da interlocutora Mônica).

Declarações como estas de Mônica não só ilustram a transição sobre a qual, sem cessar,

tenho falado aqui, mas a descrevem. Todos os interlocutores em um dos momentos, em uma

das entrevistas ou até em uma conversa informal deixou escapar uma fala sobre sua mudança
de vida com a RCC, mas os três interlocutores que selecionei para a descrição da história

possibilitam uma compreensão mais panorâmica, os exemplos de aceitação de Natália, por parte
de sua comunidade e da decisão de mudar de cidade de Mônica se referem principalmente ao

momento pós mudança, ao período como já carismáticas. O que nos interessa é entender que
esses “pontos finais” precisaram de um caminho para acontecer.

- Ser católico segundo a Igreja católica apostólica romana é você ser batizado na igreja
e viver essa fé respeitando a doutrina, os preceitos, as leis, os mandamentos, pra Igreja
ser católico é isso. Aceitar, viver e professar a fé. E pra mim é justamente pegar isso
91

que a igreja ensina e viver, antes de começar a fazer parte da RCC eu acreditava que
ser batizada era suficiente. E hoje eu entendo que isso não basta, entendi que não devo
apenas ser batizada, mas devo viver esse batismo que o senhor me deu. E viver como?
Viver para o outro, ser católico é isso viver a fé e viver em fraternidade [...] Sobre
minha inserção a Igreja, não como batizada, mas como membro ativo. Lembro que fiz
a primeira comunhão, fiz a crisma, lembro muito pouco que ia a igreja com minha
mãe, ela não participava frequentemente, mas quando ela ou meu pai ia, eu ia. Na
adolescência eu ia com a minha mãe ou com colegas. Já na adolescência eu conheci a
renovação carismática, participei por 3 anos de retiro de carnaval, participei de retiros,
de vigílias, como foi antes da faculdade eu tinha uns 15 ou 16 anos, após a faculdade
eu ainda frequentei por um ano e depois disso eu acabei me afastado, mas eu também
eu não era frequente, após minha ida pra Maceió, um dois anos depois que comecei a
faculdade, me afastei bastante da igreja, passei uns 5 anos sem saber o que era uma
missa, comunhão, confissão, louvor, com um ano de término da faculdade foi que
voltei pra igreja através da renovação. Isso aconteceu através de um convite de uma
amiga para o grupo de oração, a partir de então eu retomei minha caminhada na igreja,
mas de uma forma diferente, com uma maturidade maior e uma vontade de conhecer
e viver a igreja (Fala da interlocutora Mônica).

A RCC é um movimento católico e por essa razão não é estranho que um católico não

carismático frequente seus eventos, mas em discursos como esse de Mônica, fica nítido que

existe a diferença de um católico que frequenta, como ela na adolescência, para um católico
carismático, o que ela viria a se tornar após o término da faculdade.

- Foi por conta de um relacionamento que não deu certo que eu decidi ter uma vida
diferente e eu acredito que o senhor já esperava essa decisão por que ele não me
deixou nem pensar muito. De 2010 a0 2011 quando acabou esse relacionamento e
me destruiu por completo, o que eu tinha de sonhos e planos acabou sendo destruído,
mas foi preciso que isso acontecesse pra uma vida nova começar, foi nesse momento
que eu recebi o convite e comecei, antes de começar a frequentar a igreja eu comecei
uma vivencia pessoal com Deus, através de músicas, pregações na canção nova e
com a palavra de Deus. Eram choros e conversas interináveis com deus e o desejo
de viver o novo que eu não sabia o que era. Uma vez antes da missa eu fui a igreja,
lá em Maceió e fiz a minha confissão pessoal com Deus e falei tudo que eu não tinha
falado. Eu disse a Deus que estava renascendo, depois disso eu entrei na renovação
procurei um padre para me confessar. Contei tudo, desde a minha infância, tudo que
eu tinha passado, que eu tinha escutado. Foi assim que começou a minha caminhada.
Eu não costumo dizer que a minha vivência de fé se deu só pela renovação
carismática, por que antes de entrar na igreja eu vivi um momento íntimo com Deus,
mas minha prática católica, sim. A renovação veio para ser o meu sustento, digamos
assim. Depois na renovação eu pude ter coisas que até então eu não tinha na minha
vida adulta, como amigos, foi a primeira coisa que a renovação e deu, amigos,
amigos que tenho até hoje, que a gente divide a vida, partilha, então foi o primeiro
presente, a primeira graça que a renovação me deu, e depois foi esse sustento da fé
que já vinha buscando antes, a renovação, ela me norteou, ela me ajudou a conhecer
mais a minha igreja, ater mais curiosidade, a ter mais sede de conhecer a minha
igreja, a sua história, de conhecer o movimento, de conhecer sua história, de como
a renovação trabalhava. Eu tive essa oportunidade de descobrir o que Deus tinha
preparado pra mim, sobre o meu sérvio, ao qual eu fui chamada, o que Deus
preparou pra mim desde quando eu nasci é que pra mim apesar de eu também pregar,
o dom que Deus me deu da intercessão que não foi algo de quando eu entrei na
igreja, mas foi algo de desde o meu batismo, eu só não sabia que era isso, mas a
renovação me ajudou a descobrir, a entender essa graça que o senhor já tinha
preparado desde o meu nascimento e até hoje ela é meu sustento, eu até participo de
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outros grupos, conheço outros movimentos no sentido de acompanhar em alguns
momentos, mas a renovação ela é um pedacinho de mim, boa parte da minha
história, boa parte da minha história de igreja, se não a maior parte, foi dentro da
renovação, até hoje ela me ajuda, é o meu sustento. Existe uma Mônica antes da
renovação e uma outra mônica depois da RCC. Eu me considero membro da
Renovação Carismática por viver a história da renovação a cada dia, de um novo
pentecostes, por que eu sirvo a renovação por que eu estou no grupo de oração a
cada semana, por que eu cresço junto com o grupo, caminhando com os meus
irmãos, colegas de grupo de oração, vivo um estilo de oração único e verdadeiro
(Fala da interlocutora Mônica).

Aqui uma hipótese minha é reforçada, os rituais carismáticos não são preparados

segundo a demanda dos fiéis, mas eles são programados e os fieis procuram segundo sua

necessidade. No caso de Mônica, além da mudança de cidade turbulenta, o fim do
relacionamento configura um infortúnio cujo ritual é a resolução em potencial.

Procurei, nas entrevistas com os interlocutores de história de vida, deixar o assunto da

transição para a última entrevista com cada interlocutor, esperando para perceber se antes disso

eles mesmos, espontaneamente, falariam ou não de sua mudança de vida por meio da RCC. A
maioria tocava no assunto na primeira conversa. O assunto batismo no Espírito Santo é quase

invariável nas conversas com carismáticos, esse assunto é recorrente, sua consequência, a
mudança de vida, também é. Perguntada sobre sua transição, Mônica responde.

- Não sei se consigo encontrar palavras pra descrever minha transição de católico para
católico carismático, mas eu acredito que daria pra traduzir em uma frase de são Paulo:
já não sou mais eu que vivo, mas cristo que vive em mim. É difícil pontuar algo
específico, por que o meu começo de caminhada foi dentro da renovação, na verdade
é aí que está, uma mudança aconteceu por que é como se antes eu fosse uma católica
diferente da que eu sou hoje, é como se eu contasse mesmo de depois que eu conheci
a RCC. Eu me senti parte da renovação no dia eu recebi o chamado a ser intercessora,
não por causa do serviço, simplesmente, mas foi como uma resposta de Deus pra uma
oração que eu tinha feito. Como eu vinha num processo de conversão, conversão a
gente tem até o final da nossa vida, mas no início da minha conversão eu pedia
respostas ao senhor e eu sentia necessidade de saber se Deus tinha me perdoado por
tudo que eu tinha feito e pelas vezes que eu tinha me afastado dele, e em uma semana
eu fiz o pedido em oração pra participar da intercessão, mas eu tinha decidido não
pedir pra participar, mas esperar a resposta de Deus e nessa semana eu recebi o convite
dentro do grupo, num dos encontros do grupo e pra mim foi realmente Deus dizer: Eu
estou aqui e se você sente a necessidade de ouvir, eu vou dizer, eu digo, eu estou aqui
eu ouvi a sua oração como a todas as outras e eu te amo, foi a partir desse momento
que eu entendi que eu não estava ali só pra mim, só pra me curar ou só pra me libertar
de tudo que eu já tinha vivido, a partir daquele momento eu estava ali para a igreja, a
partir dali eu me senti realmente membro da renovação, foi esse encontro pessoal com
Deus, possibilitado pela efusão do Espírito que me fez ser RCC de verdade [...] Sim!
A renovação tem os carismas, ela trabalha com carismas específicos que são dados
pelo espirito santo, como a oração em línguas, que são os dons de língua de milagres,
esse é o grande diferencial da renovação. A oração em línguas a gente não vê em
outros movimentos, é algo específico de quem é carismático [...] Esses carismas já
existiam antes de eu ser chamada ao serviço, não precisa ser servo da renovação para
93

ter o dom de línguas, por exemplo. É claro que com a prática de dons e servindo você
se torna membro, mas eu vejo gente servindo sem ter os carismas e eu tinha os
carismas por causa da minha experiência aos 15 anos e não servia. É um caminho que
a gente faz até ser membro da RCC e servir e poder assumir cargo. A intercepção
mesmo que continuei quando eu deixei de participar do movimento no início, quando
era nova, o dom da intercepção não vai ser me tirado porque não é a renovação, o dom
é dado por Deus. Eu tenho esse dom desde nova quando eu intercedia pela minha
família, mas eu só descobri o que era e amadurei depois da RCC que me ajudou a
servir aos outros com o dom (Fala da interlocutora Mônica).

Mônica foi a interlocutora com a qual eu mais me encontrei, além das perguntas que eu

lhe fazia, ela sentia curiosidade de perguntar sobre a minha pesquisa. Suponho que o fato de ela

ter sido acadêmica a tenha instigado a entender qual a proposta da minha etnografia. Posso
afirmar que isso foi benéfico ao trabalho, pois ela procurou colaborar de maneira clara com

meus questionamentos e talvez suas respostas sejam as que mais me ajudaram a entender o que,
afinal, acontece quando um católico não é carismático nem não carismático, sua contribuição
foi crucial para a compreensão dos processos e rituais que estão nessa fase liminar.

O terceiro interlocutor, chamado Marcelo, declarou ter 15 anos durante o período de

entrevistas, tinha uma namorada e cursava o ensino médio. Ele mora com os pais, é batizado,
crismado e é recém-chegado à RCC.

- Nasci em Arapiraca em 2001, aos 5 anos me mudei para Junqueiro, não tinha muitos
amigos, sempre estudei em escola particular e os meninos da rua não eram das mesmas
escolas, gosto de futebol, aos 13 anos entrei no grupo de oração e comecei a conhecer
pessoas novas, hoje tenho muitos amigos e uma namorada, a minha vida é
completamente diferente da que eu vivia antes, o grupo de oração foi o momento que
me fez mudar o menino chato e introvertido que eu era [...] No grupo de oração sou
do ministério de música e do ministério jovem, conheci minha namorada na juventude
missionária, quase toda noite estou na igreja, especialmente em coisas da RCC [..]Eu
ia, mas tinha medo, não me sentia a vontade, depois de um tempo me soltei, me abri
e comecei a me soltar e me encontrei em uma família, comecei a servir como servo
tocando no ministério de música, eu era aquele que não participava direito e hoje
participo, o que mais mudou foi minha vida de oração [..] A RCC tem um método de
oração muito intenso, meu medo era a oração em línguas, o batismo no Espírito Santo,
isso me amedrontava, mas hoje não tenho medo, vejo como normal e gosto, até porque
eu não sou mais espectador, eu vivo [...]Recebi o convite da equipe de serviço pra
participar do ministério de música, porque sabia tocar e estava sendo bastante
frequente no grupo. A equipe de serviço é que está a frente do grupo, eles que pregam,
tocam, intercedem, que preparam tudo do começo ao fim. São membros da RCC mais
antigos que já servem há mais tempo e que já vivem os carismas. Até que eu entrei no
grupo de servos bem rápido. Quando passei a viver os carismas e não faltava e fui
chamado para tocar, pronto, já participava das reuniões só com membros. Foi rápido,
mas esse ingresso na RCC me ajudo muito, até em casa com minha família. Eu passei
a ser católico de verdade. Tá entendendo? Eu já era católico, e é possível ser católico
sem ser do grupo de oração, mas os movimentos me ajudam muito e a RCC me fez
não ser só católico de nome, você sabe João, o batismo no Espírito Santo é um
verdadeiro encontro pessoal com Deus [...] Eu me considero carismático,
especialmente depois que perdi o medo e passei a rezar como a RCC reza, oração em
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línguas e muita intensidade. Se a pessoa olhar o Marcelo de antes e o de hoje vai
perceber essa mudança (Fala do interlocutor Marcelo ).

