UM ESTUDO SOBRE RACISMO NA EDUCAÇÃO BÁSICA

DISCENTE: CRISLANE ONÓRIO PONTES; ORIENTADOR(A): EVELINA ANTUNES FERNANDES DE OLIVEIRA

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                    UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS
INSTITUTO DE CIÊNICAS SOCIAIS
CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS LICENCIATURA

Crislane Onório Pontes

UM ESTUDO SOBRE RACISMO NA EDUCAÇÃO BÁSICA

Maceió, Alagoas
2018

CRISLANE ONÓRIO PONTES

UM ESTUDO SOBRE RACISMO NA EDUCAÇÃO BÁSICA

Trabalho de Conclusão de Curso para obtenção do
título de Licenciada em Ciências Sociais, pelo
Instituto de Ciências Sociais, da Universidade Federal
de Alagoas.
Orientador: Prof Ms.Evelina Antunes Fernandes de
Oliveira

Maceió, Alagoas
2018

“A única arma para melhorar o planeta é a Educação
com ética. Ninguém nasce odiando outra pessoa pela
cor da pele, por sua origem, ou ainda por sua
religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender,
e se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a
amar.”
- Nelson Mandela

AGRADECIMENTOS

A Deus, pela força a cada etapa concluída e por ter me dado coragem para finalizar esse
trabalho!
Ao Instituto de Ciências Sociais da Universidade Federal de Alagoas, pela oportunidade
de desenvolvimento desta pesquisa.
A professora Evelina Antunes Fernandes de Oliveira por ter aceitado ser minha
orientadora, bem como por toda ela que me foi dedicada, por toda paciência, disposição e
compreensão, permitindo que este trabalho se desenvolvesse da melhor forma possível.
Aos meus pais Maria Betânia Onório Pontes e Gerônimo Firmino Pontes por serem meu
alicerce! Por toda paciência, companheirismo e incentivos diários para comigo, me dando
forças para continuar nesta jornada.
A minha irmã Maria Jennefer Onório Pontes pelo apoio de sempre, e minha tia Quitéria
Onório da Rocha que me escuta e aconselha nos momentos de desespero.
A Jônatas Absalão da Silva Barbosa, meu companheiro, por toda ajuda, carinho,
paciência e por ficar sempre ao meu lado, nos bons (e nem tão bons) momentos. Seu incentivo
foi essencial para a concretização desse sonho!
As minhas amigas Élida Monique da Costa Santos e Denise da Silva, por toda ajuda nas
dúvidas que tive, apoio emocional, incentivo, carinho e tempo que me disponibilizaram para o
desenvolvimento e concretização deste trabalho.

A todos,
minha gratidão.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO................................................................................................................

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CAPÍTULO 1 – UM BREVE DEBATE SOBRE RACISMO E DIREITOS
HUMANOS..................................................................................... 10
1.1 O racismo do ponto de vista histórico e social....................................................... 10
1.2 Sobre a discriminação racial, as leis e as lutas políticas........................................ 12
CAPÍTULO 2 – O ENFRETAMENTO DO RACISMO NA ESCOLA.....................
2.1 Breve histórico da luta por cidadania e efetivação das pautas antirracistas no
Brasil..........................................................................................................................
2.2 O combate ao racismo na escola...............................................................................
2.3 A lei 10.639-2003 e o combate ao racismo no cotidiano em sala de aula..............
CAPÍTULO 3 – OBSERVANDO A QUESTÃO DO RACISMO NOS LIVROS
DIDÁTICOS DE SOCIOLOGIA....................................................
3.1Pratica docente...........................................................................................................
3.2 Analise dos livros didáticos .....................................................................................
CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................................................

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................... 37

RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo fazer algumas reflexões sobre a discriminação racial
presente na sala de aula e tenta contribuir na luta para que a cidadania chegue plenamente à
estudantes negros. Longe de pretender concluir esse tema, nossa intenção é colaborar sobre
como podemos superar a prática do racismo no processo de ensino e aprendizagem num país
marcado por seu longo passado escravagista. Assim, além de uma pesquisa bibliográfica sobre
o tema o racismo na escola, é apresentado um breve histórico sobre como os movimentos de
luta pela cidadania da população negra ganharam força no Brasil durante a redemocratização,
o surgimento do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e da lei 10.639/2003 e suas
implicações no combate ao racismo na educação. Por fim, é feita uma análise sobre como os
livros didáticos tem abordado o racismo na escola, para tanto, utilizamos os livros “Tempos
modernos, tempos de sociologia” da editora Brasil (2010) e “Sociologia em movimento” da
editora Moderna (2013).
Palavras-chave: Racismo; Educação Básica, Cidadania.

ABSTRACT
The present work aims to make some reflections on the racial discrimination present in the
classroom and tries to contribute in the fight for citizenship to reach fully black students. Far
from wishing to conclude this topic, our intention is to collaborate on how we can overcome
the practice of racism in the process of teaching and learning in a country marked by its long
slavery past. Thus, in addition to a bibliographic research on the subject of racism in school,
a brief history is presented on how the struggle for citizenship of the black population gained
strength in Brazil during the re-democratization, the emergence of the Statute of the Child and
Adolescent (ECA) and law 10.639 / 2003 and its implications in the fight against racism in
education. Finally, an analysis is made of how textbooks have dealt with racism in school, for
which we use the books "Modern times, sociology times" of the publishing house Brazil (2010)
and "Sociology in movement" of Moderna (2013).
Keywords: Racism; basic education; citizenship

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INTRODUÇÃO

A discriminação racial no Brasil continua sendo um fenômeno social presente na
formação e desenvolvimento das crianças negras em nosso país. Da simples “brincadeira” feita
por um colega de escola até o modo como é trabalhado o conteúdo do livro didático, muitas são
as características da prática do racismo e do seu questionamento, que podem ser verificadas no
âmbito escolar. Esse ambiente no qual gerações e gerações tem se formado contribui para
dificultar o não reconhecimento da identidade racial do povo negro e a consequente reprodução
do racismo.
É esse contexto histórico e social que nos levou a um estudo sobre racismo na educação
básica e as implicações no processo de ensino aprendizagem da criança negra na Educação.
Nosso objetivo é tecer algumas considerações a fim de contribuir com a discussão desse tema
na tentativa de somar força no combate à discriminação racial nas escolas. Evidentemente, não
se propõe aqui – em hipótese alguma – apresentar nossas considerações como acabadas ou
como capazes de esgotar o tema. Temos apenas o intuito de contribuir com uma pequena parcela
na reflexão sobre as questões que envolvem a luta contra o racismo no campo da educação,
especialmente no Ensino Médio.
A crescente retomada de posições explicitamente racistas por setores da sociedade
brasileira, somada com o racismo velado – e por inúmeras vezes – naturalizado em nossas
relações sociais, assim como o fato de eu ser negra e testemunhar cotidianamente o racismo
imbricado em todas as esferas sociais foi o que nos levou a escolha do tema. A especificação
de se analisar o racismo no campo educacional veio em consequência de considerarmos a escola
(em especial a educação básica) como um dos principais meios de formação e desenvolvimento
dos indivíduos enquanto seres sociais.
Diante do citado acima foi elaborado o seguinte questionamento: O racismo é uma
questão social e, portanto, está presente nas escolas. Sua importância neste lugar tem a ver com
a formação de crianças e jovens, com o desenvolvimento profissional de seus professores e com
a valorização da escola como um espaço de pertencimento para todos os envolvidos.
Utilizando como metodologia para o desenvolvimento desse trabalho a pesquisa
qualitativa feita através de pesquisa documental e bibliográfica, sendo assim necessária a
leitura, seleção e interpretação de textos, artigos, livros, sites e livros didáticos para melhor
adequação ao conteúdo.