A mudança que Marcelo se refere não acontece de modo inopinado, mas é um processo

em cuja realização a figura liminar pode ser verificada. Marcelo fala de sua vida antes e depois
da RCC e como está sendo esclarecido, para ser membro da RCC é necessário servir ao

movimento e passar pela experiência ritual em que acontece o chamado batismo no espírito

Santo. O liminar tem atributos que podem ser verificados em Marcelo, bem como nas
interlocutoras sobre as quais falei anteriormente.

Os atributos de liminaridade, ou de persone (pessoas) liminares são necessariamente
ambíguas, uma vez que esta condição e estas pessoas furtam-se ou escapam à rede de
classificações que normalmente determinam a localização de estados e posições num
espaço cultural. As entidades liminares não se situam aqui nem lá; estão no meio e
entre as posições atribuídas e ordenadas pela lei, pelos costumes, convenções e
cerimonial. Seus atributos ambíguos e indeterminados exprimem-se por uma rica
variedade de símbolos, naquelas várias sociedades que ritualizam as transições sociais
e culturais (TURNER, 1974, p.117).
- Ser católico é ter a fé e seguir a doutrina da igreja. A igreja olha Maria com um olhar
diferente e isso identifica a igreja. Eu participei de retiros espirituais, de outros
eventos. Sou da RCC faz dois anos. O carismático tem um método de oração
diferente, a gente acredita no batismo no espírito santo, esse acreditar que é possível
receber o espírito santo, as coisas que compõe a RCC identificam os carismáticos. Eu
me senti membro da RCC com o batismo no espírito, a partir do meu primeiro
batismo. O batismo no espírito santo acontece em um encontro com cristo nu forte
momento de oração. Acontece com e sem repouso. O dom das línguas eu recebi sem
o repouso, por exemplo (Fala do interlocutor Marcelo ).

Outros membros da RCC colaboraram com a compreensão de que existe um momento

em que o fiel é católico, mas não é carismático nem deixa de ser. Essa compreensão e resultado

da observação das falas que sempre se referem à mudança de vida após o contato com a RCC.
Trago agora trechos de falas que estão nesta esteira de compreensão.
Para Antônio:
- O jeito alegre da RCC me envolveu porque eu era jovem, teve aquele momento que
eu não ia direitinho, mas já gostava, como era juventude era difícil ‘tá’ bem de dentro,
mas depois do meu encontro pessoal com Deus no Retiro de Carnaval, não tinha como
não fazer valer a pena aquele batismo no Espírito que primeiro eu passei por ele e só
depois vim entender o que era (Fala do interlocutor Antonio).

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Segundo Georgina27, ser RCC é: “-sentir forte o Espírito em mim e viver em

fraternidade[...] Tudo na minha vida mudou depois da RCC, inclusive minha conversão diária
dentro do catolicismo”.

Nivaldo acredita que o fiel católico passa a ser católico carismático: “-a partir do

momento que ele passa a frequentar o grupo de oração e recebe o Espírito, se sente bem e se
identifica com aquele estilo de vida espiritual e atua também, ele mesmo se sente membro e
procura fazer parte de alguns ministérios que se identifica”.
Na interpretação de Pedro:
- Um católico carismático se distingue por uma vivência dos dons carismáticos para
o reavivamento da fé pessoal e procura testemunhar a ação do Espírito Santo na sua
vida. Um católico não carismático vive sua fé em força do seu batismo - sacramental
– e busca está em comunhão com a sua comunidade de fé, celebrar a eucaristia
dominical e colaborar com a evangelização do engajamento de pastorais (Fala do
interlocutor Pedro).

Carranza (1998) já percebia que existe uma nítida diferença entre os católicos membros

e não membros da RCC. Sabendo que a maioria de carismáticos antes de o serem já eram

católicos, investiguei como essa mudança acontecia e encontrei na discussão teórica de Turner
(1974) a operacionalização de técnicas que permitiram a utilização do conceito de liminaridade

para explicar esse fenômeno processual de mudança. A mudança que a RCC repercute na vida
dos carismáticos é perceptível, uma vez que,

Sabe-se que nem todos os católicos têm uma mesma prática, uma mesma vivência
religiosa. Nem todos tampouco têm um mesmo conhecimento dos movimentos de
Igreja, ou por não pertencerem a um deles ou simplesmente por não terem uma prática
mais assídua e, assim, nem se interessarem por eles. (FEITOSA, 2013, p. 108)

Ao tempo em que os carismáticos não só têm essa compreensão, como a atribuem ao
movimento eclesial do qual fazem parte depois de terem passado pelo fenômeno liminar.
tais fenômenos liminares nos oferecerem uma mistura de submissão e santidade, num
momento situado dentro e fora do tempo e da estrutura social profana. Mais ainda, os
fenômenos liminares revelariam duas facetas diferentes do relacionamento humano
numa mesma sociedade. A primeira, uma sociedade estruturada, diferenciada e
freqüentemente hierárquica. Já a segunda, evidenciada no período liminar, seria um
“comitatus” rudimentarmente estruturado, uma comunidade de iguais que se
submeteria a uma autoridade anciã, e não social-hierárquica. A vida individual
Nesse caso não uso nome fictício, pois a interlocutora também é coordenadora estadual do movimento, seu nome
foi citado em outros momentos e, diga-se de passagem, a mesma declarou não se opor à exposição de sua
identidade.
96
27

alternar-se-ia, portanto, entre a exposição à estrutura e a communitas, entre estados e
transições (SOUSA, 2002, p. 118).

Depois de entender a importância do batismo no Espírito Santo e do serviço em

ministérios da RCC, condições que estão na fase liminar de um católico que será carismático e
que continuará com essas práticas rituais, vale trazer a explicação do que é o batismo no Espírito
Santo e do que são ministérios.

O termo “ministério” é amplamente usado na Renovação Carismática Católica para
designar, de uma maneira geral, os diversos serviços do Grupo de Oração. Um
ministério é um serviço específico dentro do Grupo de Oração. É um trabalho para
servir à comunidade cristã, uma maneira de exercitar o apostolado. Cada batizado é
chamado a crescer, amadurecer continuamente, dar cada vez mais fruto na descoberta
cada vez maior de sua vocação, para vivê-la no cumprimento da própria missão.“Os
ministérios são diversos, mas um só é o Senhor” (I Cor 12,5). Fazendo esta afirmação,
São Paulo coloca todos os ministérios – serviços – em submissão a Jesus Cristo e
dentro de um contexto de comunhão eclesial (cf. Ef 4,11-16). Assim, devem funcionar
harmonicamente como em uma orquestra, em que cada um faz o seu “som”, mas o
todo é que faz a beleza. As equipes ou ministérios devem ser formados na medida da
necessidade e da realidade de cada Grupo de Oração. Seus membros devem ser
escolhidos em oração e de acordo com os vários dons que surgem. Para cada
necessidade há pessoas ungidas pelo Espírito para seu atendimento: “Temos dons
diferentes, conforme a graça que nos foi conferida. Aquele que tem o dom de profecia
exerça-o conforme a fé. Aquele que é chamado ao ministério, dedique-se ao
ministério. Se tem o dom de ensinar, que ensine; o dom de exortar, que exorte; aquele
que distribui as esmolas faça-o com simplicidade; aquele que preside, presida com
zelo; aquele que exerce a misericórdia, que o faça com afabilidade” (Rm 12,68).(Apostila Grupo de Oração, número 3 do módulo básico de formação da RCC)

O batismo no Espírito Santo 28foi citado por todos os interlocutores e é, com certeza, um

fenômeno que se investigado de perto dará margem para a construção de teses de doutorado,
como minha investigação percebeu a importância do fenômeno para os carismáticos, trago um
comentário sobre o mesmo para ajudar na sua compreensão, contudo não me detenho em

aprofundar o olhar para o batismo no Espírito Santo, pois esse espaço não abarcaria sua
complexidade , no caso presente basta a contribuição de Gomes.

Segundo a Renovação Carismática Católica, o batismo no Espírito Santo é uma
experiência que normalmente decorre de um momento de oração e pela qual a pessoa
adquire um novo e apurado valor espiritual. A partir desse momento, o Espírito Santo
passa a orientar a vida da pessoa, confirmando verdades interiores e até modificando
posturas diante dos homens e do mundo. Como primeiro resultado desse “batismo,”
verifica-se o desejo de viver pela oração, integrado na vida da Igreja (GOMES, 2009,
p.58).

28

Sobre o Batismo no Espírito Santo, ver Gomes, 2009.

97

O batismo no Espírito Santo costuma acontecer em grupos de oração, retiros de carnaval

e seminários promovidos pela RCC, todavia sua realização não se resume a estes espaços.

98

5 – RELATO ETNOGRÁFICO E IMAGÉTICO

5.1 - A Reunião Semanal do Grupo de Oração São Miguel Arcanjo: Relato Etnográfico
O Grupo de Oração São Miguel Arcanjo se reúne semanalmente, em dias de segunda-

feira, ás dezenove horas, na Igreja Matriz da Paróquia Nossa Senhora Divina Pastora, no

município de Junqueiro – Alagoas, tem pouco mais que sete anos de existência, um número

aproximado de 20 membros, e uma quantidade de frequentadores que oscila de tal modo que
não é possível dizer o seu número com certeza, ou sequer por aproximação. Excepcionalmente,

o dia, o lugar ou o horário são alterados, de acordo com a agenda da paróquia que, por vezes,
necessita do prédio da Igreja para outro evento.

No grupo de Oração São Miguel Arcanjo existem membros dos ministérios de

intercessão, de pregação, de música, para crianças, jovem e universidades renovadas. Alguns

deles atuam principalmente no encontro semanal do grupo, outros têm atividades que vão além
da participação e do serviço nos encontros do grupo.

Vale lembrar que um grupo de oração comporta três momentos: a reunião de servos, a

reunião de perseverança e a reunião semanal, contudo, no meio católico e até mesmo na RCC
a reunião semanal é chamada de grupo de oração, pois dela participam os servos, os que estão
na perseverança e os frequentadores que não são membros da RCC. A reunião semanal que
aqui está sendo chamada de encontro do grupo de oração é o ponto alto da agenda semanal de
um grupo de oração.

Todo grupo segue uma estrutura bem parecida, pois começa com uma fala de acolhida

que é seguida, normalmente nessa ordem, pela recitação de um terço ou parte dele, por um
louvor, por uma pregação, por um momento de oração, por um espaço aberto à testemunhos

pessoais, por avisos e finalmente por uma oração de encerramento. Toda esta sequência
costuma ser intercalada com músicas.

Foi possível notar, a partir do campo, que o grupo de oração é o espaço na RCC em que

acontecem as manifestações rituais (PEIRANO 2001) mais importantes para a RCC, ou seja,
onde símbolos (TURNER, 2008) se estabelecem na consciência de um indivíduo e onde está o
ponto de partida que terá uma representação simbólica (ASAD, 2010) para o cotidiano e para a

dinâmica ritual (2005) do carismático. Por isso é importante investigar o ritual não apenas para
descreve-lo, mas procurando, nos termos de Turner (1974, p.20), “alcançar adequada
99

compreensão do que os movimentos e as palavras significam” para quem é personagem da
trama que o antropólogo investiga.

Essa preocupação de Turner é reflexo de uma preocupação mais ampla da Escola de

Manchester que percebe na etnografia a possibilidade de observar as mudanças processuais dos

grupos que têm sua gênese nos indivíduos, não se olha apenas para um nativo isolado, mas para
o drama social no qual ele está envolvido (TURNER, 2008). É inclusive esta a proposta da
descrição etnográfica que segue: Olhar para o carismático, para as características de sua

transição de status religioso, para o fenômeno da liminaridade, ou como Turner propõe, olhar
para o indivíduo enquanto figura liminar. Esse fazer antropológico se desenvolverá ainda neste

capítulo, a partir de agora, com a descrição integral de uma reunião semanal do grupo de oração,

e no próximo capítulo, com a apresentação de histórias de vida de carismáticos que passaram
pela mesma transição e que tiveram o grupo de oração como uma das bases para essa mudança.
A proposta é trazer a descrição integral da reunião semanal e refletir os processos

desenvolvidos na mesma que são característicos do processo pelo qual um fiel católico passa
quando entra no estágio de transição para católico carismático.

Esse capítulo e os dois que o seguem contribuem, na ordem, com o registro ritual

carismático, com suas implicações na ação social do liminar e com a comunicação visual desses
processos.

Sobre a descrição que segue, vale trazer a contribuição de Peirano (2001).

entendemos que rituais são tipos especiais de eventos, mais formalizados e
estereotipados e, portanto, mais suscetíveis à análise porque já recortados em termos
nativos. Em outras palavras, tanto eventos ordinários, quanto eventos críticos e rituais
partilham de uma natureza similar, mas os últimos são mais estáveis, há uma ordem
que os estrutura, um sentido de acontecimento cujo propósito é coletivo, e uma
percepção de que eles são diferentes. Eventos em geral são por princípio mais
vulneráveis ao acaso e ao imponderável, mas não total mente desprovidos de estrutura
e propósito se o olhar do observador foi previamente treinado nos rituais (p.08)

Eu costumava chegar ao campo alguns minutos antes do início do encontro do grupo de

oração, como o encontro tem hora marcada para começar, às dezenove horas, eu procurava

chegar às dezoito e quarenta e cinco, logo percebi que para chegar antes do início eu não
precisava chegar minutos antes, pois o próprio encontro costumava iniciar com um pequeno
atraso, as vezes às dezenove e quinze, às vezes uns dez ou quinze minutos além disso.

As crianças que participam do grupinho de oração costumam chegar antes dos adultos.

Por vezes ficam algumas pessoas acolhendo quem chega, na maioria das vezes são adolescentes
100

e jovens. Logo na chegada da Igreja tem uma mesa onde fica um caderninho para todos que
chegarem ao grupo, possam assinar, é uma espécie de frequência.

O encontro descrito a partir de agora aconteceu no dia dezessete de julho de dois mil e

dezessete, como de costume cheguei um pouco antes do início, fiquei na calçada da igreja e
observei a chegada de algumas pessoas, naquele dia alguns jovens estavam a dar as boas-vindas.

Depois disso entrei, posicionei o celular próximo a caixa de som para gravar e sentei, depois de
alguns instantes o encontro começo

O violão começa a ser dedilhado e as pessoas percebem que os servos se dirigem para

seus postos. Os servos do ministério de música para o lugar onde estavam os instrumentos, os

servos da intercessão ocuparam alguns dos primeiros lugares, o pregador da noite e a pessoa
que vai ministrar a oração também sentam nos primeiros bancos e os servos do ministério para
crianças seguem para o salão ao lado da igreja, seguem sozinhos, pois as crianças permanecem
na igreja junto aos adultos e outros servos.

Dois jovens, uma moça e um rapaz ficam em pé e vão até a frente, pegam cada um, um

microfone e se aproximam dos servos que estão no ministério de música

O rapaz começa a falar com uma voz calma sem que o violão pare:

−Boa noite! Vamos ficar em pé para começarmos o santo terço. Estamos reunidos em

nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Amém.

−Como intenções para este terço, peçamos para que a misericórdia de Deus possa

tocar as nossas vidas e que nos faça bem participar desse momento de espiritualidade, desse
momento de vivência de oração que é o grupo de oração.

É comum que o início de cada reunião semanal de grupos de oração tenha a recitação

do terço mariano29, de um mistério deste ou de outro terço. O grupo de oração São Miguel
O Terço é a fração de um rosário. O rosário é um conjunto de repetições de orações católicas intercaladas por
jaculatórias e reflexões. Ele é orientado por um instrumento com contas (bolinha, miçangas, etc) que, pelo tamanho
e/ou espaçamento entre si, indicam as orações a serem rezadas. Tem sua origem inspirada na quantidade de salmos,
pois a oração mais repetida no terço, que é a Ave-Maria, e esta inicialmente se repetia cento e cinquenta vezes que
é a quantidade de salmos da bíblia. Os fiéis católicos acreditam que cada Ave-Maria recitada é como uma rosa
entregue à Maia, mãe de Jesus, por isso o nome “Rosário”, do Latim Rosa,Ae. O rosário costumava ser recitado
em parcelas, dividido em 3 partes, sendo que cada parte ficou conhecida pelo nome da fração: “um terço”. Os
instrumentos utilizados para reza-lo, na íntegra ou em sua parcela, recebem os nomes de “Rosário” e de “Terço”.
Atualmente o rosário é composto por duzentas ave-marias, mas o nome do conjunto de orações e do instrumento
utilizado para orientar a oração não mudaram, ou seja, a quarta parte de um rosário (50 ave-marias) continua sendo
chamado de um terço. O nome terço ficou tão conhecido e aceito como conjunto de repetição de orações que,
atualmente, existem vários tipos de terços, cada um com sua variação de orações a serem repetidas. Exemplos de
terços: terço da misericórdia, terço da providência, terço de São José, terço de São Miguel Arcanjo, entre outros.
101
29

Arcanjo adotou o terço da misericórdia para o início de todos os encontros. Esse costume de
iniciar o encontro com um terço ou parte dele foi sugerida quase que como uma diretriz pela
equipe diocesana de formação da RCC em um pastoreio da Diocese de Penedo.

A moça que estava ao lado do rapaz começou a oração do terço da misericórdia e foi

acompanhada por todos os presentes. O terço da misericórdia tem a mesma estrutura do terço

mariano, mas as orações que são repetidas são outras. O terço começa com a recitação de um
Pai Nosso, uma Ave Maria e a oração de profissão da fé católica, em seguida começa a
sequência de repetições dos dizeres:

−Pela Vossa dolorosa paixão, tende misericórdia de nós e do mundo inteiro.

diz-se:

A cada dez repetições desses dizeres que são orientados pelas contas pequenas do terço,

−Oh sangue e água que jorrastes do coração de Jesus como fonte de misericórdia para

nós, eu confio em vós. Eterno Pai eu vos ofereço o corpo e o sangue, a alma e a divindade de
vosso diletíssimo filho, Nosso Senhor Jesus Cristo, pela expiação dos nossos pecados e dos
pecados do mundo inteiro.

No fim deste terço do terço, reza-se três vezes:

−Deus Santo, Deus forte e Deus imortal, tende piedade de nós e do mondo inteiro.

Decidi escrever quase que uma explicação do terço da misericórdia e não uma descrição

do que aconteceu, como uma narração, pois desse modo o leitor poderia entender que essa
oração acontece apenas no Grupo de Oração São Miguel Arcanjo e daquele, como foi feito, fica

claro que os indivíduos que estavam na reunião semanal rezando segundo a “fórmula” do terço
da misericórdia.

Essa prática de rezar segundo fórmulas que orientam a oração, como é próprio dos

diversos tipos de terços rezados entre os católicos nos ajuda a perceber que a RCC tem

características próprias de um movimento eclesial católico, pois ao tempo e que uma de suas

características é a espontaneidade na oração, bastante característico também nos protestantes,
com os quais a RCC dividiu seus primeiros passos, não deixa de seguir o modo tradicional
católico de rezar com fórmulas pré-estabelecidas.

Terminada a oração do terço da misericórdia, uma mulher, membro do ministério de

música - enquanto os dois jovens que conduziam o terço voltam a se sentar perto dos demais –

começa a falar, com voz bastante suave, concomitantemente com o som do dedilhado do violão:
102

−Boa noite.

Todos respondem:
−Boa noite.

Ela continua:

− Vige, minha Nossa Senhora que fraqueza. Boa noite?
Todos repetem com mais força no falar:

−Boa noite.
Ela segue:

−Sejam todos bem-vindos a mais uma segunda-feira de oração. Olha para o seu irmão

e com firmeza dê um boa noite.

A maioria segue a orientação, mas alguns o fazem com um certo constrangimento ao

olhar diretamente para a pessoa ao seu lado, decerto que nem todos se conhecem ou tem
intimidade. Ela insiste:

−Agora se o seu irmão sentiu firmeza nesse boa noite, coitado, vai de porta pra fora.

Vamos dizer juntos mais uma vez e com força.

Todos falam o boa noite esperado e ela continua:

você.

−Diga: que bom que você veio, dá um abraço pra que esse irmão se sinta acolhido por
Alguns não fazem, uns fazem com constrangimento e outros fazem o que ela diz como

se já estivessem acostumados com aquilo, e estão mesmo, pois em encontros da RCC é comum
que os palestrantes ou membros do ministério de música iniciem com esse tipo de acolhida.

A partir dessa postura inicial diferenciada entre participantes do grupo de oração já é

possível perceber que existe uma diferença clara entre católicos carismáticos e não
carismáticos. Após os abraços, ela continua, sempre com o som de fundo do violão:

−E é nesse calor do Espírito Santo, nesse abraço que eu vou fazer uma pergunta e vocês

por favor respondam animados. Tá bom? Quem veio louvar o senhor nessa noite?
Os presentes responderam juntos:

−Eu.

O violão para de ser apenas dedilhado e algumas notas mais animadas começam a ser

ouvidas. A cantora insiste, se afastando da calmaria na fala, acompanhado a animação do
instrumento, e perguntando com mais entusiasmo:

103

−Para um ensaio está ótimo, mas agora digam. Quem veio louvar o Senhor nessa noite?
Contagiados pela animação expressa na pergunta, todos responderam mais alto e com

entusiasmo:

−Eu!

Ela anima o grupo mais ainda:

−Então dá uma balançada no irmão, sacode e diz: Irmão acorda pra Jesus, vamos

louvar ao senhor. Com alegria! Vamos Cantar!

Ao mesmo tempo em que a resposta sai entusiasmada, o ministério de música inicia o

cântico e é acompanhado por todos. A letra 30que segue é da música cantada. A mesma cantora

que conduz o momento anima as pessoas, enquanto outros servos do ministério de música
continuam, ela adianta alguns versos da letra para que todos cantem juntos e expressa frases

que deixam o momento dinâmico e desenvolto. As frases, dentre outras, são: “Com animação,
gente”; “Nas palmas”; “Louvemos”; “Só vocês. Solta a sua voz”.
1.Vamos cantar, cantar na paz do meu Senhor Jesus

Deixar que o amor de Deus se torne em nossa vida luz.
É tão bom estar aqui juntos, louvando ao Senhor

Soltar a nossa voz e assim exaltar o Deus de Amor

2.Vamos dançar, dançar na paz do meu Senhor Jesus

Deixar que o amor de Deus se torne em nossa vida luz.
3.Vamos sorrir, sorrir na paz do meu Senhor Jesus

Deixar que o amor de Deus se torne em nossa vida luz.
4.Vamos louvar, louvar na paz do meu Senhor Jesus

Deixar que o amor de Deus se torne em nossa vida luz.

Terminada a música, todos já estão imersos num ambiente de sorrisos, louvores e a

cantora diz:

−Vamos aplaudir o Senhor com alegria? E agora diga ao irmão: irmão, o Senhor é

bom. Agora diga com firmeza, olhando no fundo dos olhos: O senhor é bom e o senhor é bom
o tempo todo, todo tempo o senhor é bom. Vamos louvar ao Senhor com alegria? Nessa certeza
que o Senhor é bom. O senhor é...
−Bom!

30

Vamos Cantar de Carlos Eduardo

104

−O senhor é?
−Bom!

−Nas palmas.

O ministério de música começa outro canto 31e a mulher continua estimulando a

participação e animação de todos. Segue a letra da música:
O Senhor é bom,

Bom para com todos nós (2x)
Nos deu seu filho amado para nos resgatar das trevas
Está de braços abertos, todo dia espera a tua volta
Volta para o amor de Deus,

Volta para os braços do Pai

Ele te espera e quer te dar vestes novas (2x)

Terminada a música a cantora pede que as pessoas formem dupla com alguém que não

conhecem ou que não têm muito contato e sugere. Ao tempo e que o violão vai mudando as
notas e emitindo um som suave, as vozes do ministério, inclusive a daquela que além de cantar

conduz, ficam também suavizadas. O estímulo para que as pessoas se conheçam, criem vínculos
e se sintam parte daquilo que participam, é quase constante. As dinâmicas de formar duplas,

grupos e estimular a repetir expressões para descontrair acontece em quase todo encontro da

RCC. À princípio, quem não está acostumado se constrange um pouco, mas a médio prazo, o

constrangimento vai se transformando em desenvoltura, as pessoas aparentam se sentir livres
para rir, orar, abraçar e fazer outras coisas que não fariam ali sem algum estímulo. É importante
mencionar que algumas pessoas não são flexíveis a estas dinâmicas. É possível supor que isso

aconteça por causa de processos anteriores pelos quais a pessoa tenha passado e que tenham
contribuído na construção de sua personalidade, uma vez que as dinâmicas costumam funcionar
e a aversão a elas é, na maioria dos casos, apenas inicial. O conforto com o ambiente que se

cria após esses momentos de descontração ajuda para que as pessoas se sintam confortáveis,
inclusive, para fazer suas orações, espontaneamente, mesmo em grupo. A cantora que conduz
o louvor começa a conduzir um momento de espiritualidade.

31

O Pai te espera do Ministério Adoração e Vida

105

−Duplas prontas? Agora você cantar para esse irmão voltar pro colo de Deu. Tá bom?

Olha a responsabilidade! Você vai convencer o seu irmão a voltar pro amor de Deus. Valos
lá? Vamos fazer só um ensaio. Só vocês.

Ela reinicia a música e para ao tempo em que todos continuam sem o acompanhamento

de instrumentos musicais. Ela passa a estimular a canção não mais com animação, mas com

suavidade na voz. As expressões também não estimulam mais palmas e agitação. O violão volta
a tocar suavemente e expressa, ao tempo em que todos cantam suavemente:

−Volta pro amor de Deus. Deixa se embalar nessa música. Convença o irmão a voltar

pro amor de Deus. Ele te espera!

A música é cantada outra vez e a mulher interrompe pedindo que as pessoas troquem de

duplas e repitam a dinâmica:

−Tá lindo, agora você procura outra pessoa e canta com entusiasmo. Se entrega. Agora

dá um abraço nesse irmão.

As pessoas voltam para seus lugares e o refrão é cantado pelo ministério de música mais

uma vez.