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Dividimos o trabalho em quatro capítulos. No primeiro, buscamos caracterizar
brevemente o racismo, traçando linhas gerais sobre sua origem histórica no Brasil e o processo
de naturalização das relações racistas. Em seguida, apontamos a luta por diretos humanos,
relacionando a questão racial com o surgimento e crescimento dos grupos e coletivos de lutas
política e jurídica, assim como a criação do Estatuto da Igualdade Racial. No segundo,
assinalamos alguns pontos históricos e algumas conquistas angariadas pelos movimentos
sociais no campo dos direitos humanos e de combate ao racismo, culminando na criação do
Estatuto da Criança e do Adolescente e da lei 10.639-2003.Dedicamos o terceiro capitulo a
análise de dois livros didáticos de sociologia distribuídos pelo Ministério da Educação em
escolas públicas: “Tempos modernos, tempos de sociologia” da editora Brasil (2010) e
“Sociologia em movimento” da editora Moderna (2013). Observamos nesses dois livros alguns
pontos que julgamos importantes, como o espaço dedicado em cada um deles ao tema, os
elementos didáticos propostos para o estudo do conteúdo e os referencias teóricos utilizados
pelos autores. Também acrescentamos a experiência do meu estagio supervisionado a fim de
fazer algumas observações das relações em sala de aula – ou a ausência delas – entre
professores, alunos e o livro didático relacionadas ao nosso tema. E por fim, o quarto capítulo,
onde fazemos as considerações finais.
Perante o exposto a pesquisa teve como objetivo geral discutir o racismo nas escolas
de educação básica. E como objetivos específicos contextualizar historicamente o racismo;
refletir sobre as normas antirracistas (leis e orientações oficiais) na educação escolar; observar
a importância dos professores no tratamento à questão do racismo nas escolas; relacionar o tema
racismo com a experiência do estágio supervisionado e o uso dos livros didáticos.
Não há dúvidas sobre a imensidão dos desafios para se superar a discriminação racial
no Brasil. Também não temos dúvidas sobre ser a educação um dos principais caminhos para
se lograr êxito nessa questão. Refletir sobre como podemos combater o racismo na sala de aula,
para efetivamente pensarmos uma educação capaz de criar uma identidade dos alunos negros
com sua própria história é um passo fundamental na direção defendida neste trabalho

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CAPÍTULO 1 – UM BREVE DEBATE SOBRE RACISMO E DIREITOS HUMANOS

Este capítulo trata da prática social da discriminação racial, a partir de sua conceituação
no campo das ciências sociais, numa perspectiva histórica e também sobre a cobertura legal
básica para combatê-la.
As diversas formas em que o racismo tem se configurado ao longo dos últimos séculos,
levou a nossa sociedade a reproduzir o racismo como parte integrante do conjunto das relações
sociais.
Entendendo o racismo como uma prática social excludente ou segregadora, deve-se
pensar sobre ela do ponto de vista dos direitos, dos movimentos de defesa da juventude negra,
na qual está inserida boa parte da população jovem no Brasil. Neste sentido, as várias tentativas
de implementação dos direitos humanos e leis voltadas ao combate destas práticas, serão
apresentadas com um enfoque maior às leis aprovadas no Brasil direcionadas à esfera
educacional.

1.1 O racismo do ponto de vista histórico e social

O debate sobre o racismo apresenta várias vertentes, pois, ele se renova a cada mudança
da sociedade, em cada conjuntura social e política. Campos afirma (2017, p. 1) que as
elaborações e estudos sobre o racismo assumem três dimensões básicas ao ser objeto das
Ciências Sociais: a estrutural, a ideológica e a prática. A primeira é quando se considera as
estruturas socialmente construídas ao longo da história alicerçadas pelas sociedades escravistas;
a segunda diz respeito aos estudos e pesquisas que procuraram explicar a inferioridade da raça
negra; a terceira dimensão se realiza e se realizou num conjunto de práticas sociais que
expressam conteúdos racistas.
Campos (2017, p. 16) assinala que a compreensão da complexidade do racismo pode
ser aprofundada se considerarmos “o formato contemporâneo que o racismo vem assumindo”,
as diferentes maneiras de conceituá-lo e as lutas antirracistas.
Ao longo da história diversos contextos se apresentam, e o racismo, que inicialmente é
um dos alicerces da sociedade escravista, acompanha essas transformações e vai se adaptando
ao conjunto das relações e práticas sociais. Os negros foram escravizados, vistos como animais
e por muito tempo foram humilhados, espancados, não tinham seu espaço e viviam apenas para
trabalharem, se reproduzirem e morrerem.

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Podemos perceber que o racismo existente em nossa sociedade é uma herança de um
passado distante, no entanto, cada vez que um ato de racismo é cometido reafirmamos valores
e comportamentos que continuam a tratar os negros de forma desrespeitosa ou mesmo
desumana, ainda que eles representem uma parcela significativa da população, como se
servissem apenas como mão de obra, ou no mínimo pessoas com menos direitos. Essa herança
atravessa as mudanças do capitalismo e vem acompanhando suas modificações estruturais e
conjunturais, trazendo consigo muitas vezes a concepção de que os negros são inferiores e
desprovidos de capacidade.
Feres Junior (2006, p.164) afirma que a libertação dos escravos (1888) mudou a
condição legal (carteira assinada, e abertura do acesso aos direitos em geral), mas não resultou
em uma modificação significativa de sua posição social. O autor atribui esse fato à falta de
habilidade e preparo dos libertos para o trabalho livre e para a competição por postos no novo
modelo de sociedade que surgia. Em consequência disso, sobraram para os negros as ocupações
mais degradantes e periféricas da economia rural e urbana, o que os manteve presos aos estratos
sociais mais baixos.
Mesmo com a abolição, os negros continuaram sendo vistos por boa parte da população,
e continuam até hoje, em pleno século XXI, como seres inferiores e que só conseguem
desenvolver atividades profissionais que não são valorizadas economicamente no conjunto da
sociedade. Depois da escravidão eles tiveram que se adaptarem a um novo modelo de vida na
sociedade moderna que se firmava. Dessa forma, os negros foram jogados à própria sorte na
República que se instalou, seguindo uma organização social e política elitista, ou seja, favorável
apenas aos mais ricos e, em geral, brancos.
Restou-lhes o subemprego com pouca ou nenhuma remuneração. E em muitos casos,
também em função do analfabetismo e da pequena qualificação profissional, não eram
contemplados pelas relações legais do trabalho assalariado nos grandes centros urbanos e
também no interior do Brasil.
Em outras palavras, o que veio da Europa não foram só os valores do reconhecimento
do mérito e da igualdade legal, mas também esquemas de valores que atestaram, com a força
de verdade científica, a inferioridade dos negros e dos mestiços (FERES JUNIOR, 2006, p.170).
Então os negros passam a acreditar que para serem tratados como “gente” devem ser
“iguais” aos brancos, fazendo com que os negros neguem suas origens, colocando em xeque a
capacidade de construírem sua própria identidade. Modificam seu modo de vestir, comer, falar,
suas práticas religiosas, gosto musical, dentre outros, no intuito de se sentirem pertencentes
aquela sociedade e não como seres primitivos. Com isso, os negros passam a se auto afirmarem

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como mulatos ou pardos. Poucos se assumem como negros reafirmando um lugar de
inferioridade, e muitos, até hoje não se sentem bem quistos na sociedade.
Essa espécie de dualidade entre aqueles que se reconhecem enquanto negros e se auto
afirmam como tal e aqueles que acreditam que devem ser iguais aos brancos, tem se modificado
ao longo dessas últimas décadas e tem ganhado novos traços e características no seio da
sociedade, graças à luta política que alguns grupos de negros empreenderam em busca de
reconhecimento de direitos e identidades.

1.2 Sobre a discriminação racial, as leis e as lutas políticas

No Brasil, a intolerância com negros é compreendida como uma marca. Uma marca que
se revela imediatamente pela aparência, ou seja, pelas características de cada pessoa, como a
cor da pele, o tipo de cabelo e o formato facial (boca e nariz). Dessa maneira, quanto mais as
características físicas dos indivíduos de aproximarem do formato dos negros, as formas de
discriminação racial podem ocorrer.
O especialista em Direito Antidiscriminatório Adilson José Moreira (2017, p.195)
afirma que em toda a discussão que envolve o conceito de discriminação a ideia central é que
ele produz desvantagens e envolve toda a sociedade de forma a se reproduzir de muitas
maneiras. Esclarece que a discriminação, embora possa ser identificada individualmente (por
quem agiu ou sofreu a ação preconceituosa) é um fenômeno coletivo que reforça a ideia de que
alguns grupos sociais são inferiores e outros são superiores. Assim, entendemos aqui que
preconceito racial se assemelha à discriminação racial.
Mas não é só através dessas características que podem vir acontecer preconceitos, pois,
existem ainda diversas maneiras de discriminação racial. As explicações teóricas que trataram
do tema do racismo também nos ajudam a entender a sua grande penetração em toda a
sociedade. Uma delas é a ideia de raça, onde a mesma é baseada nas diferenças biológicas. Isso
acaba gerando uma separação entre brancos e pretos, como pode ser observado em Guimarães
(1999, p. 108) quando afirma que “a ‘raça’ é uma forma de carisma ou estigma grupal baseada
na crença de uma herança genética que define o valor moral, intelectual e psicológico de um
indivíduo ou de um grupo”.
Por outro lado, entender o racismo como problema social nos leva a pensar como ele é
tratado do ponto de vista jurídico-legal, ou seja, a prática do racismo frente aos direitos de
pessoas que sofrem o racismo. Moreira (2017, p.193) afirma que todo tipo de discriminação é
sempre uma violação da lei, já que esta supõe igualdade entre as pessoas. Entretanto, é também