A mesma pessoa continua:

−Aplauda a Jesus que quer lhe dar vestes novas. Diz, olha meu irmão – enquanto ela

fala as pessoas repetem umas para as outras - aqui eu sou só um estrangeiro. Aqui é só de

passagem, eu já voltei pro colo de Deus. O meu lugar é no colo de Deus aqui eu sou só
estrangeiro. O meu lugar é no céu. Amém? Vamos louvar ao Senhor? Com alegria!
Uma terceira música32 é iniciada pelo ministério:
Eu tenho os meus pés no chão
mas sei que o meu coração está
muito além do céu e do que se
possa ver.
Busco o que no alto está!
Busco o que não passará jamais
Minha vida está escondida em Jesus
Sou Estrangeiro Aqui
O céu é o meu lugar
É de onde vim
É pra onde vou
É lá onde eu vou morar

32

Estrangeiro aqui da Banda Missionário Shalom

106

O Senhor é minha luz e salvação
De quem terei medo?
O Senhor é a segurança da minha Vida
A quem eu temerei?
A música é iniciada, mas a mulher do ministério de música interrompe e diz:

−Não! Agora assim não – e brinca, apontando para alguns jovens presentes – com estes

coreógrafos aqui (risadas). Venha pra cá nos ensinar a coreografia dessa música que eu sei
que vocês sabem. E eu aqui sozinha. Vem povo de Deus. Gilda, Luís, Nara. Vamos!

A música continua e alguns jovens vão à frente e dançam, fazendo a coreografia da

música. Em eventos da RCC, o corpo é utilizado de maneira expressiva, principalmente quando

o público é jovem. Maués (2000, p. 124) exemplifica a utilização do corpo chamando as
expressividades de técnicas corporais, segundo ele, são elas: toque corporal; gestos corporais;
imposição das mãos; aplausos; dança; palmas, repouso no espírito, entre outras.

Depois de alguns instantes, todos na Igreja começa a imitar a coreografia dançada pelos

jovens. A RCC se expandiu através de várias iniciativas e circunstâncias. A juventude sempre
teve espaço na RCC, uma vez, inclusive, foi em meio a jovens que ela surgiu.

Outras ações incentivadas pela Renovação Carismática Católica mostram-se como
estratégias usadas para atrair a juventude, como grupos de jovens, festas, encontros
etc., claramente estes eventos possuem a temática religiosa incorporada em seu
desenvolvimento, assim como têm por objetivo incentivar a socialização entre os
jovens frequentadores da Renovação Carismática Católica (Boschini, 2014, p.60).

Quando a música acaba, a mulher continua conduzindo o momento.

−Diz assim – e o povo repete – O meu lugar é o céu. Vamos continuar. Vem comigo.
A quarta música33 da noite começa e os estímulos da mulher também seguem.
O meu lugar é o Céu
E lá que eu quero morar
Eu sei não vale a pena
Tanta grana, poder, fama
Pois isso tudo aqui vou deixar
E sei que lá no céu só chega aquele que na terra
Seus bens soube compartilhar
Por isso todo dia, dia-a-dia, a cada hora
Eu sei com Deus eu posso contar
E a cada passo certo que eu der aqui na terra
Mais perto Dele eu vou ficar
Buscar, bater, saber pedir e até mesmo suplicar
Eu tenho um endereço
33

O Meu Lugar é o Céu de Dunga

107

No céu vou morar
Eu tenho um lugar
Outra vez a música vai mudando de ritmo e os instrumentos e vozes do ministério

encaminham os presentes a mudarem a postura, outrora de euforia, agora de calmaria.

A mesma mulher, com a voz suave, fala pausadamente, enquanto o violão é dedilhado:

−Coloca as mãos agora sobre o seu coração, agora. Diz: fica aqui Jesus. Me permita

na noite de hoje, sentir esse céu. Agora é o seu momento de louvar o Senhor com suas palavras.

O ministério ajudou, agora é você que vai se colocar diante do Senhor nesse louvor. Louva o
Senhor pelo seu dia, pela sua vida pelo seu acordar, vai louvando e agradecendo ao Senhor
pela graça de já sentir nesse louvor a presença dele. Sim Senhor Jesus nós queremos te louvar,

porque estás aqui, Senhor. Porque desde cedo nos tocava pra estarmos aqui. Eu te louvo

Senhor Jesus, pela vida de cada irmão, pelo sim que cada um aqui deu para estar aqui nesta
noite. Bendito seja o teu santo nome, Senhor Jesus. E olha meu irmão, hoje, o Senhor, ele quer
nos encontrar com amor. Diante da nossa vida corrida, diante das nossas buscas, as vezes nós

deixamos esse encontro de lado pra uma necessidade extrema. Mas olha que coisa linda. O
Senhor, ele que se encontrar com você nessa noite e ele já vem preparando esse encontro há

dias, tão tal que você está aqui hoje. O Senhor quer ter conosco esse encontro de amor. Ele
quer no amar, quer tocar o nosso coração. Ele que entrar na nossa história, nos sentimentos e
nas coisas que nós vivemos e sentimos, que só ele sabe. Você pode viver cinquenta ou sessenta
anos ao lado de uma pessoa, mas somente Jesus é que conhece verdadeiramente o que você

sente, o que você tá passando e principalmente o que você precisa. Por isso esse encontro de
Jesus conosco hoje é a partir do nosso coração, é a partir dos nossos sentimentos e dos nossos

questionamentos. O Senhor quer ir aí no seu interior, que só você e ele conhecem e ele mais do
que você. Mais do que eu, o Senhor me conhece. Por isso convido você a abrir as portas do seu

coração, nessa noite. Escancara e diz: Olha Jesus, eu vim, eu estou aqui, por isso eis aqui a
minha história, eis aqui a minha vida, Jesus, vai nos espaços Senhor Jesus, que eu não consigo

ir do meu ser, vai nos meus questionamentos, nos meus medos, na minha razão, Senhor Jesus,
vai e toca com o teu amor. A proposta para essa noite, meu irmão, é essa: que você escancare
o seu coração, porque a oportunidade é única. Nós não podemos permitir que Jesus passe pela

nossa vida, sem que ele toque, sem que ele cure, sem que ele renove. Vai colocando pra Jesus,

olha Jesus, essa é a minha vida, essa é a minha história, é assim que eu me encontro, Senhor,
vivendo tão afastado de ti, tão distante, Senhor Jesus. Vem Jesus queimar o meu coração, eu
108

quero sentir aquele amor que eu sentia antes, que não queria sair de perto de ti. Sim, Senhor

Jesus, queima de novo em mim aquele amor, Jesus. Vamos clamar o Espírito Santo de Deus.
Para que ele venha sobre nós, nos incendiar na noite de hoje.

A mulher para de falar em língua portuguesa e começa a “orar em línguas” e essa oração

é acompanhada por muitos dos que estão presentes. Os outros servos do ministério de música
e de outros ministérios e pessoas da assembleia acompanham a oração em línguas.

Maria de Lourdes Sousa Vieira Gomes escreveu a dissertação de mestrado “Fenômeno

da Glossolalia e seus significados no movimento carismático católico” em 2009. No texto a
pesquisadora apresenta diversos olhares sobre o fenômeno estudado, expõe pareceres que

observam a glossolalia como fenômeno meramente linguístico (p.23), como fenômeno

psicológico e psicopatológico (p.24), como elemento místico resultado de uma dimensão
religiosa (p.32), como prece (p. 36) e como fenômeno histórico no discurso bíblico (p.38).

Minha preocupação não é aprofundar esses olhares sobre a glossolalia, mas enfatizar

sua presença e importância dentro do pentecostalismo católico e expor a prática e a visão dos

carismáticos sobre a mesma. A prática través dessa descrição etnográfica resultante da

transcrição comentada do diário de campo e a visão através dos discursos dos interlocutores

que mais de uma vez falaram que a ração em línguas “é o próprio Espírito Santo falando
através da voz de alguém”.34 Das visões apresentadas por Gomes (2009) a mais aproximada da
exposta pelos carismáticos são aquelas que vêm a glossolalia como elemento místico e como
prece.

A chamada oração em línguas, ou glossolalia é a manifestação linguística de sons que

não formam palavras de nenhuma língua conhecida. A RCC tem a glossolalia como um dom

do Espírito Santo. Além da glossolalia, existe a “xenoglossia” que é o ato de falar uma língua
diferente da língua nativa sem ter estudado a mesma. Ambos os fenômenos são verificados na

RCC, mas a frequência maior é da glossolalia. Em minha pesquisa apenas presenciei a

glossolalia, mas como membro da RCC tenho conhecimento de casos da xenoglossia. Esses
fenômenos são apresentados na bíblia como dons de Deus (cf. Coríntios 12).

É possível perceber que a manifestação da glossolalia nessa reunião semanal do grupo

de oração são Miguel Arcano aconteceu imediatamente após a calma, demorada e pausada fala
Trecho da entrevista com Mônica. Esse trecho foi de uma entrevista específica, mas o dado expresso foi
repetido por outros interlocutores.
34

109

da mulher que acontecia concomitantemente ao som do violão. Como visto, a fala da mesma
faz referência as subjetividades pessoais e as experiências de contato entre Deus e os
participantes da reunião semanal, sejam servos ou visitantes. A letra da música, o toque dos

instrumentos, a fala de quem conduz levam quem participa do encontro a entrar em estado de

oração. A subjetividade de cada indivíduo, em um momento como esse, aflora e é expressa,
tanto quanto possível, através de sua oração que e motivada pelas emoções estimuladas pelo
momento.

O “jeito diferente de rezar”, proposto pela RCC, conduz o fiel a querer trilhar seu rumo

espiritual, pois a espontaneidade na oração e a proposta de falar diretamente com Deus, sem o
apoio direto da hierarquia, parece convidar o carismático a uma autonomia espiritual. Ainda

que a RCC apoie, difunda e preserve o vínculo de pertença com a Igreja, falando da importância
do contato com o sacerdote como mediador espiritual, o momento de oração promovido em
reuniões, encontros e eventos da RCC dão vazão a uma autossuficiência espiritual.

Os métodos de oração da RCC, atualmente, são todos católicos, seja porque a hierarquia

da igreja a reconheceu como movimento eclesial católico e aquele seu método primeiro,

motivado pelo contato com protestantes, foi aceito, seja porque todos os outros métodos
utilizados no movimento, como a recitação do terço, a lectio divina, entre outros, sempre foram
católicos.

O fato é que o fiel católico que tem contato com a RCC e reza o terço, não vê nada de

diferente, mas quando ele entra em contato com o método de oração que é característico da

RCC e o pratica, inevitavelmente ele percebe a diferença e percebe também que este método
não necessita do apoio de um sacerdote católico. É possível supor que seja desse modo, porque
surgiu no meio protestante e nesse meio não existem padres católicos. É claro que essa
suposição não foi verificada, ficando, portanto, no nível de hipótese.

Consciente ou não de uma mudança de paradigmas culturais, sociais e até religiosos,
o fiel se encanta com a possibilidade de fazer seu próprio caminho espiritual,
apostando nos dons do Espírito Santo, para ser identificado como homem novo que a
RCC prega com tanta incidência: “Se alguém está em Cristo é uma nova criatura.
Passaram-se as coisas antigas; eis que se fez uma realidade nova” (2 Coríntios 5,17).
É a oportunidade de vislumbrar outro espaço de pertença e ela se configura por meio
de traços identitários que a modernidade ajudou a construir (Jesus, 2012, p.71).

Não existe dúvida a respeito da diferença entre um fiel católico e um fiel católico que

passou a ser membro da RCC, ela existe e podemos perceber que uma característica evidente
110

dessa diferença está no modo de rezar. Como essa mudança acontece é a questão que nos faz
olhar para a RCC como objeto de pesquisa.

Este jeito diferente de rezar é verificado com clareza na reunião semanal do grupo de

oração São Miguel Arcanjo. A mulher que começara a oração em línguas, após perceber que a

glossolalia era praticada por alguns presentes, enquanto outros silenciavam, para de falar em
línguas e começa a falar sobre a oração em línguas. Enquanto ela fala, a oração continua, mas
agora como que um som de fundo.

−Você que não está costumado a ouvir essa oração, no seu íntimo peça ao Senhor que

ele envie o seu Santo Espírito sobre você, pra que você não ouça a minha voz, mas que você
tenha a graça de ouvir a voz do Espírito Santo orando sobre você, meu irmão. Essa oração

nada mais é do que o Espírito Santo orando por nós, do que o Espírito Santo abrindo os
caminhos pra nós na noite de hoje.

Ela volta a falar em línguas, para e continua a falar:

−Você não vai apresentar a vida dos outros, isso vai ser uma consequência. Você vai

se colocar na presença de Jesus na noite de hoje e pedir por você e pedir que o Espírito Santo

vá de encontro as suas necessidades e pedir que o Espírito Santo vá esquentar o que há muito

tempo anda frio, anda morno. Você vai cuidar de você nessa noite, vai pedir pra que o Espírito
Santo cuide de você, que o Espírito Santo lhe toque na noite de hoje e essa ação, meu irmão,

só será possível diante da sua entrega. Por isso ora diante do Espírito Santo de Seus. Relaxa o
seu coração na presença dele. Permita que Jesus com suas mãos ensanguentadas possa tocar
o seu coração, nessa noite.

O grupo, com exceções, volta a orar em língua e aos poucos a oração em línguas vai

dando espaço a música35 iniciada pelo ministério e cantadas por todos:
Sarça que só queima, que não se apaga
Somos tua Igreja, viemos te adorar
Neste teu altar, somos sacrifício
Vem nos consumir, estamos aqui
Aqui...
Foi a tua presença
Que nos trouxe aqui, Senhor
Não desistiremos
De te perseguir
Até te encontrar

35

Queima de novo do Ministério Colo de Deus

111

Diante da tua glória
Não podemos ficar de pé
Mostra quem Tu és
Vem nos visitar
Nos fazer queimar
De novo...
Manda teu fogo, manda teu fogo
Queima de novo, queima de novo
A música é cantada, algumas pessoas oram em línguas, outras rezam em português e a

mulher que conduz fala:

−É a presença do Senhor que nos visita na noite de hoje. É a presença do Espírito Santo

que nos queima de novo. Queima de novo! Queima de novo!

−E assim se permita, na noite de hoje, ser queimado no Espírito Santo de Deus. Ser

queimado, meu irmão, no sentido de que o Senhor vai virar a sua vida pelo avesso e nos fazer
enxergar o que o pecado muitas vezes nos impede, que o mondo muitas vezes nos impede de

enxergar. O Senhor vai nos amar na noite de hoje e vai de encontro as nossas necessidades e

o Espírito Santo vai novamente te fazer sentir aquele amor, aquele primeiro amor de quando
você se encontrou com Jesus. Diz: Eis-me aqui Senhor, eis-me aqui Jesus, eis-me aqui com a
minha história, com os meus dias, Senhor. E você vai cantando suavemente...

O refrão da música é cantado suavemente pela mulher. Ela para de cantar e continua:

−Que você possa abraçar, fortemente, o seu corpo, agora, e que você possa assim sentir

o abraço do Espírito Santo em você. E a medida que você vai identificando que é o Espírito

Santo, você vai intensificando esse abraço. É assim que o Espírito anto quer nos tratar hoje.
Ele quer nos abraçar com tudo que temos e com tudo que somos.

O fenômeno da glossolalia volta a acontecer e é encerrado com a oração da ave-maria.

Enquanto a ave-maria é rezada, o pregador da noite 36vai se aproximando do microfone, se
ajoelha e a mesma mulher começa a rezar e a motivar os demais a rezar por ele. Ela diz:

−Que nós possamos estender as nossas mãos sobre o nosso irmão e pedir que o espírito

Santo queime o nosso irmão também e assim o ir moldando com a sua unção, e assim ir

reestabelecendo no nosso irmão, tudo aquilo que precisa ser reestabelecido, Nós clamamos,
Cada reunião semanal tem um momento de pregação que costuma ser conduzido por um dos membros do
ministério de pregação do próprio grupo, todavia nesta noite o pregador foi convidado de outro grupo de oração,
assim como a então coordenadora da RCC em Junqueiro e seu esposo, estes três fazem parte do Grupo de Oração
Reflexos de Luz, um dos mais antigos da Paróquia Nossa Senhora Divina Pastora.
112
36

Senhor Jesus, o teu Santo Espírito sobre o nosso irmão que será usado como canal da sua

graça. Nós não conhecemos a vida do Alberto, não conhecemos a sua história, mas o Senhor
conhece. Nesse momento nós clamamos, Senhor Jesus, que o seu Santo Espírito possa o
revestir, revestir a sua família, revestir a sua vida. Pela intercessão de Nossa Senhora.

Outra ave-maria é rezada por todos enquanto o pregador coloca sua bíblia sobre uma

estante (ambão móvel, púlpito). Ao término da oração ele começa a falar:

−Podemos ir nos sentando. Boa noite, como a Marcela falou, eu me chamo Alberto, sou

do Grupo de Oração Reflexos de Luz, do povoado Olho D’água e é com muita alegria que

vamos partilhar, agora, a palavra de Deus. E eu começo perguntando a você hoje: Como anda
a sua esperança? Como andam seus objetivos? Como andam seus sonhos? São perguntas que

eu não quero, claro, agora, são respostas que ficam para depois, se alguém quiser partilhar
no fim do grupo de oração. Mas eu gostaria de indagar agora a vocês: Como andam seus

sonhos? A tua vontade de rezar? A tua vontade de estar perto de Deus? Como andam? E é o
Senhor que questiona isso a nós, nesta noite, e se é o Senhor ele que r nos dar a resposta,
porque a palavra dos Senhor diz que ele não nos deixa abandonados. Né? Quando ele promete,
ele cumpre, é promessa do Senhor para nós, então tomemos posse disso.

−A palavra de Deus está em Ezequiel, 37, do versículo 1 ao 14. Quem trouxe sua bíblia

pode abrir. É Ezequiel, 37, versículo do 1 ao 14. Na bíblia ave-maria 37a página é 1771.
Uma pessoa da assembleia pergunta:
−Ezequiel o que?

O pregador reponde:

−Ezequiel 37, do 1 ao 14. Amém?

Todos dizem amém e ele pergunta:
−Qual é o título dessa palavra?
Alguns respondem:
−Os ossos secos.
−Ele continua:

−Quem quiser pode ler junto comigo.

Ele começa a ler e o faz sozinho, o texto bíblico que segue.

37

Nome de uma conhecida editora católica

113

"1.A mão do Senhor desceu sobre mim. Ele me arrebatou em espírito e me colocou no meio de

uma planície, que estava coberta de ossos. 2.Ele fez-me circular em todos os sentidos no meio
desses ossos numerosos que jaziam na superfície. Vi que estavam inteiramente secos. 3.Disseme o Senhor: filho do homem, poderiam esses ossos retornar à vida? Senhor Javé, respondi,
só vós o sabeis. 4.Ele disse-me então: Profere um oráculo sobre esses ossos. Ossos dessecados,

dir-lhes-ás tu, escutai a palavra do Senhor: 5.Eis o que vos declara o Senhor Javé: vou fazer
reentrar em vós o sopro da vida para vos fazer reviver. 6.Porei em vós músculos, farei vir carne

sobre vós, cobrir-vos-ei de pele; depois farei entrar em vós o sopro da vida, a fim de que
revivais. E sabereis assim que eu sou o Senhor. 7.Profetizei, pois, assim como tinha recebido

ordem. No momento em que comecei, um barulho se fez ouvir, em seguida um ruído
ensurdecedor, enquanto os ossos se vinham unir aos outros. 8.Prestando atenção, vi que se

formavam sobre eles músculos, que nascia neles carne e que uma pele os recobria. Todavia,
não tinham espírito. 9.Profetiza ao espírito, disse-me o Senhor, profetiza, filho do homem, e

dirige-te ao espírito: eis o que diz o Senhor Javé: vem, espírito, dos quatro cantos do céu, sopra
sobre esses mortos para que revivam. 10.Proferi o oráculo que ele me havia ditado, e daí a

pouco o espírito penetrou neles. Retornando à vida, eles se levantaram sobre seus pés: um
grande, um imenso exército. 11.Então o Senhor me disse: filho do homem, esses ossos são toda

a raça dos israelitas. Eles dizem: nossos ossos estão secos, nossa esperança está morta;
estamos perdidos! 12.Por isso, dirige-lhes o seguinte oráculo: eis o que diz o Senhor Javé: ó

meu povo, vou abrir os vossos túmulos; eu vos farei sair deles para vos transportar à terra de

Israel. 13.Sabereis então que eu é que sou o Senhor, ó meu povo, quando eu abrir os vossos
túmulos e vos fizer sair deles, 14.quando eu meter em vós o meu espírito para vos fazer voltar
à vida e quando vos hei de restabelecer em vossa terra. Sabereis então que sou eu o Senhor,
que

o

disse

e

o

executei

-

oráculo

do

Senhor."

Terminada a leitura do trecho bíblico, o pregador fala: “−Palavra do Senhor” e todos

respondem: “−Graças a Deus”38.Após a resposta da assembleia, o pregador faz um breve
momento de silêncio e segue iniciando sua pregação sobre o texto lido:

−O Senhor hoje, né? Ele vem nos mostrar, na sua palavra, algo impossível para nós.

Não é verdade? É possível para mim, né? Sem a Ação do Espírito Santo, sem a ação do Senhor,
38

Resposta comum no meio católico. Tem origem em celebrações litúrgicas.

114

chegar onde tem ossos secos e mandar que eles se levantem? Não! Eu por si só, eu, Alberto,
não tenho como fazer isso, porque é algo que só o Senhor pode fazer. É algo impossível para
mim. É diferente de, por exemplo, uma pessoa chegar para mim e falar: “Eu estou com uma

dor de cabeça”. Aí é possível, vou chegar e vou aconselhar: “tome um remédio, vá ao médico
para ele receitar. É algo que é possível a mim, fazer. Mas o Senhor, nesta noite, ele vem nos

dizer e vem nos falar de algo que impossível: fazer com que ossos secos retornem à vida. E

porque eu perguntava como está a nossa vida de oração, como está os nossos sonhos? Porque
o que é impossível para nós, o Senhor pode fazer. O que, pra nós, não tem mais solução, o

Senhor pode fazer, o que, para mim, eu não vejo amis saída, para o Senhor existe saída. Né?
É o que a palavra do Senhor vem nos mostrar.

−Olhando aqueles ossos secos, com olhos humanos, o profeta, ele não poderia fazer

mais nada. Se não fosse a mão do Senhor que diz pra eu, ditando o que é pra fazer, não teria
nada que ele poderia ter feito, se não fosse o Senhor ao conduzir e a fazer com que aqueles
ossos retornassem a vida, não teria nada mais a fazer, pois só o Senhor é o Deus do impossível.

−Quantas das vezes nós mesmos não somos esses ossos? Quantas das vezes a nossa

vida não está como esses ossos secos? Pois na nossa vida mesmo nós não encontramos solução
para mais nada. Ah Alberto, mas agora não agora está tudo bem. Graças a Deus. Eu convido

você a lembrar momentos que você passou e que você pensou assim: “agora eu nem sei mais
o que fazer, agora eu tô numa encrenca”,

−Então. Então o Senhor ele vem nos dizer nessa noite o que? “−Eu sou o Deus do

impossível”. E é nesses momentos em que o Senhor, muitas vezes, espera para fazer com que

a graça dele aconteça. Quantas das vezes, eu posso citar para vocês, né? Esses momentos de
desespero, muitas vezes nossos sentimentos desorganizados, muitas das vezes passamos por

dificuldades nas nossas famílias, na nossa casa, na faculdade, na nossa vida no trabalho, na
nossa vida profissional, onde tudo parece que está desencaixado e aí nós dizemos: “−Meu

Deus, agora, o que eu faço? ”. Só o Senhor para fazer! E aí nessa hora, né? Como na palavra

ele ia dizendo, quando ele pede que pra proferir o Espírito Santo, pra proferir aqueles ossos,
e ele fala que primeiro. O que acontece? Os ossos vão se juntando. E esses ossos, muitas das
vezes quando a gente se encontra com o Senhor. E eu convido também vocês a lembrarem de

todo aquele encontro que você teve com Jesus Cristo, aquele dia em que você saiu tão cheio do
Espírito Santo. Aí você disse: “−Agora eu me encontrei realmente com o amor, agora eu me
115

encontrei”, e aí você vai procurando um lugar na Igreja, muitas das vezes num movimento, em

um ministério, aí você vai vendo: “−Não agora eu estou me encontrando”. São aqueles ossos
que começaram a procurar uns aos outros e estão começando a se reerguer. Depois vieram?
O Senhor pediu que fosse o que? Os músculos! Sobre aqueles ossos! E aí é quando parece que
os sentimentos vão se acalmando. As tempestades vão. Né? O senhor vai mandando que elas
se acalmem. Mas eu pergunto para vocês:

−Se mesmo assim quando a gente pensa que já está encontrando o nosso lugar na

Igreja: Já sou catequista já sou pregador, já canto na Igreja. Só isso basta? Não, é preciso que
sopre sobre nós, o sopro do Espírito Santo, que é o que nos faz permanecer vivos, por que
muitas das vezes a gente parece tá até numa vida confortável. Já ando na Igreja, já me

encontrei profissionalmente, já tenho uma namorada, já sou casado, já tive os filhos, já tenho

um emprego legal, não quero outro emprego. Então tudo parece já estar... agora sim eu me
encontrei. Só que falta em nós, uma ação maior do Espírito Santo. Falta em nó viver realmente
no Espírito Santo. E eu digo a vocês, amados, o Espírito Santo nos é dado desde muito cedo no

batismo. Né? Desde muito crianças o Espírito Santo já está em nós, através do batismo. Né?