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na abordagem das leis que encontramos motivos para entender a importância da defesa dos
direitos humanos e especialmente das lutas antirracistas.
Os direitos humanos são responsáveis por tentar garantir as necessidades básicas de cada
pessoa, resguardando o princípio de que todos são iguais perante a lei, como nota-se desde a
Constituição Federal de 1988, ainda em vigor. Esses direitos não podem ser violados por puro
preconceito, cabendo à lei regular atitudes discriminatórias, garantindo às pessoas a preservação
de seus direitos fundamentais, em especial, sua dignidade. O ato de discriminar o próximo por
si só, fere esse princípio de dignidade, tendo em vista que todos são iguais perante o Estado,
não devendo haver distinção ou tentativa de imposição de uma raça sobre outra, conforme
expresso na Constituição Federal de 1988: Art 5º: todos são iguais perante a lei, sem distinção
de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, a segurança e a propriedade.
Embora existam leis para punir atos discriminatórios, a sociedade preconceituosa ainda
propaga de maneira direta ou indireta condutas racistas. Alguns comportamentos racistas
podem ser evidenciados claramente em nosso dia a dia, quando ocorrem as ofensas, os
xingamentos, ou até mesmo a violência física. Esses atos afetam de maneira direta e veloz o
indivíduo insultado.
Por outro lado, a descriminação indireta é proveniente de uma atitude racista não visível.
Sorrateiramente para não chamar atenção de possíveis atos discriminatórios e para não ir de
encontro com normas existentes, mas de modo sutil alguns atos silenciosos de preconceito são
cometidos nas relações sociais. Entrevistas de emprego são um bom exemplo onde negros são
desfavorecidos, pois na disputa por vagas entre pessoas com a mesma qualificação, mas com
diferente cor da pele, está se torna um fator decisivo. De acordo com Guimarães (1999, p.109)
“O racismo brasileiro, quando publicamente expresso, surge
através de um discurso sobre a inferioridade cultural dos povos
africanos e o baixo nível cultural das suas tradições e de seus
descendentes. O racismo atravessou duas grandes fases: da
discriminação racial aberta, mas informal e secundada pela
discriminação de classe e de sexo, que gerava uma segregação de fato
dos espaços públicos e privados (praças, ruas, clubes sociais, bares e
restaurantes) e a fase atual, quando, com a discriminação e a segregação
raciais sob fogo, apenas os mecanismos estritos de mercado
(discriminação de indivíduos e não de grupos) ou psicológicos de
inferiorização de características individuais (ou auto discriminação)
permitem a reprodução das desigualdades raciais”.

Uma das principais questões sobre o problema da discriminação é reconhecer a sua
presença em determinados atos. Quem sofre o constrangimento e a humilhação de ser diminuído

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em razão de sua cor, compreende o quanto é triste ter a certeza de que sofreu descriminação,
pois, acabou “sentindo na pele”. É necessário que as pessoas percebam que estão sendo
descriminadas em razão da cor da pele e façam as devidas denúncias, pois racismo é crime. A
lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989(DOU,1989, p. 369) define os crimes resultantes de
preconceito de raça ou de cor. Deixando claro em seu Art. 20 que :
Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor,
etnia, religião ou procedência nacional. (Redação dada pela Lei nº 9.459, de
15/05/97);
Pena: reclusão de um a três anos e multa. (Redação dada pela Lei nº
9.459, de 15/05/97)”.
Como exposto, sabemos que existem diversos fatores sociais, econômicos e culturais
responsáveis pela reprodução cotidiana do racismo. Contudo, é comum ouvir que a
discriminação não se dá apenas em razão da cor da pele, mas também por questões econômicas.
De fato, pode acontecer de uma pessoa de cor branca e rica ter um melhor tratamento em relação
a uma pessoa de cor preta e pobre. Mas todos, em geral, discriminam pessoas pobres. Em razão
disso, é necessário que além das leis que possam defender a qualidade de vida para todos, se
faça a propagação de políticas públicas no combate à discriminação racial, como é o caso do
Estatuto da Igualdade Racial, Lei Nº 12.288, de 20 de Julho de 2010.
O Art. 1o esta Lei institui o Estatuto da Igualdade Racial, destinado a
garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a
defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à
discriminação e às demais formas de descriminação racial (BRASIL, 2010, p.
14)

Mesmo com todo o histórico de racismo no Brasil e no mundo, é comum se ouvir de
setores da sociedade e mesmo por parte do Estado, que não há discriminação racial. Contudo,
é importante destacar o trabalho de diversos movimentos de combate ao preconceito racial, que
tem sido instrumento fundamental para evidenciar na sociedade a existência efetiva da
segregação social em virtude da cor da pele. Ou seja, as leis são necessárias na luta contra o
racismo, embora não sejam suficientes, inclusive porque o cumprimento das leis também se dá
de forma diferente entre os vários grupos sociais. Na pauta de muitos movimentos sociais que
defendem direitos da população negra está presente a reivindicação pelo cumprimento de leis.
A própria existência dos movimentos pode ser entendida como um indicador de que as leis não
estão sendo cumpridas.
Os movimentos sociais que lutam todos os dias contra o racismo são de suma
importância, em virtude de darem visibilidade ao fato de que ninguém tem o direito de

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menosprezar o próximo por conta da cor da pele. É uma luta árdua, com avanços e recuos. Na
história recente do país, principalmente pós-redemocratização, podemos citar o Coletivo
Nacional de Juventude Negra (ENEGRECER), criado em 1999, a Associação Brasileira de
Pesquisadores Negros (ABPN), fundada em 2000, e a União de Negros pela Igualdade
(UNEGRO), que surgiu em 1988.
O Coletivo Nacional de Juventude Negra (ENEGRECER) surge como um espaço para
auto-organização da Kizomba, grupo político formado por jovens negros que atuavam como
corrente política interna dentro da União Nacional dos Estudantes (UNE). Após 10 anos, em
2009, na cidade de Salvador, deliberaram por atuarem também em outros espaços, deixando de
se restringir ao movimento estudantil. Desde então, o movimento tem realizado diversas
atividades e participado de diversas lutas em âmbito nacional.
A Associação Brasileira dos Pesquisadores Negros (ABPN) foi fundada na
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), tendo como finalidade o ensino, pesquisa e
extensão de temas de interesse das populações negras do Brasil. Aporta integrantes em todas as
regiões do país e, nestes 18 anos de existência já realizou dez congressos nacionais para
promoção de suas atividades.
A União de Negros e Negras pela Igualdade (UNEGRO) foi criada na cidade de
Salvador, por um grupo pequeno de militantes negros para articular a luta contra o racismo e
combater as desigualdades. Atualmente conta com 12 mil filiados, distribuídos nos 26 estados
do Brasil e tem se tornado referência mundial no combate ao racismo.
Sobre Alagoas, recentemente foi criado o Instituto do Negro de Alagoas-INEG AL,
organização não governamental que tem como objetivo a promoção da população negra do
Estado nas esferas pública e privada, por meio do incentivo e à pesquisa e estudos voltados a
elaboração da historiografia do povo negro. Sua primeira publicação foi em maio deste ano,
quando foi lançado o livro: “Cabeça preta: pesquisas sobre a questão racial em alagoas”, no
qual foi possível reunir diversos autores negros e negras que puderam expor seus trabalhos
sobre a realidade dos negros no estado.
Todos estes movimentos foram – e são – importantíssimos para a efetivação de
mecanismos capazes de assegurar minimamente, as condições de luta dos ativistas que lutam
contra o racismo. O pouco que conseguem dissipar a respeito da discriminação racial se torna
uma grandiosa vitória diante do vergonhoso passado escravagista e da frequência com que
vemos acontecer casos de racismo em nossa sociedade.
Além das lutas políticas necessárias, há outro caminho igualmente importante que é a
preocupação da formação do indivíduo enquanto ser social. Nesse sentido, educar as crianças e