Chega a crisma e já nos confirmamos, já começamos a receber o corpo santo de Cristo, nós

começamos a comungar o senhor, nas santas missas. E o Senhor, ele está ali conosco
realmente, mas é preciso ir além para permanecer de pé, é como aquela moto que está um
pouco velha e você vai lá e manda fazer o motor, deixa o motor bem organizado, mas ela só

vai funcionar se estiver lubrificada, se ela estiver com combustível, Não é assim? Então quando
a gente tá nessa via que pra gente já tá bom, já chegou no lugar ideal, tá organizado o
motorzinho, já estou fazendo isso e aquilo, já estou bem, mas vai faltar esse combustível diário,

que é o Espírito Santo, só ele que pode fazer isso, só ele que vai dizer o que devemos ou não
devemos fazer, só ele vai dez os lugares que devemos andar, só o Espírito Santo vai nos ensinar

a falar com as outra pessoas, vai nos educar, vai nos trazer viver em comunidade, vai fazer
com que muitas das máscaras que muitas vezes o inimigo coloca nas situações, caia por terra.

Só o Espírito Santo! Só o Espírito Santo! E assim com o Espírito Santo já, cheios do Espírito

Santo. O Senhor... aí sim nós vamos começar a crescer, enraizar no Senhor Jesus, dar frutos,
que não basta para mim, só, eu agora estou cheio do Espírito Santo. E quando nós estamos

cheios, transbordando do Espírito Santo, assim como Maria esteve, ai nós começamos ajudar
o outro. Não é assim? Maria quando ela estava lá cheia do Espírito Santo. O que aconteceu?
116

Ela foi lá visitar sua prima Isabel. E quando ela chega lá, o que aconteceu? Isabel sentiu na

hora, a presença de Jesus, do Espírito Santo. Então é assim que vai acontecer na nossa vida, e
por isso, eu digo a você, hoje, não se preocupe com o outro, hoje não. Hoje o Senhor ele quer
fazer na sua vida a obra. Ele quer começar a fazer na nossa vida com que nós estejamos cheios

do Espírito Santo, com que nós retornemos a vida, com que a gente faça com que estes ossos
que estão secos na nossa vida, voltem a vida. Se está seco, que retorne a viver, se erga mais

uma vez e depois, cheios do Espírito Santo, aí sim, as pessoas vão poder sentir esse Espírito

Santo que há em nós. Não adianta a gente querer resolver as coisas por si só, muitas vezes só

arrumamos confusões, ou muitas vezes a gente diz: não, agora eu vou resolver aquele problema
na minha casa, ou com o meu irmão ou com quem quer que seja, vai por si só lá, cheio de nós
mesmos. E quantas vezes nós não arrumamos uma bela de uma confusão?

−Hoje nós somos convidados a ser cheios desse Espírito Santo, um espírito Santo que

nos educa que faz a gente saber as palavras corretas, sabe fazer com que a gente ame o
próximo, saiba aconselhar, saiba o momento de silenciar.

−Eu convido você a ir fechando os seus olhos e ir se colocando na presença do Senhor.

Continua a se indagar: Meu Deus o que na minha vida ainda está como aqueles ossos

ressequidos? Quais são os ossos secos que, na minha vida, ainda precisam desse sopro do

Espírito Santo. Vai perguntando ao Senhor, ele que se faz presente em nosso meio através do
seu Espírito Sant. Vai perguntando ao Senhor, vai clamando o Espírito Santo desde já, vai

pedindo que o Senhor vá te revelando, vai pedindo o sobro do Espírito. Vem, Senhor, e sopra

na minha vida, Senhor. Assim como fizestes, Senhor, sobre aqueles ossos, sopra, Senhor, na
minha vida e sobre mim e traz a vida, Jesus, mais uma vez. Eu quero estar cheio do Espírito,

Senhor Jesus. Eu quero, Senhor, ter vida nova. Eu quero ir além, Senhor, de onde eu estou. Eu
quero crescer em ti, Senhor.

Essa fala do pregador foi ficando suave e quando ele silenciou, o ministério começou

outra música39:

Quando eu te conheci Deus
Me apaixonei
E logo veio o mundo
E me roubou de ti
Mas eu te reencontrei Deus

39

Santos Frutos da Banda Demúvi

117

Logo cresci e sem raiz me perdi
E não voltei
Me afoguei em espinhos
Que sufocaram minha fé
Mas tu me abristes um caminho
E eu pude te encontrar Deus
Eu consegui voltar
Me faz crescer como a árvore
Me enraizar em ti e dar
Santos frutos, santos frutos
Eu quero te dar santos frutos
Eu quero te dar santos frutos
Oh, oh, oh
O pregador retomou a fala durante a música, suavemente ele fala enquanto a música fica

de fundo, ele motiva as pessoas a entrarem em oração: “Vai ouvindo esse música, vai cantando

se você sabe, coloca a mão no seu coração...”. O pregador pede que todos fiquem em pé e
levantem as mãos.

O ambiente se transforma, o ministério canta e toca intensamente, o pregador motiva a

oração, algumas pessoas oram em línguas, outras fazem preces em português, outras

acompanham a música, algumas não reagiam com euforia, mas, perceptivelmente, rezam
quietos, alguns choram e outros expressam sorrisos. Nitidamente se percebe “o modo
carismático de rezar” os carismas aparecem, mesmo com expressões diferentes, os indivíduos
que estão ali configuram um grupo. As expressões diferentes formam um conjunto, nesse
momento o constrangimento dos participantes que aparentam participar pela primeira vez
desaparece e aquele “mix de reações” ao momento caracteriza bem a RCC.

Neste momento de oração, as vozes se confundem, pois, várias pessoas, rezam e cantam

ao mesmo tempo, uma nova voz surge motivando a oração, no mesmo ritmo e altura do
pregador que estava motivando e silenciou para dar espaço a essa mulher. A mulher que passa

a dirigir a oração é a coordenadora paroquial da RCC que visita o grupo de oração juntamente
com seu esposo nesta noite, ela, também durante a música, vai falando frases e expressões que

envolvem as pessoas num ambiente de oração, mas uma diferença existe na fala dela em relação

ao pregador e à cantora do ministérios de música, pois estes dois últimos, durante os momentos
de oração, falavam frases que tinham a ver com o texto bíblico lido ou com a música cantada,

mas eram frases aleatórias, enquanto a coordenadora cria uma conexão entre as falas que são
118

ditas durante a música. Uma espécie de discurso motivador da oração é proferido e envolve as
pessoas que ouvem:

−Encontra o Senhor nesse momento, o Senhor te trouxe aqui. Deseja no seu coração

que aconteça o que aconteceu com aqueles ossos que receberam músculos, nervos, estrutura

para que fiassem em pé, deixa que o Senhor faça contigo neste momento – Glossolalia. Olha
para dentro de si mesmo, o Senhor quer te devolver a sua vida. Ele quer te dar tudo aquilo que
ele sonhou pra você. Você que tinha desistido, jovem, de correr atrás de seus sonhos, você que

não acreditava mais, pelas decepções que você já teve no seu relacionamento, nos diversos
caminhos que você seguiu. O Senhor Jesus que fazer ressurgir em você, os seus sonhos. Os

sonhos que Ele desejou pra você. E o senhor está reconstituindo isso, toma posse disso em
nome de Jesus. Eleva o seu louvor ao Senhor Jesus nesse momento. Vai dizendo a Ele com a

suas palavras, esse desejo que o Senhor vai colocando no seu coração, de retomar sua oração
pessoal, de retomar o seu clamor. É o sopro do Espírito Santo que se derrama sobre nós, nesse

momento! Vai usando as suas palavras. Sim, Senhor Jesus, sobre mim, Senhor, eu quero,

Senhor, sim, gerar esses santos frutos, Senhor Jesus – glossolalia – o Senhor quer voltar a
fazer com que você constitua raízes, você que se sentia como uma arvore que, em meio as

ventanias, em meio ao sopro, você se sentiu derrubado, você se sentiu tirado daquilo que você
sempre sonhou, como filho amado de Deus, o Senhor está te devolvendo isso em nome de Jesus.

−Ergue suas mão pra o céu agora, em nome do Senhor Jesus, como aqueles que se

mostram abertos, à essa ação do Espírito Santo. Vai dizendo: Sim, Senhor Jesus, eu me abro a

ação do seu Espírito Santo. E isso é para todos nós, amados irmãos, que aqui estamos, por
isso, com fé, pede que o Senhor escuta a sua voz. Diz: Vem Espírito Santo, sobre a minha vida,

Senhor, eu desejo sobre a minha vida, esse sopro que a sua palavra, Senhor veio trazer para
mim, Senhor, eu sei que é para mim, Senhor.

−Nesse momento, agora, pede por você, pede com fé, em nome do Senhor Jesus. Vai

usando as suas palavras.

A mulher silencia, as pessoas e a música continuam e uma outra voz aparece orando em

línguas, é uma voz masculina, a voz do esposo da coordenadora da RCC que acabara de falar.

Ele ora, um pouco em línguas e continua sua participação, agora em língua portuguesa,
enquanto as pessoas continuam orando no Espírito. Aos poucos, durante o decorrer da voz do
homem, mais pessoas vão orando em línguas.

119

−Vai insistindo, nesse momento, com as suas palavras. Você que ainda tem palavras

para clamar ao Senhor, a palavra que o Senhor diz é reestabelecimento. Você que já se

encontra cansado, sem forças, sem palavras, o Senhor chama a orar no espírito. Deixa que o
próprio Espírito Santo ore em você, nessa noite, continua orando. Você que ora no Espírito,
vai abrindo a sua boca, deixa que o próprio Espírito possa orar em você, nesta noite. O senhor
vai e presenteando.

−O homem que está com a palavra faz uma breve pausa e para de falar genericamente

e faz uma fala que parece se direcionar a uma pessoa específica.

−O Senhor toca muito forte nessa noite em um pai de família que se encontrou, por

vezes, angustiado, desesperado, que se encontra cansado, nesta noite, mas o sopro do Espirito
é para esses ossos secos, pai de família, que você enxergou na sua casa, que você viveu, o
Senhor toca em você.

−Nesse momento o Senhor coloca muito forte, algumas pessoas, como que com ânsia

de vômito, por ainda se prenderem a determinadas situação de vícios, de escravidão. O Senhor
toca uma situação de ânsia de vômito causada pela indigestão do vício e o senhor lhe chama
a colocar pra fora todo o vício, todo esse costume que te levou a cegar, a não enxergar a
realidade a sua volta. O Senhor toca no vício e no apego, muitas vezes, de alguns vícios, mas

o Senhor te chama, coloca pra fora, filho amado, não tenha medo, você que ainda resiste com
medo daquilo que Deus pode fazer em você, não tenha medo, você que acha que isso ficou no
passado, que isso já passou, mas nesse momento o Senhor toca verdadeiramente, te dando

coragem de lutar. Pede nesse momento. O Senhor preparou esse momento para a graça de

Deus na sua vida. Aceita isso que Deus te dá. O Senhor restaura a sua família por meio de
você, nessa noite. O Senhor restaura a sua sexualidade que você pensou que estava perdida, a

sua vontade de evangelizar que você pensou que tinha acabado. O Senhor sopra nesses
momentos sobre os ossos secos, o Senhor reconstitui os músculos, os nervos. O Senhor toca

também em feridas físicas nessa noite. O senhor toca mito forte com uma unção de cura física
no nosso meio, causada por indigestão espiritual, causada por mágoa, por ressentimento. O

Senhor te chama a colocar pra fora tudo aquilo que não vem de Deus para a sua vida. Abre-

se nesse momento, abre-se ao espírito Santo, abre-se a graça de Deus, nessa noite, recebe de
Deus o batismo no Espírito Santo, recebe de Deus a votade de ser santo, a vontade de mudar

de vida. O Senhor restaura-nos por completo, nessa noite. Aceita isso, você, não é atoa que
120

você está aqui. Foi a própria Virgem Maria quem te trouxe nessa noite. É pra você a graça,

muito mais do que pro irmão que está ao seu lado. É pra você a graça, nessa noite, aceita isso.

Dê seu sim a deus nessa noite, diz sim. Aceita sua liberdade, diz não a escravidão que você
está vivendo nessa noite.

Uma música começa a tocar e o mesmo homem motiva a oração, falando

concomitantemente à música40.

Sopra em nós, sopra em nós
Somos Teus filhos, ó Pai
Estamos reunidos em Teu nome
Sopra em nós, sopra em nós
Somos Teus filhos, ó Pai
Estamos reunidos em Teu nome
Minh'alma tem sede de Ti, ó meu Deus
Minh'alma suspira por Ti
Minh'alma tem sede de Ti, ó meu Deus
Minh'alma suspira por Ti
Sopra em nós, sopra em nós
Somos Teus filhos, ó Pai
Estamos reunidos em Teu nome
Sopra em nós, sopra em nós
Somos Teus filhos, ó Pai
Estamos reunidos em Teu nome
Ó vento impetuoso, vem neste lugar
Fortalece o que é fraco, com Teu poder
Rasgue o céu, ó meu Pai
Sopra hoje aqui
Vem, Espírito Santo! Vem
Ôôôô
Sopra em nós, sopra em nós
Sopra em nós, sopra em nós
Ó vento impetuoso, vem neste lugar
Fortalece o que é fraco, com Teu poder
Rasgue o céu, ó meu Pai
Sopra hoje aqui
Vem, Espírito Santo! Vem
O homem fala alto e com firmeza.
−Pede isso, nessa noite. Somos teus filho, Pai. Pede o que você precisa, o que está em

seu coração. Batiza-nos, ó Pai. Assim como os ossos ressequidos, onde o espírito soprou, pede

40

Sopra em nós dos Irmãos e Irmãs Carmelitas

121

que sopre em nós. Mesmo que você não consiga medir o tamanho da graça de Deus, pede com

força, clama, canta que sua alma tem sede. Clama o Espírito Santo sobre a sua vida. Eu
necessito, Senhor. Minha alma suspira, sopra em nós, abre sua boca, nós precisamos, Pai. Vem

nos tratar como filhos. Você que sente um sentimento de derrota, você que acha que acabou,
pede a presença do espírito. O Senhor te diz que é possível

−O Senhor toca na realidade de algumas pessoas que têm se colocado em contendas,

discussões desnecessárias, brigas. A palavra é como se você estivesse na sua vida na sua

família, na sua convivência, é como se a sua vida tivesse se tornado um inferno, uma verdadeira
desordem, situações de morte, de falta de perdão, de falta de amor. E nessa noite, o Senhor

quer retirar de nós, todas as escamas, assim como o cego de Jericó, o Senhor deseja lavar

nossos olhos de toda a cegueira espiritual, de toda a enfermidade que nos impedia de seguir

verdadeiramente ao Senhor. Pede a graça do batismo no Espírito Santo, fala pra Deus a
saudade que você está de viver esse batismo no Espírito Santo, de viver essa graça que muda
o seu coração, muda a sua vida. Toca, Senhor, o meu emocional. Continua orando.

Nesse momento a música cessa e os ministérios de música e intercessão oram em línguas

enquanto o homem continua.

−Toca, Senhor, a minha razão, toca, Senhor, a minha forma de ser. Nessa noite, Senhor,

eu quero ser transformado por ti – Glossolalia – Não se cansa de clamar. Pra você que não

conhece essa oração, pra você que isso é algo novo, vai só repetindo aleluia, aleluia, aleluia.
Aba, Pai! Aba, Pai41! Vai pedindo ao Espírito Santo esse dom. A própria palavra de Deus nos

diz que quando nos faltam as palavras, o Espírito Santo vem e ora sobre as nossas
necessidades. O Senhor concede a nós a graça de suprir nossas necessidades nessa noite, vem

Senhor suprir a necessidade que eu tenho de ti – Glossolalia. E a virgem Maria, nessa noite,
vem socorrer você que se sente mais necessitado ainda, você que não tem conseguido dar nem
um passo diante do Senhor. A Virgem Santíssima, nesse momento, vem ser o socorro, o auxílio

necessário ela vem ser, verdadeiramente, essa mãe. Tanto você se ausentou! Nessa noite a

Virgem Santíssima vem focar com você que ultimamente se sentiu tão sozinho, como um

verdadeiro órfão. Sozinho! Me vem a imagem de pessoas que chegaram a chorar sozinha em
casa, pensado que estavam abandonadas pelos seus familiares, pelos seus amigos. Você chegou

Expressão bíblica repetida no meio católico para invocar a Deus Pai, primeira pessoa da Santíssima Trindade –
divindade cristã.
122
41

a se perguntar por aquele irmão da igreja em quem você tanto confiava. Nesse momento a
Virgem Maria vem mostrar que esteve com você, segurando na sua mão e por isso você está
aqui, pelo socorro da mãe. E a Virgem Maria abraça também você, pai, que tinha desistido de
lutar. Entreguemos, meus irmãos, na conclusão dessa noite, a nossa vida a Porta do Céu, a

Medianeira das Graças, a Virgem Santíssima, ela vem abraçar até a você que guarda suas

restrições com relação a ela, você que nunca se entregou na relação com a Virgem Maria, não
de coração, de corpo e alma, nessa noite a Virgem Santíssima de colocar o desejo de santidade,

a palavra vocação à santidade, a partir de Maria. É a palavra que Deus dá. Entreguemo-nos

a Virgem Maria nesse grupo de oração, nesse momento, entreguemo-nos completamente. E a

Virgem Maria vem tocar em mágoas existentes no grupo, de pessoas do grupo de oração com
outras pessoas do grupo. A Virgem Maria também vem abraçar.

O ministério de música que acompanhava a fala do homem com o dedilhado do violão,

aos poucos vai trocando as notas e uma música 42começa a surgir, a mulher que conduzira o

primeiro momento de oração da noite, começa a cantar uma música que fala de Maria, a mãe
de Jesus.

Mãe, quando eu recebo o teu abraço
esqueço todo meu cansaço

Como é bom ser amado por ti

Volto nos tempos de infância, da pureza de criança
Sempre cuidavas de mim

Mesmo quando estive longe e me esquecia de ti
Eu corria para o mundo

e só pensava em fugir de ti mãezinha

No colo de Maria eu posso descansar

No colo de Maria eu sei que é meu lugar

Mãe que cuida e que me ensina a caminhar
Mãe, quando eu recebo

o teu abraço esqueço todo meu cansaço
Como é bom ser amado por ti

42

No colo de Maria de Diego Fernandes

123

Volto nos tempos de infância, da pureza de criança
Sempre cuidavas de mim

Mesmo quando estive longe e me esquecia de ti
Eu corria para o mundo

e só pensava em fugir de ti mãezinha

No colo de Maria eu posso descansar

No colo de Maria eu sei que é meu lugar

Mãe que cuida e que me ensina a caminhar
O teu abraço é o que me fez e faz voltar
Ave Maria, Salve Rainha!

No colo de Maria eu posso descansar

No colo de Maria eu sei que é meu lugar

Mãe que cuida e que me ensina a caminhar
O teu abraço é o que me fez e faz voltar!

Ao tempo em que a música é tocada e cantada, o homem que estava com a palavra,

começa a falar paulatinamente, continuando com o tema “Maria” que já era o assunto de sua
fala e que é central na música executada.

−Recebe esse abraço de Maria. Se deixa abraçar. Recebe esse abraço de mãe. Sente

essa presença maternal de maria. Você que sente esse vazio. Deseja estar no colo de Maria.

−Você que deseja se ajoelhar, nesse momento ainda, algumas pessoas que desejam

render o seu coração em adoração a partir do abraço de Maria. A imagem que Deus nos dá é

essa, Maria nos levantando do chão, nos colocando, de fato, em ordem de batalha. Algumas
pessoas desejam se ajoelhar, nesse momento, pela intercessão de Maria, integra-se, nesse
momento, entrega o seu impossível à Maria, ela que intercede pelo milagre em nossa vida,

peçamos à Maria, nessa noite, que venha selar nossas vidas com seu amor, com a sua
intercessão. Só Maria!

Outra música43 mariana começa a ser executada, algumas pessoas cantam junto com o

ministério, outras choram ajoelhadas, todos são embalados por uma calmaria, de maneiras
diferentes, todos entram em oração, uns louvando, outros chorando, outros fazendo preces,
alguns em línguas, e uma certa maioria cantando a música sobre Maria.
43

Coração de Mãe de Mariani

124

O peso da cruz derrubou o Rei Jesus

Só um coração de mãe pra compreender tamanha dor
Como é difícil ser fiel e carregar a minha cruz

Mesmo fraca, ferida, o teu olhar me mostra o amor
Caminhaste até o calvário com teu filho
Te convido a caminhar também comigo
Oh mãe, levanta-me do chão

Acolhe-me em teus braços, intercede pelas lutas do meu coração
Oh mãe, carrega-me em teu colo

Educa-me como educaste o Cristo

Pra que eu possa entender que o calvário me ensinará a viver
Ao mesmo tempo da música, o homem continua falando.

−Só um coração de mãe, canta isso. Canta isso! Retoma sua amizade com Maria, nessa

noite. Retoma sua amizade com a mãe, filho. Pede! Reestabelece minhas forças, mãe. Pela
intercessão de Maria.

−Pela intercessão de Maria, o Senhor toca no coração de algumas pessoas que

precisam pedir perdão a pessoas que estão aqui, a moção é de que as pessoas estão aqui. Dê
esse passo. Também você que sente a necessidade de pedir perdão a pessoas que não estão
aqui, abrace alguém que está aqui. E peça a virgem para fazer o que você não pode fazer. Se
coloca no calvário e pede a ajuda a Maria. Ela quer te colocar no colo.

A música é brevemente parada e durante alguns instantes, enquanto o violão é

dedilhado, algumas pessoas começam a se abraçar. A música e a voz do homem voltam.

−Esquece a curiosidade, fecha seus olhos. Passa na frente Maria, Passa na frente dos

vícios. Fala das lutas que você não consegue se libertar, aquelas quedas que são constantes.
Maria, nessa noite, ajuda. Passa na frente, Maria! Desse vício que eu não consigo deixar,

passa na frente! Caminha comigo, Maria! Todas aquelas coisas que eu tenho assistido! Tudo
aquilo que eu tenho falado! Levanta-me, mãezinha. Essas mentiras, mãe, eu quero renunciar,

quero viver na tua graça, mãe. Vai suavizando cada vez mais. Algumas pessoas sentem o desejo
de retornar à oração do terço.

125

Enquanto a música vai parando, o homem entrega o microfone àquele que fizera a

pregação e esse começa a falar enquanto este, volta ao banco da igreja e fica perto de sua esposa.
O pregador fala.

−Amém?

Todos respondem e ele continua.

−Vamos continuar com a mãe. Rezemos juntos.
Ele inicia uma oração e todos rezam juntos.

− Salve, Rainha, Mãe de misericórdia, vida, doçura e esperança nossa, salve! A vós
bradamos, os degredados filhos de Eva; a vós suspiramos, gemendo e chorando neste

vale de lágrimas. Eia, pois advogada nossa, esses vossos olhos misericordiosos a nós
volvei; e depois deste desterro nos mostrai Jesus, bendito fruto do vosso ventre, ó

clemente, ó piedosa, ó doce sempre Virgem Maria. Rogai por nós, santa Mãe de
Deus. Para que sejamos dignos das promessas de Cristo. Amém.

−Quem aqui sentiu o sopro do espírito, hoje? Então gostaria de dizer a vocês. Na

palavra o Senhor dizia que quando ele desse o sopro do Espírito, as pessoas estariam cheias e

disse que ele é o Senhor. Então não deixemos a graça passar, vamos permanecer com o sopro
do Espírito Santo. Amém? Alguém gostaria de vir aqui dar um testemunho? O testemunho é a
graça. Quem não quiser vir até aqui, pode falar do seu lugar.
Ninguém vem e ele brinca e convida mais uma vez.

−Não se preocupem, vai dar tempo de todos falarem, um por vez, por favor. Não precisa

de pressa. Bom, esse testemunho pode ser uma confirmação do que você estava sentindo, certo?

Uma palavra que você precisava ouvir, algo que o Senhor fez na sua vida, esta noite. Aí você
vem pra fortalecer a você mesmo e a toda a Igreja.

Uma pessoa vem e é bem breve na sua fala:

−Eu nem queria vir, mas como é pra partilhar da graça de Deus eu vim, porque eu

precisava do dia de hoje pra me reencontrar com Deus, com Maria e comigo mesmo, pra

enxergar a necessidade de chegar mais perto de Deus, pra perdoar e pra não desistir.
Obrigada.

Ela se emociona, recebe um abraço do pregador e volta ao seu lugar. O pregador

pergunta se mais alguém quer vir a frente e como ninguém se manifesta, ele convida todos a
ficarem de pé e agradecerem pela noite. Ele começa e todos, espontaneamente vão agradecendo
126

ao mesmo tempo, dos seus lugares, fazendo que várias vozes de misturem. Como o pregador
está com o microfone, sua voz se sobressai.

−Convido você a louvar ao senhor com suas palavras. Obrigado por olhar para nós.

Te louvamos, Senhor. Obrigado por tudo, te louvamos, Senhor. Agora vamos juntos rezar a
oração de São Miguem Arcanjo.

− São Miguel Arcanjo, defendei-nos no combate, sede nosso refúgio contra a maldade
e as ciladas do demônio. Ordene-lhe Deus, instantemente o pedimos, e vós príncipe da

milícia celeste, pelo Divino Poder, precipitai ao inferno a satanás e a todos os espíritos
malignos, que andam pelo mundo para perder as almas. Assim seja!
amém.

−Estivemos e estaremos sempre reunidos, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo
Uma música 44animada dedicada a São Miguel Arcanjo é cantada e todos começam a se

abraçar, dando a paz uns aos outros.

Vem São Miguel Arcanjo, vem nos defender

Com sua milícia celeste, O inimigo combater.

Vem protetor celeste. Quem como Deus, que é pai?

Lava-nos com o Sangue de Cristo e afasta-nos do mal

Após o término da música e das saudações e despedidas, os participantes saem

da igreja enquanto os servos se dirigem ao presbitério para uma oração que é feita por eles ao

fim de cada reunião semanal. Além desse momento em que é feita essa chamada “oração de
renúncia”, os servos, ou seja, os carismáticos se reúnem uma vez por semana para a preparação

da reunião semanal. A reunião de servos do Grupo de Oração São Miguel Arcanjo, durante o
período da pesquisa, acontecia às terças-feiras, às 19 horas na Igreja Matriz da Paróquia Nossa
Senhora Divina Pastora.