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jovens numa perspectiva que questione o racismo e o aponte como algo que pode ser mudado
se faz de extrema urgência; este assunto será enfatizado no próximo capítulo.
A formação dos indivíduos por meio da educação transita em diversas esferas da vida
de cada um e está presente no conjunto das relações sociais, em cada sociedade. Isto torna a
luta pela implementação de políticas propositivas por meio do Estado brasileiro (e suas
unidades federativas) relativamente complexa, uma vez que existem outras políticas públicas,
além da educacional, que dizem respeito à dignidade do ser humano, como aquelas da área de
saúde, moradia, meio ambiente, etc.
Não cabe aqui discorrer sobre o processo cognitivo e de formação da personalidade de
cada indivíduo. Contudo, desde os primeiros contatos sociais da criança até a sua formação
adulta, existem várias possibilidades de intervenção por meio de políticas que podem ser
experimentadas pela sociedade e que tenham como finalidade o combate ao racismo. A
formação escolar tem um papel central neste processo.
Dessa forma, ressalta-se a importância das políticas públicas voltadas para combater o
racismo no Brasil no âmbito da educação, pois, para a contribuição deste trabalho, o que vai
interessar são as ações que apontem à superação do racismo que vá para além das ações
punitivas e repressivas.
A cobrança para a execução dessas políticas tem ganhado muita força. A relação do
Estado brasileiro, após a redemocratização, com organismos e países internacionais em acordos
que versam sobre normas de combate à discriminação racial no mundo, tem se aprofundado e
contribuído significativamente, para a inserção de grupos da sociedade civil que lutam pela
efetivação das políticas chamadas afirmativas ou inclusivas, como afirma Godinho (2009, p.79)
que ao serem instituídos canais mais amplos e diretos de acesso de grupos organizados ao
processo decisório, os processos de preparação e de implementação das recomendações de
Durban (2001)geraram condições favoráveis à atuação governamental com o objetivo de
reduzir desigualdades raciais.
Ainda de acordo com autor, tais condições favoreceram a implementação de programas
de ação afirmativa no país, os quais já integravam há tempos, o rol de demandas do movimento
negro.
As recomendações de Durban, as quais Godinho faz referência, foram o resultado da
Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância
Correlata, realizada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em setembro de 2001, na
cidade de Durban, na África do Sul. Essas recomendações foram fundamentais para diversas

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campanhas políticas pelo mundo, inclusive no Brasil, para que os estados criassem e
viabilizassem políticas públicas de combate ao racismo.
A pressão exercida pela comunidade internacional nos acordos de combate à
discriminação racial no mundo somada aos movimentos nacionais, levou a criação de vários
espaços de discussão e deliberação sobre o combate ao racismo no Brasil, inclusive em
instâncias do poder executivo, facilitando a aprovação de programas de ações afirmativas, que
há tempos faziam parte das demandas do movimento negro, em especial no âmbito do sistema
educacional.
As cotas no ensino superior público e a lei que institui o ensino de História da África e
cultura afro brasileira e africana nas escolas públicas e particulares são exemplos de ações
governamentais propositivas, que também resultam da luta política. Como a preocupação deste
trabalho é pensar sobre o racismo nas escolas de ensino médio, não serão discutidas as políticas
de cotas que incidem sobre as universidades.
À medida que os avanços e conquistas foram abrindo caminho para a autoafirmação das
características individuais dos membros da população negra frente à sociedade, foi-se criando
novos espaços de pertencimento em diversos setores que, até então, eram restritos aos brancos.
Isso vem contribuindo como uma arma a mais de combate a segregação racial, no sentido de
rompimento das barreiras “invisíveis” da discriminação indireta já citada.
Ao se referir às várias formas de socialização desenvolvidas por crianças e jovens,
Gadea (2013, p. 563) chama a atenção para novas configurações das relações entre estudantes
negros , ao introduzir um distanciamento com o (suposto) "grupo primário" do pertencer, ao
ingressar em múltiplas atividades e fazer parte de novos "círculos sociais", desenvolvendo uma
experiência negra que se percebe situada num "ponto de interseção" dos grupos que, por um
lado, os vinculam com outras pessoas e modos de vida e, pelo outro, de forma fundamental,
com os outros jovens negros.
Ainda de acordo com autor, todo esse processo social e esse diagnóstico sobre as novas
formas que a experiência negra adquire, na atualidade, sugerem compreender que
a individualização e a diferenciação social, pelos intercruzamentos de sociabilidade que
permitem, constituem uma condição para o desenvolvimento de novas afiliações a grupos e, de
maneira fundamental, para a própria expansão do espaço da negritude.
Sem ter a pretensão de esgotar o debate no campo das Ciências Sociais sobre o racismo
e suas diversas formas de difusão, queremos olhar para algumas questões que colocam o
racismo em sala de aula.

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As ações políticas colocadas em prática por diversos grupos e por várias gerações ao
longo destas últimas décadas, nos permite afirmar que o conhecimento sobre este passado
recente é importante para que os próximos passos possam lograr mais êxitos. A criação de leis
antirracistas, as políticas públicas e todos os organismos coletivos de combate à discriminação
racial evidenciam que as nossas forças têm – e devem ter – foco em todas as dimensões e esferas
sociais.
Sendo assim, também se faz necessário se aproximar cada vez mais dessa complexidade
em que se reproduz e se configura o racismo nos dias atuais. Com vimos, a nossa estrutura
social tem como uma de suas bases o racismo, que tem se reapresentado por meio de ideias e
práticas racistas colocadas e reproduzidas por grupos e indivíduos, mesmo após o surgimento
e disseminação de leis antirracistas.
Como afirma Campos (2007, p 18) para entendermos o racismo na contemporaneidade
é preciso explorar os conceitos que envolvem o tema, sua historicidade e compreendermos
melhor as lutas antirracistas. A discriminação se apresenta de forma cada vez mais complexa e,
é preciso compreendê-la para continuarmos a avançar e termos possibilidades de mais vitórias
contra o racismo. Mesmo no atual cenário de ressurgimento e crescimento de ações e práticas
racistas.

1.3 Breve histórico da luta por cidadania e efetivação das pautas antirracistas no Brasil
Podemos entender a luta pelos direitos dos negros do ponto de vista de sua inserção no
conjunto dos direitos humanos e como bandeira de luta de grupos negros organizados, durante
o século XX, mas também é importante dizermos que associações de negros existiram bem
antes. Além dos Quilombos, que foram comunidades negras de resistência política e cultural,
existiram várias associações religiosas e de lazer em várias partes do País. A grande diferença
entre estas associações está no fato de serem organizadas pelos próprios negros ou organizadas
para os negros. O ponto comum é a reunião de negros pobres carentes de vários tipos de
assistência.
É sabido que desde o século XVIII temos algumas organizações religiosas católicas,
como a irmandade dos pretos que acolhiam e prestavam assistência social aos pretos pobres.
Em Alagoas, segundo o historiador Ernani Méro (2015), A Irmandade do Rosário dos Pretos
foi criada em Maceió, Penedo e Marechal Deodoro, em 1830. Já as comunidades religiosas de
matriz africana, o candomblé e a umbanda, irão aparecer em Alagoas na primeira metade do
século XX.

19

Estas associações que reuniam pessoas negras com reivindicações específicas
encontrarão no debate sobre direitos humanos no Brasil o apoio para a sua expansão e
consolidação.
É no fim da segunda guerra mundial (1945), quando o mundo começa a direcionar a sua
reconstrução, no bojo das discussões sobre a elaboração de leis e postulados que pudessem
garantir direitos humanos universais, após as atrocidades inimagináveis da guerra, que as
políticas públicas de combate as mais variadas formas de discriminação começam a ganhar
força em diversos setores da sociedade e instituições do Estado. E aqui, o combate ao racismo
vai ser questão central a ser contemplada nos resultados apresentados pelas convenções e
espaços criados pelos estados e seus organismos e acordos internacionais.
A discussão internacional sobre direitos humanos
iniciou-se logo após o genocídio imposto pelo nazismo na
segunda guerra, culminando com a declaração universal dos
direitos humanos de 1948 e ratificada na declaração universal
dos direitos humanos de Viena, em 1993. Estas declarações
introduzem uma concepção de direitos humanos universais e
indivisíveis (FERNANDES; PALUDETO, 2010, p. 234).