5.2 – Narrativa visual de práticas rituais e de serviços na RCC
Até aqui lançamos um olhar panorâmico para a RCC, nos aproximamos de seus rituais

e dialogamos com carismáticos, liminares e não carismáticos. Agora proponho a leitura de uma

44

Vem São Miguel Arcanjo de autoria desconhecida

127

narrativa visual (NUNES 1998) das ritualidades (FARIA2012) que compõem as experiências
liminares pelas quais passa um indivíduo carismático.

Com o conhecimento de que o Grupo de Oração São Miguel Arcanjo não promoveu

reuniões de perseverança durante minha inserção - na condição de pesquisador - nos espações

e momentos de vivências carismáticas, atentei para a reunião semanal do grupo de oração e para
a o retiro anual espiritual de carnaval, que na Paróquia Nossa Senhora Divina Pastora
acontecem, nessa ordem, no prédio da Igreja Matriz e em uma escola municipal de Junqueiro.

O batismo no espírito santo e o serviço dos ministérios junto a RCC de Junqueiro se

desenvolvem, principalmente, nesses momentos e espaços. Devo dizer que foi um desafio
organizar as imagens pensando na compreensão de outrem, sem que as mesmas estivessem
legendadas demasiado explicativas. Todavia a aposta em comunicar e construir conhecimento

com imagem, além de usa-las como ilustração foi a inspiração necessária para tal

empreendimento. Inspiração que surgiu a partir das orientações da professoras Silvia Martins e
das leituras de três trabalhos: “Os Argonautas do Mangue: uma etnografia visual dos

caranguejeiros do município de Vitória – ES” de André Gustavo Alves Nunes, “Antropologia
da imagem no Brasil: experiências fundacionais para a construção de uma comunidade
interpretativa” de Cornélia Eckert e Ana Luíza Carvalho da Rocha e Antropologia visual,
práticas antigas e novas perspectivas de investigação de José da Silva Ribeiro.

Antes de trazer as imagens, vale expor a contribuição destas obras para a decisão de

construir um apêndice dedicado à antropologia visual e para a aproximação dos rituais

carismáticos e de seus atores, particularmente de seus liminares, para quem as lentes dessa
pesquisa estiveram apontadas desde o início de sua realização.

Em linhas gerais, Nunes (1998) contribui por ter se tornado uma referência legitimadora

do campo de investigação, ao tempo em que Eckert e Rocha (2016) contribuem com a descrição
de sua consolidação na Antropologia. O trabalho de Ribeiro se torna um subjetivo argumento

em prol da Antropologia visual, seja por sua defesa da aplicabilidade e da relevância das
técnicas e resultados, seja por sua defesa da área em temos de volatilidade de recursos
tecnológicos.

as tecnologias digitais e os computadores poderão ser, para o antropólogo e os
cientistas sociais, muito mais úteis que meros processadores de textos, de imagens e
sons e de codificação de dados recolhidos no terreno: um poderoso meio de (autoria)
apresentação de resultados de investigação – como o filme em DVD, a hipermídia, o
lugar de convergência com teorias e paradigmas de investigação (pós-estruturalismo,
teoria crítica, teoria das redes) capazes de desenvolver uma apresentação
128

mutissensorial (escrita, sons, imagens), de relacionar dados com a interpretação, de
justapor vozes e perspectivas, de permitir ao utilizador processos interativos de
descoberta e de utilização ativa e criativa no processo de aprendizagem, de gerar
produtos culturais ou científicos para grandes públicos (Ribeiro, 2005, p.620 apud
Landow, 1995; Clement, 2000; Bairon, 2002).

Devo, ainda antes das imagens, expor duas informações que poderão responder

perguntas dos que virão a ter esse trabalho em mãos. Primeiro: a qualidade das imagens não é
profissional, uma vez que os registros audiovisuais da pesquisa foram feitos com equipamentos

pertencentes ao próprio pesquisador e que este não dispõe de recursos tecnológicos mais
avançados. Segundo: Alguns carismáticos pediram que as imagens de seus serviços, junto aos

ministérios ou na realização de eventos, não fossem expostas, eles preferiram parar o serviço
para que a fotografia fosse registrada, por essa razão o leitor poderá ver cantores cantando, mas
não verão cozinheiros cozinhando, por exemplo. Contudo o que nos interessa é o registro de

que os serviços são realizados, de que as pessoas viveram o batismo no Espírito Santo e de que
estes processos reverberam na chagada ao status de católico carismático.

As fotografias que seguem estão apresentadas em formatos equivalentes e são registros

da reunião semanal do grupo de oração São Miguel Arcanjo e do Retiro Anual de Carnaval.

129

Prancha 1 – Serviços dos ministérios da RCC no Retiro de Carnaval

1 2
3 4
1 – Membros de diversos ministérios servindo na cozinha
2 – Membros de diversos ministérios servindo na limpeza
3 – Ministério de Música em serviço
4 – Ministério para Crianças em Serviço

130

Prancha 2 - Reunião semanal do grupo de oração: comemoração do aniversário do grupo

1 2
3 4
1 – Mesa festiva do aniversário de 7 anos do Grupo de Oração São Miguel Arcanjo
2 – Participantes da Reunião Semanal
3 – Participantes da Reunião Semanal
4 – Então coordenadora do grupo em serviço no ministério de pregação
131

Prancha 3 - Igreja Matriz de Nossa Senhora Divina Pastora, Junqueiro (AL)

1 2
1 – Visão externa da Igreja
2 – Visão interna da Igreja, durante uma reunião semanal do grupo de oração

132

Prancha 4 - Ritualidades carismáticas

1
2
1 – Clamor pelo Batismo no Espírito Santo
2 – Decoração da Vigília por cura e libertação

133

Prancha 5 - Reunião semanal do Grupo de Oração São Miguel Arcanjo

1 2 3

1 – Testemunho de participante
2 – Altar com Imagens católicas
3 – Oração pelo pregador da noite
4 – Ministério de Música em serviço
5 – Participantes da reunião semanal
6 – Pregador da noite

4 5 6

134

6 – CONSIDERAÇÕES FINAIS
Procurei, em cada capítulo, fazer as considerações conclusivas necessárias para as

discussões propostas nos mesmos. Todavia é necessário imprimir o caráter conclusivo também

na compilação dos capítulos do trabalho. O faço, pontualmente, nas colocações: um comentário

sobre os objetivos do trabalho; uma hipótese que surgiu durante a pesquisa e as lacunas que a
pesquisa não conseguiu preencher e a explicação do resultado final escrito da pesquisa, que
segue, imediatamente.

O capítulo inicial é também um apanhado bibliográfico que foi sustentáculo para as

análises que se seguiram nos demais capítulos. Sua contribuição para a pesquisa está na
legitimidade científica que o trabalho precisou para uma orientação acadêmica.

O já citado capítulo se ocupa em perceber as características e finalidades da RCC,

além de apresentar as diferentes perspectivas a respeito da RCC. Foram as perspectivas
expostas: da academia, dos carismáticos, do movimento e da Igreja Católica.

Sobre o referido, é possível concluir que a carência de trabalhos sobre a RCC em

relação à sua presença no mundo não impede que um trabalho de base bibliográfica seja
realizado sobre a RCC.

O capítulo segundo dedica atenção ao grupo de oração e à história da RCC referente

à chegada do movimento na cidade de Junqueiro, sede do Grupo de Oração São Miguel

Arcanjo. Está detalhada a chegada do movimento ao mundo, ao Brasil, à Província Eclesiástica
de Alagoas, à Diocese de Penedo e à Paróquia Nossa Senhora Divina Pastora. Esse capítulo
poderá contribuir com dados históricos para posteriores pesquisas.

O terceiro capítulo acessa o arcabouço antropológico pertinente ao meu objeto que

investiga religiosidade, rituais e, especificamente, ritos de passagem. É trazido para o trabalho,

o debate sobre as abordagens antropológicas do fenômeno religioso e é foco do capítulo a

transição de status que se estabelece na passagem social e ritual pela qual o fiel católico adentra
no movimento carismático.

O último capítulo ocupa um lugar de destaque, pois traz dados da pesquisa

etnográfica para a mão do leitor de maneira mais aberta a aproximação de quem lê com o campo
135

adentrado pelo antropólogo. Essa parte da monografia deixa em suas entrelinhas um levante em

prol da etnografia, pois permite ao leitor perceber que em um trabalho antropológico sério não

se faz sem alteridade e que uma das bases propulsoras da alteridade é, indubitavelmente, as
relações que se estabelecem com o campo.

Como abordar determinadas questões partindo da perspectiva antropológica? Qual ótica

teórico-metodológica dá subsídio para reflexões como aquelas as quais esse trabalho se propõe?

Essas questões podem ser respondidas se primeiro observarmos as abordagens que se
propuseram a fazer algo parecido.

A base teórica que melhor atendeu as demandas da pesquisa e serviu de lente para

investigar a RCC não enxerga a dinâmica social como uma estrutura cristalizada ou um
programa estabelecido, mas percebe que existe uma estrutura processual da ação social que
resulta nos sistemas de simbólicos, dentre os quais está a RCC.

Encontrei grande valia nos estudos de Victor Turner (1974) sobre o que ele chama de

fenômeno religioso, suas contribuições teórico-metodológicas nortearam este trabalho,

justamente porque o antropólogo enxerga a religião como resultado de sistemas simbólicos
anteriores e não como um fenômeno conceitualmente imutável.

Para seguir com as colocações as quais me propus fazer no início dessas

considerações, primeiramente, devo dizer, acredito que o trabalho foi, decerto, um pouco
ousado, uma vez que se propôs investigar algo novo e a partir de uma teoria que não tinha sido
anteriormente usada com o objeto construído.

Todavia, essa ousadia permitiu perceber a aplicabilidade do conceito de

liminaridade na transição de status pela qual passa um fiel católico carismático. Esse objetivo
central foi envolvido por outros que contextualizaram a pesquisa e que também foram
alcançados.

Destarte, foi possível descrever a RCC, a Igreja Católica, o grupo de oração, bem

como foi possível construir a etnografia que abarcou esses resultados e os organizou de tal
modo que se pode compreender quem é o católico carismático, onde atua, como age e se
relaciona com seus pares carismáticos e principalmente, em qual meio está inserido.

136

Em segundo lugar, recordo que percebi, na descrição da liminaridade na RCC, que

os grupos de perseverança que se formam em grupos de oração são potenciais communitas, ou

seja, percebi a possibilidade de olhar para os membros da perseverança como liminares que
estabeleceram vínculos e que configuram a oposição à estrutura, a anti-estrutura. Nesta hipótese
reside o insigt para um possível nova pesquisa.

Por último devo dizer que alguns questionamentos continuam presentes dentro da

abordagem realizada aqui. Acredito que trabalhos acadêmicos estão sempre dentro de
possibilidades de diferentes interpretações. No caso desta pesquisa, o que pode ser considerado
é que os objetivos do trabalho foram alcançados.

É importante atentar aos dados etnográficos apresentados no quarto capítulo, onde

há descrições detalhadas sobre práticas da reunião semanal de um grupo de oração e onde será
possível do leitor mergulhar através dos registros fotográficos, na visualização dos ambientes

investigados. A utilização das imagens deste capítulo está nas autorizações que compõe os
anexos 1 e 2.

Sobre a RCC é possível expor alguns dados e algumas informações que estão

sustentados pela pesquisa e que, até o momento, não foram contestados. A Renovação

Carismática Católica é um movimento eclesial católico que surgiu há 51 anos nos Estados
Unidos, recebendo, influência católica e protestante, mas enveredou para o catolicismo e dele

recebeu reconhecimento e acompanhamento eclesial. Seus membros apresentam características
vistas, anteriormente, apenas em relatos bíblicos e em comunidades eclesiais que protestam a
doutrina católica e são conhecidas por pentecostais.

Em linha gerais, a etnografia realizada junto ao Grupo de Oração São Miguel

Arcanjo contribuiu para minha formação acadêmica, dentro de experiências subjetivas
vivenciadas no campo da Antropologia das Religiões.

Considero aqui um espaço para fazer, em termos de considerações finais, uma

memória da utilização dos conceitos de liminaridade e communitas, fazendo um aceno aos

pensamentos sociais rituais que foram expostos junto aos dados de campo que contribuem com

a questão sobre a transição de status que acontece no movimento eclesial católico RCC e

descrever os processos que permitem e constituem a passagem de status: o batismo no Espírito
Santo e o serviço ao movimento e à Igreja.

137

Se no quarto o campo foi trazido ao texto pela exposição de uma das principais

expressões da ritualidade carismática, a reunião de um grupo de oração, agora essa etnografia
se configura como espaço de reflexão sobre transição de status que têm reflexo nas histórias
de vida trazidas a esta redação e marcadas pelo processo de chegada à RCC e pelos vínculos
criados a partir desse contato que, segundo a maioria dos interlocutores, “mudou suas vidas”.

138

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