É durante o regime militar (1964-1985) que os movimentos sociais vão dar corpo a pauta
em torno dos direitos humanos. No fim dos anos 70 e início dos anos 80 há um enfraquecimento
do poder político dos militares diante das manifestações pela redemocratização, o que ajudou a
implementação paulatina de políticas públicas voltadas a promoção dos direitos humanos
básicos aos excluídos da cidadania.
No Brasil, logo após a constituição de 1988, houve em
1989 a ratificação da convenção de Haia, dos direitos da criança
e dos adolescentes e, em 1990, foi aprovado o estatuto da criança
e do adolescente (ECA) e a lei de diretrizes e bases da educação
(LDB n. 9.394/1996). (FERNANDES; PALUDETO, 2010, p.
236).

Com as transformações políticas pelas quais passavam o Brasil durante a
redemocratização veio a abertura para que a sociedade civil pudesse intervir nas diretrizes e
rumos da educação. A aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), lei n. 8.069,
aprovada em julho de 1990, foi sem dúvida um dos principais avanços angariados pelos
movimentos sociais frente aos novos desafios que nossa sociedade tinha pela frente após o
período militar.
Cada item presente no ECA vai carregar consigo o peso de combater as desigualdades
socais, econômicas e étnicas existentes no país. Aqui, vale ressaltar uma dessas premissas:
ART16. O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos:

20

I – Ir vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, as
restrições legais;
II – opinião e expressão;
III – crença e culto religioso;
IV – brincar, praticar esportes e divertir-se;
V – participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação;
VI – participar da vida política, na forma da lei;
VII – buscar refúgio, auxílio e orientação. (BRASIL,2017, p .25-26)

Contudo, o combate ao racismo vai ser um dos principais fatores condicionantes para se
lograr êxito dentro do proposto no ECA na busca por igualdade na educação, pois, ainda
segundo (Fernandes e Paludeto, 2010, p. 239) “vivemos em regime de organização
patrimonialista que não se propõe a igualdade, mas a indiferença pelos pobres, pelos moradores
de rua, pelas favelas, pelos negros, pelos “com” educação e “sem” educação”. Como
convivemos por mais de 300 anos com a escravidão, todas essas designações apontadas pelas
autoras acabam por evidenciar o abismo ainda existente entre a realidade vivida pelos negros e
a cidadania.
Escolhemos pensar sobre o racismo nas escolas para uma melhor compreensão dessa
complexidade, pois tomamos a escola como um dos lugares centrais na elaboração dos
processos de sociabilidade, como amplamente nos aponta a literatura, e o faremos no próximo
capítulo.

21

CAPÍTULO 2 – O ENFRETAMENTO DO RACISMO NA ESCOLA

Conforme afirmamos no capítulo anterior, decidimos estudar a discriminação racial na
Escola, pois acreditamos que a educação é um dos pilares da sociabilidade capaz de fomentar
em cada geração os valores, práticas e saberes que podem vir a contrapor a discriminação racial
presente nas escolas e, portanto, em nossa sociedade.
Como não poderia deixar de ser, no campo educacional encontramos diversos
mecanismos, explícitos ou não, de reprodução de formas racistas de convivência. Não é difícil
encontrarmos evidências de que cor da pele faz diferença no que diz respeito ao acesso e à
permanência da população negra no ensino formal.
Considerando que os dados públicos são provenientes de auto declaração, o que nos
remete à questão da identidade, construída durante mais de 300 anos numa estrutura social
marcadamente escravagista e excludente, é importante observarmos que há um crescimento no
auto reconhecimento da população negra, como nos informam os dados PNAD nos últimos
anos. Para 2017, esta mesma fonte informa que 54,9% da população brasileira se declararam
parda (46,7%) e preta (8,2%); enquanto o percentual de alunos do ensino médio que estavam
na série esperada para a idade, foi de 76,4% de brancos e 63,5 de pretos e pardos.
Para termos uma ideia do tamanho deste problema, temos no Relatório do Sistema de
Avaliação da Educação Básica (SAEB, 2018) que do total de matrículas no Ensino Fundamental
e no Ensino Médio 38% foram feitas por alunas, alunos ou seus responsáveis que se consideram
negros ( 3%) ou pardos (35%), contra 31% de brancos e 30% não declararam cor ou raça.
Quanto aos professores, 27% se declararam pretos (4%) ou pardos (23%) contra 43% de
brancos e 28% que não declararam sua cor. Estes números nos informam que a população negra
e parda envolvida nas escolas é enorme, e também que a ausência de declaração nos diz alguma
coisa sobre a dificuldade do auto reconhecimento. Além disso, pesquisas e movimentos
denunciam que a classificação parda oculta a identificação da população negra, da qual faria
parte.
Com assinalou Maria Elena Vianna Souza (2012, p. 149), a partir da pesquisa que
coordenou em escolas de Educação Básica, no Rio de Janeiro “a importância dos debates sobre
a problemática racial da população negra brasileira para que seja possível refletir sobre a
situação desvantajosa em que se encontra essa população”. Aponta para a necessidade de
professores e gestores escolares buscarem cotidianamente práticas antirracistas, que estimulem
uma identidade positiva entre as crianças negras.

22

O pressuposto contido nas leis que defendem direitos da população negra e nas pautas
dos movimentos negros é que este grupo social busca cidadania. Esta é aqui entendida como a
condição de participação de todos na sociedade, do ponto de vista político, social e econômico.
Assim, pensar sobre cidadania numa sociedade de desiguais requer uma maior observação sobre
as diferenças que compõem. E o nosso tema – racismo nas escolas – pode nos esclarecer alguns
aspectos destas desigualdades. Sem ousar esgotar este assunto, queremos entender melhor como
a luta antirracista enfrenta o problema do racismo nas escolas.

2.1 O combate ao racismo na escola

Além dos apontamentos feitos no primeiro capítulo sobre o racismo presente em nossa
história, temos também a escola como um dos principais locais de reprodução do racismo. Tanto
no que se refere ao conteúdo dos livros didáticos, que iremos abordar no próximo capítulo,
quanto em relação às práticas de ensino e aprendizagem que acabam por camuflar a diversidade
racial tão marcante no Brasil.
Estas práticas presentes nas escolas são o resultado de um sistema educacional
reprodutor do conjunto das ideias dominantes, como apontado por Fernandes e Paludeto:
É evidente que a educação, escolar ou não, está sempre
vinculada à ideologia que perpassa a sociedade na qual ela
está inserida. Consequentemente, então, temos no Brasil,
uma educação escolar ainda influenciada por uma
ideologia racial que vê o negro como inferior (2010, p.
136).

Esse conjunto de ideias acaba por naturalizar a discriminação racial, uma vez que
negligencia o processo histórico de escravização do negro como um processo político social. O
desafio para quem se propõe a pensar a superação dos problemas raciais da nossa sociedade se
faz justamente sobre como podemos equalizar essas diferenças historicamente construídas,
tendo a educação como um dos pilares para se alcançar tal êxito.
Diferenças essas que foram cristalizadas paulatinamente pelas classes economicamente
e politicamente prevalecentes ao longo da história, que sempre se auto reproduziram por meio
do cuidado da desigualdade e violência sociais. Não apenas a violência física como também a
recusa das inúmeras identidades presentes no Brasil para fundamentar sua dominação política
e econômica sobre o povo negro. Oliveira e Lins apontam que

23

[...]a noção de identidade nacional e de raça construídas no
Brasil permitiu a naturalização das desigualdades sociais,
e serviu para a restrição dos direitos de determinados
grupos e interferiu nos modelos discursivos e no sistema
escolar pós-abolição (OLIVEIRA E LINS 2012, p. 342).

É justamente essa noção de educação desenvolvida e mantida ao longo da história do
país que precisa ser modificada em nossas salas de aula.

Ao analisar as especificidades da

formação dos alunos e professores vivenciadas nas escolas, Souza (2012) nos aponta que:

Vivenciando o dia a dia escolar, percebe-se o quanto as
diferenças culturais entre alunos e professores influenciam
nas relações estabelecidas em tal espaço. Ora são as
diferenças provocadas pelas diferentes faixas etárias, ora
são aquelas provocadas pelo tipo de religião exercida, ora
são os valores internalizados que cada sujeito expresso
(SOUZA, 2012, p. 142)

São essas contradições que vão marcando a personalidade e as características de cada
indivíduo ao longo de sua formação social. A escola surge como um importante canal de contato
com outras culturas. No entanto, o nosso sistema patrimonialista acaba por prezar pela
indiferença aos diferentes (conforme foi destacado acima) e a escola acaba por corroborar com
essa reprodução social ao passo que
[...] as contradições culturais, econômicas e sociais
atingem os sujeitos sociais em suas vidas, em seus
objetivos, em seus cotidianos. Mas, a escola, em
nome de uma educação universal para todos, esquece
de tais contradições. Por essa razão, encontram-se em
jogo, suas identidades individuais e coletivas
(SOUZA, 2012, p. 142).
É necessário romper com essa lógica educacional que esconde de cada geração a sua
própria narrativa e que faz submergir as diferentes culturas e identidades raciais. Acreditamos
que essa é a proposta apresentada por Souza:
“É nesse sentido que entendemos a educação étnicoracial como forma de educar para a cidadania, ou seja,
a partir do momento em que a identidade das crianças
negras e mestiças afrodescendentes são valorizadas
para esse seguimento populacional possa se
emancipar cada vez mais e lutar por sua inclusão nos
espaços políticos, sociais e econômicos da sociedade
brasileira” ( SOUZA, 2012, p. 122).

24

É nessa mesma direção que apontamos a urgência de mudanças nas relações em sala de
aula, com as devidas modificações na formação dos professores e conteúdo dos livros didáticos,
assim como o aprofundamento das leis necessárias às essas mudanças.

2.2 A lei 10.639-2003 e o combate ao racismo no cotidiano em sala de aula

A lei de Diretrizes e Bases da Educação 10.639-2003 resulta desse histórico de luta dos
movimentos antirracista no Brasil, na medida em que tenta direcionar e alterar as bases da
educação nacional, ao instituir as diretrizes para o ensino e estudo da História e cultura Afrobrasileira e que bate de frente com essa naturalização do racismo.
Cabe frisar que, assim como as leis já citadas voltadas para a promoção da cidadania, a
lei 10.639 encontra diversas dificuldades para sua efetiva implementação. Contudo, é
necessário também afirmar que ela é um passo fundamental para o aprofundamento das
conquistas já realizadas pelos movimentos sociais de combate ao racismo.
Essa busca por uma educação capaz de dar ao negro uma experiência de pertencimento
social pela afirmação da sua identidade se faz urgente trazer ao debate a necessidade de se
desnaturalizar essa as relações discriminatórias. Em relação ao negro na escola é um passo
essencial no avanço da luta contra o racismo. Dessa forma, a experiência relatada por Oliveira
e Lins (2012), ao tratar a questão do racismo velado em sala de aula, demonstram bem como
essa questão aparece e como pode ser combatida.
O caso apresentado nesse trabalho fala de uma menina negra, aluna de uma escola do
Rio de Janeiro que, durante uma atividade fotográfica com sua professora fora chamada de
“macaca’. Este caso, assim como outros do mesmo tipo, motivaram os educadores da escola a
inserir rodas de conversa entre os alunos sobre o tema, visando a construção coletiva de
superação do racismo imbricado neste exemplo. Assim, Oliveira e Lins (2012) afirmam que:
[...]na concepção de partilha que as rodas trazem, temos a ideia
de retorno à pessoa, onde são produzidos significados e
aprendizados. A partilha pode ocorrer via dois canais: o oral, com
o conversar, e o escrito, com registros do vivido que podem
alargar as possiblidades do compartilhar, além de oferecer uma
condição privilegiada par a reflexão (OLIVEIRA; LINS, 2012,
p. 334).

Esse caso acabou por implementar no calendário dessa escola o debate permanente entre
alunos e professores sobre questões de discriminação e se ampliou, posteriormente, aos pais
dos alunos, a medida em que os resultados foram se mostrando satisfatórios.

25

Importante destacar aqui o quanto é fundamental a participação extra sala de aula na
formação dos alunos no que diz respeito ao combate do racismo. Uma vez que a escola é apenas
uma parte dessa formação, a inserção das demais instituições que fazem parte dessa formação
é fator determinante dessa construção.
Ainda segundo Oliveira e Lins (2012), um outro exemplo positivo que também pode ser
destacado foi o vivenciado no Colégio de Aplicação da UERJ em 2004, quando os educadores,
aproveitando o período das olimpíadas daquele ano na Grécia, acabaram por trazer à sala de
aula o tema sobre mitologia grega e sua contribuição histórica ao conhecimento humano. O
trabalho realizado conseguiu fazer um paralelo com as origens do povo brasileiro para além da
concepção romântica europeizada de junção harmônica entre brancos, índios e negros.
Como parte constitutiva dessa abordagem, a chamada
cosmovisão (lendas e mitologias) dos povos indígenas e
africanos; a origem dos números e das linguagens
matemáticas; a alfabetização cartográfica, com a
constituição do espaço geográfico e da história dos bairros,
a história de vida das nossas crianças, através da produção
de autobiografias (OLIVEIRA; LINS, 2012, p. 337).
Esse trabalho desenvolvido no CAp-UERJ, no qual se pode verificar o resgate da
identidade da história da formação social do povo negro, por meio da autoconstrução da
identidade individual, a partir do contexto vivenciado pelos alunos, demonstra um exemplo
concreto no qual é possível romper com a formação unilateral tão presente na educação formal
das escolas brasileiras.
Evidentemente, que esses dois casos por si sós não se apresentam como solução única
num país tão diverso culturalmente como o nosso. Assim como também não podem ser vistos
como uma solução que possa a vir a ser realizada de forma isolada de outras formulações na
estrutura e desenvolvimento dos projetos escolares. A saber, os próprios conteúdos dos livros
marcados pelo eurocentrismo , na maior parte do século XX, também devem, conjuntamente,
se transformarem nesse mesmo sentido, para que sirvam de base e deem possiblidades a
introdução dessa perspectiva de construção de novos saberes efetivamente voltados à inserção
de novas identidades pertencentes a cada seguimento da nossa sociedade, em especial, aos
negros que, até então, foram excluídos do conjunto das teorias e práticas educacionais. É esse
tema que iremos abordar no próximo capitulo.

26

Capítulo 3 – OBSERVANDO A QUESTÃO DO RACISMO NOS LIVROS DIDÁTICOS
DE SOCIOLOGIA E EXPERIÊNCIA DA PRÁTICA DOCENTE.

O programa Nacional do Livro Didático-PNLD, criado em 1937, passa a incluir a
disciplina Sociologia no ensino médio desde 2012. Até então, desde o final do século XIX,
diversos tipos de material didático davam suporte às aulas desta disciplina, como os manuais,
trechos de livros, de textos ou de matérias de jornal, cuja ordem e conteúdos eram escolhidos
pelos professores e/ou escolas.
Mesmo considerando que nem todos os professores utilizam o livro didático da mesma
maneira, que nem todas as escolas adotam efetivamente este livro e que em cada escola os

27

professores da disciplina escolhem os capítulos que irão trabalhar em sala de aula, e que esta
monografia não incluiu uma observação sistemática que pudesse analisar informações sobre o
seu uso, iremos fazer um exercício de crítica baseado na discussão que nossa pesquisa
bibliográfica apontou sobre questões relevantes sobre o racismo em sala de aula.
3.1-Pratica docente
Inicialmente quero registrar minha experiência durante as disciplinas Estágio
Supervisionado 1, 2, 3 e 4. Devido à falta de professores para estas disciplinas a carga horária
do estágio supervisionado 2 foi concluída entre setembro a novembro de 2014 e a carga horária
dos estágios 1,3,4 foi concluída entre abril e novembro de 2015.
Tive minha primeira experiência em sala de aula durante o estágio supervisionado 2,
nas aulas de Sociologia, as terças-feiras no 3º ano do ensino médio, na Escola Estadual Josefa
Cavalcante Suruagy, localizada na rua Dom Pedro II, Boca da Mata/AL, cidade onde moro. Já
nesse primeiro momento, foi possível observar a discrepância entre a proposta de ensino de
Sociologia – colocada pela Universidade - voltada para o ensino médio e como realmente ela
estava sendo trabalhada na escola
Nos Estágios 1, 3 e 4, realizados na mesma escola, tivemos encontros quinzenais para a
avaliação das atividades desenvolvidas na escola. Nesse período, pude contar com a orientação
da professora Genelva da Silva Pedrosa, que me auxiliou no entendimento da dinâmica escolar
nos quatro estágios.
Com formação em Pedagogia pela Universidade Estadual de Alagoas (UNEAL) e sem
formação em Ciências Sociais, a professora demonstrava dificuldades em trabalhar os
conteúdos em sala de aula. Muitas vezes, ficava evidente a falta de domínio sobre o conteúdo
do livro didático e alguns outros materiais colocados por ela (como recorte de jornais, letras de
músicas e reportagens de revistas), o que acabava por reduzir as aulas à explicações superficiais
sobre os assuntos e, em algumas vezes, passando-os como pesquisa a ser realizada em casa,
tendo como fonte o próprio livro didático, para ser entregue e apresentada na aula seguinte.
O estágio é um momento decisivo da graduação. Nele é possível manter contato com o
futuro ambiente de trabalho e analisar sobre se a escolha está sendo correta. Ter a oportunidade
de vivenciar a realidade dos professores em sala de aula contribui para formação do profissional
que se deseja ser e possibilita traçar o perfil a ser desenvolvido no momento do exercício da

28

profissão. Nesse contato, o estagiário pode imaginar suas futuras colocações sobre
determinados assuntos, qual a didática necessária para melhor explorar cada tema em
determinadas situações e a melhor maneira de manter uma boa relação com os alunos,
objetivando ter a atenção deles para o tema trabalhado.
Por outro lado, também foram constatadas as dificuldades da profissão e toda a
responsabilidade que temos ao entrar em sala diante da cruel realidade da educação no Brasil,
em especial, Alagoas. Toda a visão romantizada sobre ser professor – muito presente nos anos
iniciais da graduação - começa a se confrontar com os graves problemas e árduos desafios a
serem enfrentados. Ficaram evidentes os problemas que existem e que podem impedir o
exercício da sua função dignamente.
Por várias vezes, durante a prática docente, além da falta de alguns equipamentos
básicos como Datashow, DVD, som com entrada para pendrive, etc., pude constatar que a
professora não conseguiu tirar cópias do texto que queria trabalhar com os alunos, pois a
fotocopiadora da escola estava quebrada e sem previsão para conserto ou para a compra de uma
nova. Muitas vezes a docente precisou pedir dinheiro aos alunos (aos que pudessem e
quisessem) durante a aula para tirar as cópias para a aula seguinte, pois a mesma já havia
colocado do próprio bolso em oportunidades anteriores.
Outro fator negativo bastante significativo foi a verificação de que todos os alunos
recebiam os livros que seriam utilizados durante o ano letivo, porém muitos alunos chegavam
para aula sem eles. Outros nem abriam na página informada pela professora, o que chegava a
dificultar o planejamento pedagógico para o dia.
O trabalho fundamental do educador é despertar o senso crítico dos estudantes, fazendoos pensar e refletir sobre cada assunto desenvolvido nas aulas. O livro é uma ferramenta
essencial a ser explorado dentro dessa perspectiva. Infelizmente, ao contrário disso, o que
presenciei no estágio foram pesquisas para serem feitas em casa e apresentadas em sala, não
restando espaço para reflexões e questionamentos por parte dos estudantes.
Durante todo o período dos meus estágios o tema racismo não foi trabalhado em sala,
mas achei importante este registro, visto que, assim como aconteceu com outros temas,
provavelmente, o estudo sobre racismo também deve ter se dado sem muita discussão, e como

29

foi dito anteriormente, para trabalharmos com este tema é preciso discussão, reflexão e
acolhimento por parte da escola e dos professores.
3.2 Analise dos livros didáticos
Neste capítulo iremos analisar dois livros didáticos da disciplina Sociologia no Ensino
Médio sobre o tema racismo e/ou preconceito racial e/ou discriminação racial, com intuito de
observar a apresentação do negro no livro didático. Estes livros foram escolhidos porque foram
os livros didáticos indicados durante as minhas disciplinas de Estágio Supervisionado. Os
quadros a seguir sintetizam nossa observação. Vale observar que o primeiro livro foi
selecionado no PNLD 2012 e 2015 e o segundo no PNLD 2015.
Quadro 1- Livro Tempos modernos, tempos de sociologia. BOMENY, Helena & MEDEIROS.
Bianca Freire. Tempos Modernos, tempos de sociologia. Rio de Janeiro: Ed. do Brasil, 2010.
O livro é composto por três partes e vinte capítulos.
Nº de páginas do livro 280
do aluno
Nº de páginas do livro 343
do professor
Nº de capítulos do livro 20
do aluno
Capítulo do livro que Cap.16 “Desigualdade de várias ordens”
tratou
de
racismo/discriminação
racial/preconceito racial
Nesse capitulo o racismo foi apresentado em apenas dois tópicos
Observações
dentro da explicação dos autores sobre as mais variadas formas de
desigualdades sociais.
Texto baseado em Gilberto Freyre e Oracy Nogueira. Como
atividade, o livro propõe uma série de questões sobre o tema
trabalhado para o aluno fazer um auto avaliação.
O capítulo abordou apenas um fator como determinante: a
aparência,
deixando margem para se entender que alterando as características
físicas tidas como de negros a posição na sociedade pode mudar.
O livro deveria apresentar o contexto histórico do racismo, ter
mais ilustrações para incentivar o interesse do aluno e, além disso,
ter mais páginas dedicadas à luta contra discriminação.

Quadro 2- Livro Sociologia em movimento. SILVA; Afrânio; et. al. Sociologia em Movimento,
São Paulo; Ed: Moderna – 2013
O livro é formado por seis unidades e quinze capítulos.

30

Nº de páginas do livro
do aluno
Nº de páginas do livro
do professor
Nº de capítulos do
livro do aluno
Capítulo do livro que
tratou
de
racismo/discriminação
racial/preconceito
racial
Observações

400
512
15
Cap.5 “Raça, etnia e multiculturalismo”

Neste capitulo o racismo foi apresentado de maneira satisfatória,
trazendo questões relativas ao tema Texto baseado nos autores:
KabengeleMunanga, Vera Maria Candau, Arthur de
Gobineau,CesareLombroso, Gilberto Freyre, Florestan Fernandes,
AhyasSiss. As propostas para a discussão do assunto são:
questionários, indicações de filmes e vídeos, pesquisa com os
professores da escola sobre o que eles acham sobre ensino de
história da África e um congresso aberto para comunidade para
apresentação do tema trabalhado.
Um capítulo exclusivo para trabalhar uma abordagem clara dos
conceitos de raça, discriminação, identidade étnica e suas relações.
Discute atos discriminatórios que podem ser identificados de
maneira direta ou indireta, provenientes de padrões cristalizados
historicamente.
Ao apresentar as lutas dos movimentos negros, o capítulo
evidenciou de forma plausível a questão a ser discutida sobre o
negro. Desromantizou a ideia do escravismo como algo natural.

No livro sociologia em movimento da editora moderna, foi dedicado um capítulo inteiro
intitulado:” Raça, etnia e multiculturalismo”. O mesmo inicia sua abordagem com uma “linha
do tempo” de fácil e clara compreensão sobre as lutas que vem sendo travadas contra a
discriminação racial. Usando como referência Kabengele Munanga e Vera Maria Candau, os
autores desenvolvem a definição de preconceito, discriminação e segregação.
Os autores do livro tiveram a preocupação em trabalhar os conceitos utilizados com
propriedade, isso fez com que o livro pontuasse pensadores específicos de cada área, e para
debater o conceito de raça eles se utilizaram dos estudos de Arthur Gobineau e Cesare
Lombroso. As pesquisas de Florestan Fernandes e de Gilberto Freyre ajudaram a desenvolver
a reflexão sobre democracia racial e etnia. Por último, e não menos importante, foi trabalhado
a questão da multiculturalidade com AhyasSiss
A acentuada cautela em reunir autores específicos para cada conceito fez com que esse
capítulo, além de bem elaborado, conseguisse resumir em poucas folhas uma trajetória de
séculos de sofrimentos e de lutas, na medida em que os pontos principais foram sendo apontados

31

por meio de: documentos oficiais, imagens de pessoas açoitadas, charges e reportagens de
jornais, formando um conjunto de conteúdos capaz de aguçar a curiosidade do aluno para
compreensão do tema proposto.
No mesmo sentido, o livro também apresenta de maneira eficaz o negro nas questões
políticas, econômicas e sociais como resultado das relações e práticas discriminatórias definidas
historicamente. O livro é composto por argumentações que enaltecem e quebram a imagem
velada do negro apenas como ser inferior, como podemos ver no seguinte trecho: “Os europeus
justificaram suas ações com a ideia de que esses povos eram inferiores porque possuíam
características físicas e culturais diferentes. Construía-se, assim, uma forma de agir perante o
outro que conhecemos como racismo (SILVA et al., 2013, p.112).
Já no livro “Tempos modernos, tempos de sociologia”, da editora do Brasil,
encontramos apenas pequenos espaços dedicados diretamente ao tema: “Todos iguais ou muito
diferentes” e “preto na pele ou preto no sangue?”. Mesmo citando teóricos como: Gilberto
Freyre e Oracy Nogueira, os autores do livro vão desenvolver o tema reduzindo a questão racial
no Brasil única e exclusivamente à aparência, como podemos ver no trecho: “no Brasil, são
levados em consideração outros “sinais”: um cabelo mais liso ou um nariz afilado podem
“transformar” um filho de pais negros em “moreno” ou “mulato” (BOMENY et al, 2010,
p.198).
Não se utilizando de imagens ilustrativas ou algum outro mecanismo didático para
estimular os alunos e, principalmente, não contextualizando historicamente a discriminação
racial na abordagem do tema, o livro deixa a desejar no que diz respeito à construção de uma
identidade positiva entre as crianças negras.
Por fim, foi possível observar a ausência da história dos movimentos de luta contra o
racismo, lutas que foram de suma importância para as conquistas, tanto no tocante aos direitos
à cidadania quanto no que se refere ao tema tratado nesse trabalho (como citamos no primeiro
capítulo).
Como é possível observar no quadro acima o número de páginas do livro do aluno possui
uma diferença para o do professor, essa dissemelhança é chamada manual do professor que
serve para auxiliar o profissional na elaboração de suas aulas. O manual então, a cada capitulo,
traz indicações de textos, filmes, vídeos, músicas, entre outras indicações para que o professor
se aproprie melhor sobre o tema trabalhado e consiga ministrar o assunto com excelência. Dessa
forma, o livro abre a possibilidade para que, além do aluno, o professor, que não tenha
propriedade para trabalhar com segurança determinado assunto, possa amplificar o seu

32

conhecimento, o que faz desse livro uma ferramenta capaz de orientar o ensino e a
aprendizagem do estudante e auxiliar também na formação do docente.
Nos livros analisados é possível observar as características especificas de cada manual
do professor. O manual direcionado ao docente no livro “tempos modernos, tempos de
sociologia” deixa a desejar quando se trata de apresentar as ferramentas necessárias para basear
o plano de aula. Mesmo apresentando as palavras-chaves, os conceitos e o objetivo de trabalhar
determinado tema, o material didático não consegue situar de maneira satisfatória o profissional
no que se refere a dinâmica da sua aula.
Já o manual produzido para o livro “Sociologia em movimento” consegue de maneira
eficiente guiar o professor na elaboração do plano de aula, pois além de apresentar palavraschaves, conceitos e objetivos, também apresenta os principais pensadores que contribuíram com
cada tema trabalhado, o que incentiva os professores a pesquisarem aqueles que até então não
tinham tido contato.
Contem sugestões de momentos para aula e apresenta filmes e textos, com pequenas
sinopses para fundamentar o assunto, tanto para o professor, quanto para o aluno. Além disso,
também oferece o gabarito das atividades do livro do aluno no mesmo espaço das demais
contribuições para uma boa aula.

Ao analisarmos esses dois livros propostos em nossa pesquisa, podemos ver alguns
pontos presentes:
Em “Tempos modernos, tempos de sociologia”, (2010) encontramos pouco espaço
dedicado ao estudo sobre racismo. Como afirmamos, o conteúdo proposto era uma pequena
parte de um capítulo. Como se não bastasse, inexistiam figuras ilustrativas e dados de pesquisa
sobre a contextualização histórica do racismo no Brasil.
Já em “Sociologia em movimento” (2013) é notório o avanço que podemos enxergar ao
comparar com o livro anterior. Aqui já temos um espaço maior reservado ao tema. Os autores
dedicaram todo um capitulo para falar do racismo no Brasil. Com figuras ilustrativas e
contextualização histórica da discriminação racial, os autores propõem diversas atividades
didáticas para o aprendizado do tema. Entre indicações de filmes e textos, eles conseguem
despertar a curiosidade do aluno. Nesta mesma direção e não menos importante, o livro ainda
apresenta leituras complementares no exemplar do professor, tomando o cuidado de retomar
leituras sobre cada item conceitual do capítulo, de modo a permitir um embasamento maior ao
professor.

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Considerando a temporalidade e as diferenças de conteúdo entre esses dois livros,
podemos concluir que houve de fato avanços em termos de propostas de práticas pedagógicas
para o ensino de sociologia, assim como uma conscientização maior sobre a importância do
estudo sobre a discriminação racial no Brasil, na medida em que ficou claro o aumento do
espaço dedicado ao nosso tema e o salto da qualidade e profundidade do material analisado.
As dificuldades encontradas em sala de aula, que foram vivenciadas durante os estágios
relatados aqui, nos permitem concluir sobre a importância da formação contínua dos
professores e professoras, de modo que os conteúdos sejam sempre atualizados e temas tão
relevantes como o racismo tenham suas referências bibliográficas sempre atualizadas, baseadas
nas pesquisas em Ciências Sociais, e assim apoiar o melhor desempenho dos docentes em salas
de aula.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A realização de um trabalho sobre um estudo sobre racismo na Educação Básica foi
fundamental para um aprofundamento do entendimento sobre como a educação pode contribuir
no enfretamento e na superação do racismo no Brasil. Estudar sobre a reprodução da
discriminação racial em sala de aula acabou por nos trazer algumas reflexões importantes sobre
os caminhos que podemos traçar para a criação e renovação de uma educação étnico racial.
Vimos como se faz necessário trabalhar com os alunos a questão racial brasileira por
meio de novas perspectivas educacionais, tanto no conteúdo dos livros quanto na dinâmica de
ensino e aprendizagem nas práticas em sala de aula. Notamos também como é importante a
preparação do/a professor/a para orientar um debate qualificado em sala de aula.

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Os dados apresentados neste trabalho nos mostram que ainda temos uma grande lacuna
entre o que defendemos como direcionamento a ser almejado no campo educacional e o que
temos hoje. Porém, também foi possível observar os enormes avanços da luta de combate ao
racismo conseguido a duras penas pelos movimentos sociais antirracistas no Brasil.
A consolidação de leis direcionadas à garantia dos direitos humanos universais trouxe
consigo, como não poderia ser diferente, as políticas públicas especificas voltadas ao
atendimento das demandas antirracistas historicamente construída no Brasil. O Estatuto da
Igualdade Racial (2010) e a lei 10.639-2003 (2003) são provas deste movimento histórico.
Acreditamos que esses avanços são importantes e dignos de serem apontados como
vitoriosos quando consideramos o contexto histórico apresentado no primeiro e segundo
capítulos. Todos os autores que utilizamos como referência neste trabalho convergem quando
tratam de caracterizar o nosso passado como um país alicerçado no escravismo por séculos. E
vimos que este passado ainda não passou.
Uma das questões mais importantes foi verificarmos as relações entre os movimentos
feitos pela sociedade e seus reflexos na educação. Definitivamente não há educação neutra
diante das contradições da nossa sociedade. Se fazemos parte de um país forjado no escravismo,
o sistema educacional vai carregar consigo os reflexos sociais desse modelo social, podendo
por meio de seus mecanismos ratificar e colaborar com a manutenção do racismo – veladamente
ou não – ou contrapor os padrões que ajudam a manter a discriminação racial.
A luta por transformações na educação de modo que essa possa ser voltada para a
inclusão e desenvolvimento de uma identidade negra é de suma importância, uma vez que
afirmamos acreditar que é na escola que se forja parte considerável da visão de mundo de cada
indivíduo. Assim sendo, a consolidação das políticas públicas e a concretização das leis e
diretrizes apontadas neste trabalho se fazem urgente para termos uma educação que possa
despertar nos estudantes negros um processo de autoafirmação.
Optamos por direcionar a parte final do nosso trabalho à análise de um dos elementos
que formam a educação e que precisam seguir nesse sentido de transformação: o livro didático.
Acreditamos que esta evolução nas proposições do livro didático tendem a se fortalecer cada
vez mais, na medida em que o tema possa ganhar força, não só por meio dos movimentos negro,
nas lutas pela concretização das políticas públicas já aprovadas, mas também dentro da própria
academia, no sentido de novas elaborações editoriais e formação de professores dentro da
perspectiva da educação étnico racial.
Como dissemos, os desafios são muitos, mas ao mesmo tempo , como vimos neste
estudo , muitos deles já foram superados por meio da luta de diversos setores da sociedade,

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desde a resistência dos Quilombos, desde o século XVIII, até os movimentos negros
contemporâneos. É esta concepção de que esta luta é a mesma – mesmo estando estendida por
séculos – o pano de fundo desse trabalho. Dessa forma, não podemos deixar de acreditar que a
educação pode e deve ser voltada para a promoção da cidadania de todos, inclusive daqueles a
quem por séculos isso fora negado.

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